terça-feira, 30 de novembro de 2010

A Lei e os dramas humanos

João Baptista Herkenhoff

Em outros tempos o cidadão comum supunha que o território do Direito e da Justiça fosse cercado por um muro. Só os iniciados – os que tinham consentimento dos potentados – poderiam atravessar a muralha. O avanço da cidadania, nos últimos tempos de Brasil, modificou substancialmente este panorama.

O mundo do Direito não é apenas o mundo dos advogados e outros profissionais da seara jurídica. Todas as pessoas, de alguma forma, acabam envolvidas nisto que poderíamos chamar de "universo jurídico". Daí a legitimidade da participação do povo nessa esfera da vida social.

Cidadãos ou profissionais, todos estamos dentro dessa nau. De minha parte foi como profissional que fiz a viagem. Comecei como advogado, integrei depois o Ministério Público. Após cumprir o rito de passagem, vim a ser Juiz de Direito porque a magistratura era mesmo o meu destino. Eu seria juiz no Espírito Santo, como juiz foi, não no Espírito Santo, meu avô pernambucano – Pedro Carneiro Estellita Lins. Esse avô, estudioso e doce, exerceu tamanho fascínio sobre mim que determinou a escolha profissional que fiz.

Meu caminho, nas sendas do Direito, foi marcado de sofrimento em razão de conflitos íntimos. Sempre aprendi que o juiz está submetido à lei. E continuo seguro de que este princípio é verdadeiro. Abolíssemos a lei como limitação do poder e estaria instaurado o regime do arbítrio. Não obstante a aceitação de que o "regime de legalidade" é uma conquista do Direito e da Cultura, esta premissa não deve conduzir à conclusão de que os juízes devam devotar à lei um culto idólatra.

Uma coisa é a lei abstrata e geral. Outra coisa é o caso concreto, dentro do qual se situa a condição humana.

À face do caso concreto a difícil missão do juiz é trabalhar com a lei para que prevaleça a Justiça. Não foram apenas os livros que me ensinaram esta lição, mas também a vida, a dramaticidade de muitas situações. Há uma hierarquia de valores a ser observada.
Não é num passe de mágica que se faz a travessia da lei ao Direito. Muito pelo contrário, o caminho é difícil. Exige critério, sensibilidade e ampla cultura geral ao lado da cultura simplesmente jurídica. O jurista não lida com pedras de um xadrez, mas com pessoas, dramas e angústias humanas. Não é através do manejo dos silogismos que se desvenda o Direito, tantas vezes escondido nas roupagens da lei. O olhar do verdadeiro jurista vai muito além dos silogismos.

Da mesma forma que os cidadãos em geral não podem fechar os olhos para as coisas do Direito, o estudioso do Direito não pode limitar-se ao estreito limite das questões jurídicas. O jurista que só conhece Direito acaba por ter do próprio Direito uma visão defeituosa e fragmentada.

Estamos num mundo de intercâmbio, diálogo, debate. Se quisermos servir ao bem comum, contribuir com o nosso saber para o avanço da sociedade, impõe-se que abramos nosso espírito a uma curiosidade variada e universal.

João Baptista Herkenhoff, 74 anos, magistrado aposentado, é Professor da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES) e escritor. Autor do livro Dilemas de um juiz: a aventura obrigatória (Rio, GZ Editora, 2009). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O juiz e o poeta

João Baptista Herkenhoff

Em Cachoeiro de Itapemirim (ES) o povo ergueu na praça principal o busto de um poeta. E esculpiu nesse busto versos do poeta. O poeta chama-se Newton Braga, tão universal e humano quanto seu irmão, o cronista Rubem Braga, embora menos conhecido do que este porque escolheu residir na sua terra natal.

O primeiro aspecto a realçar é que a homenagem máxima da cidade foi fruto de uma subscrição popular. Centenas de pessoas assinaram a lista de doações tendo havido contribuições minúsculas, algumas destas sumamente expressivas porque os signatários colocaram toda a força da alma ao assinar. Destaque-se ainda que não se tributava honra a um homem de poder, como é bem mais comum ocorrer.
Os versos esculpidos no granito são os versos finais do poema “Fraternidade”:

“Esta sensibilidade, que é uma antena delicadíssima,
captando pedaços de todas as dores do mundo,
e que me fará morrer de dores que não são minhas.”

Vejo uma identidade entre o juiz e o poeta. O juiz também morre de dores que não são suas. Deve ser capaz de viver o drama dos processos, descer às pessoas que julga, incorporar na alma a fome de Justiça do povo a que serve. O juiz haverá de ser um misto de juiz e poeta, não com o sentido pejorativo que se desse a essa fusão. Mas com o verdadeiro sentido que há em ver como atributos da Justiça a construção da Beleza, obra do artista, e a construção do Bem, obra do homem que procura trilhar o caminho da virtude.

Diverso e oposto desse paradigma de juiz seria o juiz distante, distante e equidistante, cuja pena se torna para ele um peso, não por sentir as dores que não suas, mas pelo enfado de julgar, pela carência do idealismo e da paixão que tornariam seu ofício uma aventura digna da dedicação de uma existência. A lei como instrumento de limitação do poder é um avanço da cultura humana, caracteriza o Estado de Direito. Mas a tábua de valores de um povo não está apenas na lei. Está sobretudo no estofo moral dos aplicadores da lei. Não há arquitetura política, sistema de freios do poder, concepção de instâncias superpostas a permitir a utilização de recursos, não há enfim engenharia processual que assegure a um povo tranquilidade e Justiça se os juízes forem corruptos, preguiçosos, egoístas, estreitos, sem abertura para o social, ciosos apenas de suas vaidades.

O juiz-poeta será aberto ao universal porque a Poesia descortina os horizontes do mundo e rompe com as estreitezas. Aberto ao universal, terá do Direito uma visão sistêmica, percebendo a relação do Direito com os outros saberes humanos. Portador de cultura ampla, impulsionado pela Poesia a ver sempre além, terá consciência de seu papel social, mediador de culturas num Brasil plural.

O juiz-poeta cultivará o estudo, o trabalho intelectual, os livros. Seguirá o conselho de Olavo Bilac: “Longe do estéril turbilhão da rua, Beneditino escreve! No aconchego do claustro, na paciência e no sossego, trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!”
O juiz-poeta não se fechará no estreito mundo do jurídico e menos ainda no estreito mundo de códigos e leis interpretados literalmente. Abrirá as janelas para enxergar toda a complexidade dos problemas humanos, pensará sempre nas consequências sociais de suas decisões. Nunca lavará as mãos, como Pilatos, jogando sobre o legislador a culpa por sentenças que, a seu próprio critério, sejam profundamente injustas, sem o esforço de buscar caminhos de interpretação para que prevaleçam, nos julgados, os valores éticos que a própria Constituição Federal coloca como parâmetros da organização social brasileira, como muito bem analisou em livro o jurista gaúcho Juarez Freitas.

Um juiz e uma Justiça que participem do esforço de superação das injustiças estruturais, isto é o que se espera como programa de ação de um Judiciário sensível e vigilante. Em síntese: juízes-poetas que se desdobrem para fazer da Justiça uma obra de Poesia e de Grandeza.

João Baptista Herkenhoff é professor da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES), autor do livro Dilemas de um juiz – a aventura obrigatória (Rio, GZ Editora, 2009). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Direito Ambiental: seus fundamentos éticos.

João Baptista Herkenhoff

O zelo pelo meio ambiente insere-se dentro de uma específica visão de mundo e de homem. A partir desta ideia básica desenvolvo as considerações desta página.

Se temos uma concepção hedonista da vida, se nosso horizonte de preocupações fecha-se nos limites de nossa própria casa, se o prazer pessoal e ilimitado é nossa referência – não há razão para que pensemos sobre meio ambiente. Se, ao contrário, nós nos vemos como partícula do universo, se nosso destino como pessoa projeta-se no destino comum dos seres, se raciocinamos numa perspectiva de futuro – gerações sucedem gerações, então, nesta compreensão do papel que desempenhamos no Universo – meio ambiente é tema que nos toca profundamente.

O Direito não está alheio às questões ambientais. Há um ramo do Direito que se debruça justamente sobre o desafio de preservar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade, quer para as gerações presentes, quer para as futuras gerações. Trata-se do Direito Ambiental.

A Constituição Federal estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Este é considerado bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida. Cabe ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo. Miguel Reale escreveu muito inspiradamente em suas “Memórias”:

"A civilização tem isto de terrível: o poder indiscriminado do homem abafando os valores da Natureza. Se antes recorríamos a esta para dar uma base estável ao Direito (razão de ser do Direito Natural), assistimos hoje a uma trágica inversão, sendo o homem obrigado a recorrer ao Direito para salvar a natureza que morre".

O “Direito Ambiental” constitui parte da educação para a Cidadania e os Direitos Humanos. Em primeiro lugar porque a proteção do ambiente é a segurança da sobrevivência sadia das gerações futuras. Em segundo lugar porque a Ciência do Direito tende a ampliar a ideia de Direitos Humanos para além da espécie humana consagrando autênticos direitos da natureza.

Muitas Faculdades de Direito incluem o “Direito Ambiental”, no currículo acadêmico, seja como disciplina obrigatória, complementar ou eletiva. Devido à importância desse estudo, o interesse por ele transpõe os muros do espaço jurídico, alcançando profissionais de várias áreas. A consciência ambiental disseminada na opinião pública assume especial relevância na atualidade, para que todos sejamos guardas da natureza, defendendo-a de agressões e esbulhos. A preservação ambiental convoca as três esferas de governo – federal, estadual e municipal. Igualmente, o compromisso com a defesa do ambiente reclama a atuação dos três poderes – legisladores que façam leis protetoras, autoridades do Executivo que estejam vigilantes, magistrados preparados para aplicar, com descortino, o Direito Ambiental nas suas decisões.

João Baptista Herkenhoff, 74 anos, magistrado aposentado, é Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha e escritor. Autor do livro Dilemas de um juiz: a aventura obrigatória (Rio, GZ Editora). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Uma boa ação

João Baptista Herkenhoff

A força das palavras no contexto é que dá o timbre do que seja uma boa ação, como veremos no correr deste texto.

A professora prescreveu o tema sobre o qual os alunos deveriam discorrer: “Uma boa ação”. Recomendou que os meninos dessem asas à criatividade. Que o texto tivesse grandeza e procurasse comover.

Augusto, sempre cioso de ser um bom aluno, pôs-se a meditar: “Eu já sei muito bem o que vou escrever, não tenho a mínima dúvida sobre a boa ação que proporei aos meus colegas. Só não sei como vou fazer para comover, pois é isto que a professora quer.”

Lembrou-se então o menino de uma frase que, dias antes, sua Mãe falou baixinho, no ouvido do Pai: “Marido, quando suas ações sobem, você é um outro homem, você me emociona”. Augusto então concluiu; “ação que emociona é ação que sobe”. Entretanto, há ações que não sobem, mas que são boas. Foi o que seu Pai falou dia desses na hora do jantar: “As ações que temos caíram, com essa crise financeira internacional, mas quando a empresa é forte, como o Banco do Brasil, podemos ficar tranquilos. A ação cai hoje, mas sobe amanhã.”

Depois de todas essas reflexões, Augusto decidiu sobre o rumo a tomar e iniciou solenemente sua redação: “Uma boa ação é a do Banco do Brasil. Tudo quanto é empresa pode falir, mas o Banco do Brasil sempre estará garantido. O Banco do Brasil só haverá de falir se o Brasil cair em falência. Por esta razão, não existe ação melhor que a do Banco do Brasil.”

O Augusto releu o parágrafo e achou que estava ótimo. Entretanto, atento às recomendações da professora, viu que seu trabalho estava incompleto, pois não tinha emoção. E perguntou a si mesmo: como uma ação do Banco do Brasil pode comover?
Imaginou então a história de um homem que tinha colocado todo o dinheiro que economizou na compra de ações do Banco do Brasil. Essas ações, como todas as outras, caíram muito na bolsa. Embora sabendo que o Banco do Brasil era muito forte, ele ficou desesperado, teve um enfarte e morreu.

No dia em que os trabalhos foram entregues, a professora comentou os textos para todos os alunos ouvirem. “Augusto, meu querido aluno. Você é muito inteligente. Sua redação está perfeita, não tem um só erro de português. Mas uma boa ação que eu dei como tema não é isso. Veja as boas ações que seus colegas apontaram: ajudar uma pessoa idosa a atravessar a rua; defender um colega que sofre uma injustiça; visitar uma pessoa doente”.

Esse é o lamentável epílogo do insucesso escolar do Augusto.Cabe um acréscimo, à margem. Triste sociedade onde até as crianças, de tanto ouvirem falar em queda da bolsa, supõem que uma boa ação seja a do Banco do Brasil.

O mundo seria melhor, se estivesse liberto da onipotência do capital e do seu mais nefasto vértice, o capital financeiro. Afinal quem é mais útil ao convívio humano: o banqueiro que manipula o dinheiro e pede socorro ao tesouro público quando seu negócio fracassa, ou o agricultor que trabalha de sol a sol, lavra a terra e produz alimentos?

João Baptista Herkenhoff, 74 anos, Professor da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES), palestrante Brasil afora e escritor. Autor do livro Filosofia do Direito (Editora GZ, Rio de Janeiro, 2010). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

É livre a divulgação deste texto por qualquer meio, sem necessidade de consentimento do autor que, entretanto, gostaria de ser cientificado das publicações que ocorram.

Depois das eleições

João Baptista Herkenhoff

Este artigo a ser publicado nos jornais, a partir de três de novembro, foi mandado para alguns dos veículos de comunicação na semana anterior, conforme critério combinado com os editores de Opinião.

No dia em que este texto foi produzido, as pesquisas previam a vitória de um dos postulantes à Presidência. Contudo só a apuração dos votos é que definiria quem realmente obteve a preferência do eleitorado. Se as pesquisas fossem infalíveis, poderiam substituir a boca da urna, com economia de tempo e dinheiro.
Como se portar o articulista em face desta situação? Como escrever o artigo, se não é profeta? Talvez a solução fosse cuidar das generalidades, abordar pontos apropriados indepentemente do resultado eleitoral. Foi o que tentei fazer, como o leitor verificará no correr do escrito.

A primeira coisa a dizer, rigorosamente certa, é isto: o povo brasileiro foi vitorioso quando exerceu o direito de eleger o Presidente da República. Esta franquia não foi dada ou concedida por quem quer que seja, foi conquistada pela opinião pública ao exigir “diretas já”, e foi consolidada com as sucessivas eleições presidenciais.
A segunda palavra, também oportuna: a Democracia não se concretiza pelo exercício do voto apenas. Democracia é muito mais do que isso. É educação de boa qualidade, condições de saúde, habitação decente, segurança, vida digna para todos os brasileiros. Os dois candidatos prometeram satisfazer essas aspirações. É direito do povo cobrar de quem venceu o rigoroso cumprimento das promessas.

A terceira palavra propõe o alargamento de um tópico referido no parágrafo anterior: habitação decente. Quem foi expulso dos espaços de razoável conforto, nas cidades, para as periferias? Quem foi condenado a conviver com o lixo? São pessoas sem nome e sem face, marginalizadas, não obstante detentoras da mesma substância espiritual que nos irmana. Esta situação tem de ser mudada. O Governo federal, em aliança com governos estaduais e municipais, tem de assegurar morada sadia e confortável, ainda que simples, para todas as pessoas, para todas as famílias deste país.

A quarta palavra é uma reflexão para todos nós, eleitores. Nosso dever cidadão não se esgotou no ato de votar. É necessária a mobilização popular para fazer um balanço geral do nosso modelo democrático. Há vícios profundos, alguns deles históricos. Como prevenir e coibir a corrupção, por exemplo? Não será razoável exigir que os tribunais de contas sejam mais ativos? Se esses tribunais fossem vigilantes, onipresentes, não seria mais difícil a prática da corrupção? Corrupção sempre houve, disso não se tenha dúvida. Nos períodos ditatoriais houve igualmente corrupção, apenas não era denunciada por falta de liberdade de imprensa. Entretanto, o fato de ser a corrupção um pecado ancestral não deve conduzir a uma atitude de conformidade ou de condescendência. Corrupção é inaceitável, tem de ser extirpada da vida nacional.

A quinta palavra que proponho como provocação é a de discutir a estrutura partidária. Partido tem de ter programa, compromissos. A existência de partidos tem de representar um leque de escolhas para o eleitorado. Do jeito que está atualmente, o sistema de partidos não cumpre sua finalidade. Não se trata de abolir os partidos, mas de chamá-los à ordem, um puxão de orelhas, destes que fazem acordar.

Nossa sexta palavra quer acenar para o tema “discriminações contra a mulher”. Independente de ganhar o candidato homem, ou a candidata mulher, há muito para ser feito a fim de eliminar da vida brasileira as discriminações que relegam a mulher a um plano secundário dentro da sociedade. A luta pelo respeito à mulher, pela dignificação da mulher, não é uma luta isolada do tradicionalmente chamado sexo frágil. Todos os seres – homens e mulheres – têm alguém a que chamam de Mãe. Basta isso – todos nascerem de uma mulher – para que os “direitos da mulher” sejam direitos que convoquem todas as pessoas para uma vigilância contínua.

Nenhuma das empreitadas propostas neste texto alcançará efetivação através da luta individual. Só a luta coletiva permite obter avanços. Há situações concretas onde o cidadão tem de travar uma luta individual para conquistar seus direitos. Esta peleja solitária, que o cotidiano da vida exige, é penosa, longa e a possibilidade de chegar a bom termo é sempre menor. Porém, se uma situação específica convoca a luta individual, não devemos recuar diante dos obstáculos.

Sempre que for possível, entretanto, devemos recorrer à luta coletiva. Para a luta coletiva a sociedade tem de aprender a organizar-se. Os pleitos confusos, atrapalhados, sem método, podem ser perdidos e aí geram desânimo. Celebremos as eleições presidenciais, merecem palmas e louvores, mas estejamos certos de que há veredas a percorrer. Que a realização deste certame eleitoral nacional seja convite para as rotas a serem ainda trilhadas.

João Baptista Herkenhoff é professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES), magistrado aposentado, palestrante e escritor. Autor de Dilemas de um juiz – a aventura obrigatória. Editora GZ, Rio de Janeiro, 2009.
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

N. B. – A divulgação deste texto, por qualquer meio ou veículo, é livre, sem necessidade de autorização do autor que, entretanto, agradece ser cientificado das divulgações feitas.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

A escola que queremos

Existem temas que são recorrentes nas campanhas eleitorais. Outros, recentemente, surgiram com mais veemência nos debates por tratar de questões que permeiam os valores morais e, numa sociedade como a nossa, ainda jovem no sentido da observação e compreensão dos “princípios regentes da democracia”, esses assuntos causam um verdadeiro terremoto, obrigando muitos a dizerem o que não pensam, para não perderem a popularidade, mesmo sabendo que do ponto de vista da democracia, é necessário debater e expor o seu pensamento sobre o tema.

Mas o que vou tratar nesse artigo, não diz respeito a “valores morais”, embora também seja recorrente, tanto nas campanhas eleitorais, quanto no cotidiano das pessoas. Falo de educação.

A vontade de se sentir incluído e de participar de um assunto que é inerente ao universo intelectual, estimula muitos a falarem desse assunto, sem, de fato, entendê-lo. Aliás, quero ressaltar que também não sou especialista da área, porém, me atrevo a compartilhar o pouco que entendo com aqueles que, porventura, se dispuserem a ler o presente artigo.

Ocorre que conquistar requer sacrifício e muitas vezes, mesmo com muito sacrifício, não se consegue um resultado no tempo e espaço que desejamos. Melhorar a educação, pressupõe uma mudança de comportamento, o que não se restringe apenas a educadores ou aqueles que os remuneram. É evidente que as mazelas existem e são difíceis de serem combatidas no curto prazo. Há muitos culpados de não haver em nosso país uma atitude de combate radical ao analfabetismo, e não me refiro apenas aos que não sabem ler, mas aos que não compreendem o que lêem. No entanto, o trabalho para identificar culpados, é inócuo. Não soluciona absolutamente nada. Mas se as pessoas que são direta ou indiretamente atingidas pela catástrofe provocada pela “educação deficitária” no país, decidirem participar desse movimento, poderemos sim vislumbrar uma geração futura com grandes possibilidades de construir um Brasil de primeiro mundo.

Todos temos um papel a cumprir neste contexto. Governo, sociedade, profissionais da educação, família, meios de comunicação, enfim, se não compreendermos, definitivamente, que a nossa participação na busca por soluções para os problemas da educação não terminam quando apertamos algumas teclas na urna eleitoral eletrônica ou, simplesmente, quando os nossos filhos deixam a escola, sempre teremos jovens frustrados, sem uma profissão e enveredando para o mundo do crime, ou, ansiosos para terminarem o ensino médio e abandonarem a escola como se até ali, tivesse sido o maior fardo que já carregou por toda a sua vida.

O povo deve continuar acompanhando os movimentos políticos dos eleitos, sobretudo aqueles que receberam o seu voto. Atuando como um cidadão que se preocupa com o coletivo e não há nada que afete mais o coletivo do que a oferta de um ensino público de qualidade, que contemple a formação de um indivíduo que pense e não apenas que cumpra sua “obrigação” de concluir os estudos. Na outra ponta, as famílias devem continuar acompanhando o desenvolvimento da sua escola, mesmo que os seus filhos não estejam mais lá. A escola é da comunidade, portanto, o que acontece nela diz respeito a todos.

É preciso quebrar paradigmas, mudar o que for preciso para que a educação aconteça de fato e não seja um “eu finjo que te ensino, e você finge que aprende”. Não podemos misturar um tema de tamanha relevância para o futuro das crianças e jovens brasileiros, com a dinâmica da politicagem mesquinha que serve apenas como alicerce para incompetentes pousarem de rei com um olho só, numa terra de cegos. Não é justo que se promova a ignorância para a pavimentação do caminho dos medíocres.

Educação é muito mais do que prédio, materiais escolares, computadores com internet, praças esportivas. Sim, tudo isso faz parte de uma estrutura que contribui na qualidade da educação, mas se não houver um esforço contínuo e um compromisso real de profissionais, dos que remuneram esses profissionais e acima de tudo, o comprometimento da família em participar do processo educacional dos seus filhos, de nada adiantará ter prédios maravilhosos que só servirão para abrigar, lamentavelmente, futuros jovens marginalizados e despreparados para uma atividade profissional digna e que lhe proporcione sonhar com uma vida melhor do que teve a geração que lhe antecedeu.

Precisamos pensar nisso, porque a escola que queremos sempre será a escola que teremos.