quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O Bafômetro agride o Direito?

João Baptista Herkenhoff

Não me sinto constrangido por eventual submissão de alguém de minha família ao teste do bafômetro, desde que realizado respeitosamente. Em mim nunca seria feito esse teste porque não dirijo. De longa data cassei minha carteira de motorista porque me distraía na direção.Também não me sinto constrangido ao passar por máquinas que detectam metais, nos aeroportos, bancos etc.

Se o critério é o da prudência parece-me que, no Brasil, o bafômetro é bem mais importante do que o detector de metais nos aeroportos. Da embriaguez no volante resultam milhares de mortes. Já quanto à possibilidade de atos de terrorismo no espaço aéreo brasileiro, creio que a possibilidade é remota.

O Brasil não suscita ódios virulentos, motivo pelo qual não somos alvos preferenciais de atos insanos, sempre injustificáveis, mesmo quando dirigidos contra países que pretendem a hegemonia no mundo, porque os atos de terrorismo sacrificam pessoas inocentes. O argumento jurídico contra a obrigatoriedade do teste do bafômetro é o de que “ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo”. O argumento procede. A imposição do teste fere a Constituição. Já há decisões da Justiça neste sentido. Entretanto, se o teste de bafômetro não pode ser compulsório, a recusa de submissão ao mesmo deve ser lavrada, em termo próprio, e poderá ser ponderada, em desfavor do motorista, junto a outros elementos de prova, se tiver ocorrido acidente do qual resulte morte ou lesões corporais, ou dano material em prejuízo de terceiros.

Se alguém que não ingeriu bebida alcoólica vê-se envolvido num acidente, sua melhor conduta será aceitar o teste de bafômetro, pois a verificação negativa da presença de álcool no organismo será elemento importante em seu benefício.

A chamada “lei seca”, a meu ver, se aplicada com sabedoria, merece aplausos, pois tem reduzido o número de acidentes, conforme constatado. Mas, como em tudo, a virtude está no meio (in medio virtus).

A lei seca não pode ser utilizada para justificar o arbítrio ou o desrespeito ao cidadão.

O êxito da medida depende do equilíbrio dos aplicadores da lei.

Seria razoável lavrar auto de presença de álcool no sangue contra o sacerdote que acabou de rezar Missa e ingeriu, segundo o rito, o vinho que é utilizado na celebração?

Seria aceitável adotar procedimento incriminatório contra o trabalhador cujo ofício é provar vinhos, na indústria em que exerce o seu mister, porque resíduos de álcool foram encontrados no seu organismo?

Seria compreensível punir o noivo que acabou de contrair núpcias e que, na viagem de Lua de Mel, é surpreendido na estrada, quando então se constata que ingeriu vinho, no brinde que se levanta como voto de amor eterno, segundo a tradição milenar?

Os que zelam pelo trânsito não devem ser prepotentes, como não deve ser prepotente quem quer que tenha, nesta ou naquela função, alguma parcela de autoridade. As leis de trânsito existem em benefício do povo, em defesa da vida e da integridade das pessoas. Todos devemos colaborar para que se reduzam no Brasil os acidentes, causa trágica de luto e sofrimento.

Uma política de segurança no trânsito não se limita à utilização do bafômetro, como forma de coibir a embriaguês. Todo um trabalho educativo há de ser realizado para inspirar na coletividade, principalmente nos jovens, atitudes de respeito ao próximo, responsabilidade, moderação, convívio fraterno.

João Baptista Herkenhoff, 74 anos, é Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES). Autor deFilosofia do Direito (Editora GZ, Rio, 2010).

E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Bicicletas e Humanismo

João Baptista Herkenhoff

Andar de bicicleta lembra-me a infância em Cachoeiro de Itapemirim, a terra de Rubem Braga e Roberto Carlos. Ruas com calçamento de paralelepípedos, poucos carros, nenhum motorista correndo. Trânsito realmente humano, quase diria trânsito fraterno. A convivência entre carros e bicicletas era absolutamente tranquila. Não me recordo de um único atropelamento de ciclista, por carro, ou de pedestre, por ciclista.

A bicicleta é um transporte alternativo que deve ser valorizado, se pensamos em políticas públicas centradas em referenciais de humanismo.

Andar de bicicleta faz bem à saúde. A bicicleta reclama do ciclista postura correta, participação das pernas na pedalagem e dos braços no manejo do volante, além de respiração correta e atenção. O ciclismo oxigena o cérebro, constitui passatempo para o espírito, desenvolve a inteligência. Em países adiantados e cultos, como a França, o ciclismo é um esporte que desfruta da adesão de altíssimo percentual da população. No Brasil, temos também cidades de ciclistas, como Joinville, em Santa Catarina.

Se praticado em grupo o ciclismo é, no caso dos jovens, um valioso instrumento de socialização e, no caso dos idosos, um remédio contra a solidão. Embora tenha seu maior contingente de adeptos no seio da juventude, o ciclismo é largamente praticado por adultos. Pessoas mais velhas podem ter no ciclismo eficiente prevenção de doenças cerebrais e do coração. O ciclismo não distingue sexos, seja entre os jovens – rapazes e moças, seja entre os mais velhos – senhoras e senhores.

Além dos benefícios que proporciona à saúde, a bicicleta é um transporte baratíssimo, pois não consome combustível. Devido ao grande aumento do número de carros, a bicicleta exige hoje, nas cidades médias e grandes e também nas estradas, a construção de ciclovias. Elas garantem a segurança do ciclista evitando acidentes.

Temos de resistir ao modelo social que elege as metas simplesmente econômicas como as essenciais, fazendo do ser humano mero instrumento e produto da Economia. A essa visão equivocada, que se funda numa deformação ética inaceitável, temos de opor a idéia de que o homem é o arquiteto e o destinatário da História.

Dentro dessa concepção, a construção de ciclovias acompanhará, necessariamente, a construção de rodovias e avenidas.

João Baptista Herkenhoff, magistrado aposentado, 74 anos, é professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES). Autor do livro Mulheres no banco dos réus – o universo feminino sob o olhar de um juiz (Editora Forense, Rio, 2009).

E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Partidos, homens partidos?

João Baptista Herkenhoff

Este texto defende a importância dos partidos na Democracia do modelo ocidental, não obstante a advertência de Carlos Drummond de Andrade que citaremos. Apresentamos ideias para aprimorar o regime partidário.

Drummond escreveu:

“É tempo de partidos, é tempo de homens partidos”.

Os poetas costumam estar certos. Enxergam longe, capazes de ver o que está oculto ao comum dos mortais.

Não me arrisco a fazer hermenêutica poética, não me arrisco a interpretar Drummond. A hermenêutica que faço, em razão de meu ofício, é a hermenêutica jurídica. Assim, prefiro fazer considerações à margem da visão do poeta, permanecendo no terreno em que transito com relativa facilidade.

Os partidos, no modelo de Democracia adotado pelo Brasil, devem corporificar correntes de pensamento. Em outras palavras: todo partido deve ter um programa e deve ser fiel a esse programa.

O programa partidário deveria traduzir escolhas em face dos mais diversos assuntos. Todos aqueles que integram um partido deveriam lutar pelas ideias do programa partidário. Nesta linha de pensamento, o eleitor, em qualquer eleição, inclusive nas eleições municipais, escolheria, em primeiro lugar, o partido de sua preferência. Depois, dentro do partido, com cujo programa comungasse, o eleitor escolheria o candidato que lhe parecesse o melhor. Ainda dentro desse raciocínio, o político eleito, que mudasse de partido, deveria perder o mandato. Isto porque se os partidos têm um programa, sair do partido significa abandonar o programa.

Na realidade brasileira, as coisas não funcionam assim. Sem pretender, como disse, interpretar o poeta, suponho que os partidos que receberam o anátema de Drummond são partidos sem programa, são partidos como os que temos, às dezenas, no Brasil.

Não me parece que só exista a possibilidade de regime democrático dentro do sistema partidário. Outros modelos políticos podem cultuar os valores básicos do que chamamos de Democracia, principalmente naqueles países que têm vertente cultural diversa da vertente ocidental. É absoluta negação do sentido de Democracia pretender o Ocidente o monopólio do ideal democrático.

Mas Democracia no Brasil foi sempre Democracia fundada em partidos políticos. Nas fases da vida brasileira em que se suprimiram os partidos não tivemos outros modelos possíveis de Democracia, mas sim ditadura. Foram períodos em que se cassou a liberdade de imprensa, em que os divergentes políticos foram presos e torturados, em que uma suposta verdade foi decretada como imposição à consciência de todos.

Assim sendo acredito que, no Brasil, o que temos de fazer é aperfeiçoar o sistema de Democracia partidária adotado tradicionalmente pelo país.

Que os partidos tenham programa e sejam fiéis a seus programas.

Que os candidatos, nas campanhas eleitorais, expliquem ao povo o programa dos seus partidos.

Que se exija fidelidade partidária. O mandato pertence ao partido, que está comprometido com um programa, e não às pessoas que foram eleitas.

Lanço uma ideia para ser discutida: que se adote a partilha do mandato pelos candidatos votados, no caso das eleições proporcionais. Ou seja, não seriam considerados eleitos apenas os candidatos mais votados, dentro da respectiva legenda. Também outros candidatos, expressivamente votados, seriam considerados eleitos (ou seja, escolhidos), uma vez que foram sufragados por parcela ponderável do eleitorado. Partilhariam do exercício do mandato, por tempo correspondente aos votos alcançados. Isto seria feito sem implicar em aumento de despesas, de acordo com uma regulamentação sábia que se fizesse da matéria.

João Baptista Herkenhoff, 74 anos, professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES), palestrante e escritor. E-mail:jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br Autor de Dilemas de um juiz – a aventura obrigatória (Editora GZ, Rio de Janeiro).

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Coordenador da FUG/ES participa de Aula Inaugural de pós-graduandos em Gestão Pública Municipal

O mediador e coordenador regional da Fundação Ulysses Guimarães do Espírito Santo, Carlos Quartezani, que vem realizando o trabalho de ofertar aos cidadãos de Conceição da Barra e região a oportunidade em fazer os cursos de formação política, na modalidade EAD, participou nesta sexta-feira, 11, de uma Aula Inaugural do Curso de Especialização em Gestão Publica Municipal, oferecido pelo Ministério da Educação, numa parceria entre o Instituto Federal do Espírito Santo (IFES) e a Prefeitura Municipal. As aulas presenciais serão realizadas na estrutura do Pólo Municipal de Apoio Presencial da Universidade Aberta do Brasil (UAB), localizado no próprio município.

Na oportunidade, o coordenador da FUG foi convidado a fazer uso da palavra e apresentou aos presentes o trabalho que vem sendo desenvolvido na região, no tocante à formação política dos cidadãos, ressaltando o quanto o Curso para Gestores Públicos Municipais, da FUG, tem contribuído para um melhor entendimento da população sobre a função pública e o quanto este curso poderia somar para o incremento no aprendizado dos alunos do curso de pós-graduação iniciado hoje em Conceição da Barra e em outros municípios da região, onde existem o Pólo UAB.

“O nosso curso foi preparado por professores extremamente capacitados, profissionais de entidades como a Universidade de Brasília (UnB) e o Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), e será de grande utilidade para a complementação das atividades que vocês terão nos próximos 20 meses, durante essa pós-graduação”, disse Carlos Quartezani, ao apresentar a apostila contendo o Módulo 1, do curso para Gestores Públicos Municipais da Fundação Ulysses Guimarães.

O coordenador da FUG, de Conceição da Barra, norte do Espírito Santo, ficou satisfeito com o convite da coordenadora do Polo Marlene de Souza Oliveira em participar da Aula Inaugural de um curso de Gestão Pública Municipal que possibilitou-lhe apresentar a um outro segmento da sociedade, desta vez o segmento universitário, o trabalho que vem fazendo em prol do conhecimento e da cidadania no município e na região.

“Fiz vários contactos com alunos e estarei em breve abrindo uma nova turma do Curso para Gestores Públicos Municipais em Conceição da Barra”, comemora Quartezani, depois da sinalização da maioria dos alunos em fazer simultaneamente a pós-graduação e o curso oferecido gratuitamente pela Fundação Ulysses Guimarães.


Participaram da cerimônia, além da coordenadora do Polo, o prefeito municipal, o presidente da Câmara de Vereadores e o secretário de Ação Social que representou os alunos.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Justiça com as próprias mãos não pode ser tolerada

João Baptista Herkenhoff

Tem largo curso, no Brasil, a obtenção de certos direitos creditícios, por ato direto dos próprios credores. Refiro-me, por exemplo, ao corte de energia elétrica e à suspensão do serviço telefônico, em desfavor do usuário do serviço que não paga sua conta no vencimento. A ameaça de suspensão, que se sabe será seguida do efetivo bloqueio do serviço, constitui, por si só, um instrumento de pressão que coloca as empresas de energia e de telefonia em situação absolutamente privilegiada, dentro do sistema jurídico nacional.

Quando o corte de serviço se realiza – o fornecimento de energia elétrica é suspenso, a linha telefônica fica muda – tem-se, insofismavelmente, a justiça feita com as próprias mãos, autorizada por lei e já chancelada pelo Poder Judiciário, em algumas decisões, a meu ver, extremamente infelizes. Creio que esses procedimentos ferem a Constituição Federal.

No mundo moderno, ficar sem luz e sem telefone significa estar privado de bens essenciais. A prestação de tais serviços está ligada ao respeito que é devido à família e à pessoa humana. Tanto a família, quanto a pessoa humana, são titulares de direitos que traçam o perfil da sociedade democrática de direito. A dignidade da pessoa humana constitui fundamento da República (artigo 1º, inciso III, da Constituição). A família, base da sociedade, tem direito à especial proteção do Estado (art. 226). Os cortes assumem o caráter de brutalidade revoltante quando atingem pessoas idosas, doentes e crianças.

Autorizar que se faça justiça com as próprias mãos agride o estado democrático de direito, por cuja implantação tantos lutaram e morreram em tempos recentes de Brasil.

A conquista, que resultou da luta do povo, está expressa no artigo que abre nossa Constituição:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito.”

Não estamos afirmando que as empresas fornecedoras de energia elétrica e serviço telefônico têm de oferecer gratuitamente esses bens. Nem estamos negando que sejam titulares de crédito, em face do devedor. Contudo, que as empresas cobrem seus créditos, como os demais credores, já que todos são iguais perante a lei. (Art. 5º da Constituição Federal). Recorram à cobrança judicial, se a cobrança amigável e a composição falharem. As empresas, como os particulares, estão amparadas pelo princípio da ubiquidade da Justiça. (Artigo 5º, inciso 35, da Constituição). Em razão desse princípio, têm direito de acesso aos tribunais para a busca de seus direitos. Inadmissível é facultar-se a empresas o arbítrio de suspender serviços de primeira necessidade, ao arrepio da Justiça, colocando pessoas e famílias numa situação aflitiva.

Isso, além de afrontar a Constituição, pelos motivos apresentados, é incompatível com um padrão mínimo de civilização.

João Baptista Herkenhoff, 74 anos, é professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES) e escritor. Autor de Escritos de um jurista marginal (Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre).

E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

População terá acesso a medicamentos gratuitos contra hipertensão e diabetes

por Secom em 03/02/2011 21:07hs

Para obter o medicamento, é necessário apresentar à farmácia CPF, documento com foto e receita médica, exigida para evitar a automedicação/Portal do Servidor

Medicamentos para o tratamento de hipertensão e diabetes começaram a ser oferecidos gratuitamente, nessa quinta-feira (3), pela rede de farmácias e drogarias conveniadas à rede Aqui Tem Farmácia Popular. Até o dia 14 deste mês, todos os 15.069 estabelecimentos credenciados já terão aderido plenamente ao programa Saúde Não Tem Preço.

A oferta de medicamentos gratuitos foi normatizada por portaria do Ministério da Saúde e viabilizada por acordo com sete entidades da indústria e do comércio farmacêutico, que reduzem sua margem de lucro sobre cada medicamento, para que o usuário o leve para casa sem nenhum custo. Em contrapartida, o ministério se compromete a ampliar a oferta de medicamentos pelo programa.

No Brasil, a hipertensão arterial é diagnosticada em cerca de 33 milhões de pessoas. Destes, 80% – ou aproximadamente 22,6 milhões de hipertensos – são atendidos na rede pública de saúde. Entre os 7,5 milhões de diabéticos diagnosticados no País, seis milhões (80% do total) recebem assistência no SUS.

Controle

No lançamento do Saúde Não Tem Preço, foi anunciado o fortalecimento dos mecanismos de controle e transparência da rede Aqui Tem Farmácia Popular: blindagem eletrônica das transações, que repele tentativas de violações à privacidade do cliente ou usuário dos serviços; implantação de um cupom vinculado, que conterá informações detalhadas sobre o comprador, o estabelecimento e o médico que prescreveu aquele medicamento; criação de um cadastro de vendedores, com controle do acesso de todos os atendentes das empresas credenciadas; e cruzamento com o Sistema de Óbito do Ministério da Previdência (SISOBI), excluindo indivíduos registrados como falecidos que estejam relacionados às vendas realizadas. A atuação de fiscalização e auditoria do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus) também será ampliada.

Programa

O Farmácia Popular foi criado em 2004, com unidades próprias conhecidas como Farmácia Popular do Brasil, para oferecer à população mais uma forma de acesso a medicamentos, além dos cerca de 560 tipos oferecidos gratuitamente nas unidades públicas de saúde. Em 2006, a estratégia foi estendida à rede privada, recebendo a denominação Aqui Tem Farmácia Popular. Atualmente, essa modalidade do programa é desenvolvida em mais de 2,5 mil municípios, beneficiando cerca de 1,3 milhão de brasileiros por mês. Destes, aproximadamente 660 mil são hipertensos e 300 mil, diabéticos.

Com exceção dos medicamentos para diabetes e hipertensão – que a partir de agora passam a ser gratuitos – o governo federal financia 90% do valor de referência dos medicamentos no Aqui Tem Farmácia Popular, cujo orçamento para 2011 é de R$ 470 milhões. Pelo programa, a população tem acesso a 24 tipos de medicamentos para hipertensão, diabetes e mais cinco doenças (asma, rinite, mal de Parkinson, osteoporose e glaucoma), além de fraldas geriátricas.

Para obter o medicamento, é necessário apresentar à farmácia CPF, documento com foto e receita médica, exigida para evitar a automedicação. A listagem completa dos itens disponibilizados pode ser acessada em www.saude.gov.br

Neutralidade de juízes e juristas

João Baptista Herkenhoff

Este texto defende a tese de que todo jurista opta por valores, decide por um determinado tipo de sociedade à qual serve. A suposta neutralidade é hipócrita, não corresponde à verdade dos fatos.

O juiz deve ser neutro à face das partes porque é o fiel da balança. As partes apresentam suas razões e provas. O juiz deve decidir com independência: retilíneo diante dos poderosos, compreensivo para ouvir os humildes. Já quando se trata de optar por valores éticos e jurídicos, o juiz não é neutro. Todo juiz (ou jurista – seja um magistrado, um advogado, um membro do Ministério Público, um professor, um doutrinador) carrega no seu espírito um conjunto de ideias, ou seja, uma ideologia.

Há escolhas a serem feitas. Os juízes devem ser honestos consigo mesmo reconhecendo que fazem escolhas e honestos perante o grupo social afirmando as escolhas que fizeram. Abaixo a hipócrita neutralidade de advogados, procuradores, juízes, desembargadores, ministros! Essa neutralidade sempre protegeu escolhas de conservação das estruturas. Decidamos por qual mundo lutaremos, que interesses consideramos legítimos e merecedores da tutela de nossas valorações. O jurista tem, a meu ver, uma tarefa na construção da Democracia real, que não se confunde com a democracia de fachada.

A Democracia real é obra de artesanato. Não virá de cima para baixo. Terá sua gestação no processo democrático, com todas as suas dificuldades. O jurista, que optou pela transformação social, deve ter ouvidos para ouvir os clamores de Justiça do povo. Ter alma e sensibilidade para ler as leis que o povo pressente como justas e quer escrever. Optar por um projeto de mundo fundado na igualdade e que abomine todas as formas de exploração do ser humano. Entrar em relação de comunhão com as classes populares, ungido na opção pelos deserdados da lei. Colocar seu saber a serviço dessa causa. Agir criativamente em busca de novos institutos jurídicos, novas interpretações que contemplem os que sempre estiveram à margem dos direitos. Ao advogado também cabe agir criativamente buscando novas sendas, atalhos que socorram o grito dos que estão famintos de Justiça. Deve o advogado explorar as contradições do sistema legal, um veio tão rico para avançar conquistas populares. O sistema legal, mesmo tentando legitimar interesses das classes dominantes, tem de fazer concessões. A própria capacidade hegemônica do Direito está na dependência de que suas determinações assumam um caráter de igualdade em certos direitos e deveres, como observou o cientista político Emir Sader.

O jurista que optou pelo lado dos oprimidos deve procurar dar vida a certos princípios constitucionais programáticos, colocados às vezes sem propósito de real vigência no texto da Constituição. Deve o jurista, comprometido com um projeto popular, tentar localizar, com olhos de ver, o "espaço em branco" dentro do sistema de legalidade, um espaço que "possa juridicamente ser preenchido e que escape ao alçapão da ideológica legalidade que induz à não-mudança, ao imobilismo, à manutenção do status quo". (Luiz Edson Fachin.)

Que Direito será o mediador da obra de artesanato democrático que os juristas devem ajudar a realizar? Será "um direito permanentemente inacabado", como proclamou o Movimento Nacional de Direitos Humanos. Será um Direito que se recusa a ver o mundo e a sociedade como naturalmente harmônicos, sob a égide imparcial do Estado (Rui Portanova). Será um "direito achado na rua" (Roberto Lyra Filho), um direito que se abre às diversas formas do jurídico efetivamente presentes nas relações sociais, um Direito aberto aos sujeitos coletivos, como esclarece José Geraldo de Sousa Júnior. Será um "direito insurgente", localizado dentro do conflito de classes, dentro da realidade brasileira e latino-americana (T. Miguel Pressburger). Será um Direito que se cria pela luta da classe operária, com os correspondentes mecanismos que os tornam eficazes, mesmo que à margem do aparelho judiciário (Wilson Ramos Filho). Será um Direito que resulta de um pensamento crítico, insubmisso à face do Dogmatismo dominante (Lédio Rosa de Andrade). Será um Direito aberto a outros pensares, à busca de semelhanças e de trocas, fugindo do determinismo unilateral que não pode explicar o processo social humano (Cláudio Souto).

Será um Direito que deite raízes nas necessidades sociais porque, se assim são for, será "inconsistente e insuficiente, por maior que seja o engenho, o rigor lógico ou o grau de abstração que alcance" (Plauto Faraco de Azevedo). Será um Direito rediscutido nas suas matrizes geradoras. Essa discussão requer um ensino jurídico renovado e crítico. (José Ribas Vieira). Será um Direito ideologicamente definido, como toda concepção de Direito é, diferindo apenas de outras concepções porque opta pelos empobrecidos, pelos despojados, não legitima as opressões.

João Baptista Herkenhoff, 74 anos, é palestrante e escritor. Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES). E-mail:jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Olhos de adolescente

João Baptista Herkenhoff

Fiz cirurgia de catarata. Primeiro no olho esquerdo. Uma semana depois, no olho direito. Não foi uma cirurgia precoce. Tenho idade que me assegura este direito. O Dr. Sebastião Leonardo da Silveira, competente cirurgião que me operou com cuidado, carinho e sucesso, fez-me as recomendações para o pós-operatório: não olhar para baixo; movimentar a cabeça com cuidado; pingar os colírios nos horários determinados; evitar o uso excessivo da visão. Tudo foi feito, conforme prescrito, sob os cuidados de minha mulher. Um tratamento que faria inveja a um rei.

Eu não podia supor que enxergasse tão mal. Habituara-me ao déficit visual, que já vem de longa data. Na semana que mediou entre a primeira e a segunda cirurgia é que pude comparar o desempenho do olho operado e do olho por operar. Uma diferença total. Convenci-me de que sou, seguramente, uma pessoa paciente. Como pude conviver por tanto tempo com olhos que vislumbravam apenas uma fração do mundo, mesmo com o apoio de óculos? Pelo menos, em princípio, ou para simplesmente me consolar, dei razão a Antoine de Saint-Exupéry: o essencial é invisível aos olhos. Como eu era capaz de ver o essencial, que é invisível aos olhos, pois desde criança frequentei os arraiais da Poesia, e a Poesia nos abre para a essência das coisas, não senti tanta falta de olhos para ver. O que me escapava não era essencial.

Essa conclusão, a partir de Saint-Exupéry, como disse, foi provisória. Poucos dias depois da segunda cirurgia, quando fui fazer a revisão de praxe, verifiquei que, em algumas ocasiões, a visão do essencial me fora furtada pela deficiência do ver. O fato que me fez constatar o falso consolo, proporcionado pela máxima de Saint-Exupéry, aconteceu quando, depois da revisão realizada pelo Dr. Sebastião Leonardo, eu esperava a entrega de papéis na portaria da clínica.

Já de início, sentado confortavelmente na recepção, eu percebia como era capaz de ler textos em letra pequena, afixados no mural de avisos. Mas a prova contundente, grandiosa, surpreendente, avassaladora, de que nem sempre eu estava vendo o essencial, veio depois.

Do lado oposto àquele em que eu me encontrava, surge a figura esbelta de uma moça loira, alta, tudo na medida e no lugar certo, ângulos e sinuosidades esmeradas, trajando um vestido amarelo que só realçava sua esplêndida beleza, desenhando-lhe as formas esculturais. Só podia ser mesmo uma feliz coincidência do destino. Nem a mais sofisticada clínica apresentaria uma figura feminina, a desfilar de um extremo ao outro da sala, para convencer um recém-operado de que sua cirurgia tinha sido um grande feito médico. Diante daquele espetáculo de esplendor e de vida, só uma frase-interjeição brotou-me dos lábios, dita baixinho a minha mulher, que sorriu, achando graça: “Este médico é realmente muito bom.”

João Baptista Herkenhoff, magistrado aposentado, 74 anos, é professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES). Autor do livroMulheres no banco dos réus – o universo feminino sob o olhar de um juiz (Editora Forense, Rio, 2009).

E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

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