quarta-feira, 25 de julho de 2012

Violência tem causa?


João Baptista Herkenhoff
 
Os atos de violência – assassinatos, estupros, sequestros – ocupam grande parte  do noticiário da televisão, rádio e jornais. O tema está também presente no púlpito das igrejas e nas conversas das pessoas, seja dentro das famílias, seja entre amigos. É natural que isto aconteça. Mas me parece que uma outra discussão deveria ocorrer ao lado desta: a violência tem causas? Quais as causas da violência? É possível agir sobre as causas? A meu ver, este debate paralelo não é travado com a dimensão merecida.

Não pretendo neste artigo dar respostas definitivas, mas apenas sugerir pontos que devem ser aprofundados. Quase todas as colocações deste texto são hipóteses de trabalho, na linguagem da Metodologia Científica. Ou seja, são afirmações provisórias, que só poderão ser comprovadas através da realização de pesquisa sócio-jurídica empírica. Creio que a realização destas pesquisas seria um grande serviço que a comunidade acadêmica poderia prestar à sociedade.

1) Agravamento das penas. – Parece-me falaciosa a ideia de que o agravamento das penas reduza a violência. A pena de morte não reduziu a violência nos países que a implantaram. Em sentido oposto, países que suprimiram a pena de morte, depois de um período em que a pena capital tinha vigorado, não assistiram a um crescimento dos atos violentos.

2) Submissão certa a processo. – A submissão dos autores de atos criminosos a julgamento parece reduzir a violência. Se fica bem claro que haverá processo responsabilizando aquele que praticou um delito, isto desencoraja o crime.

3) Rapidez da Justiça. – A resposta judicial imediata a crimes testemunhados pela sociedade é eficaz como instrumento preventivo. A demora da Justiça, a sentença prolatada dez anos depois do crime, não tem qualquer efeito restaurador. Ninguém nem mais se lembra do fato que originou o processo.

4) Educação do povo. – Num país onde não haja uma única criança fora da escola, nesse país, a convivência civilizada entre as pessoas tem mais chance de prosperar. Permanece atual a frase de Vítor Hugo: Quem abre uma escola fecha uma prisão.

5) Bom exemplo. – O bom exemplo dos maiores reduz os índices de criminalidade. Ao contrário, o banditismo dos poderosos, os golpes milionários têm a força de contaminar o conjunto social. Há, no inconsciente coletivo, a tendência de imitar os que estão por cima.

6) Ninguém acima da lei. – Alcançar nas malhas da Justiça os criminosos society, de modo que a cadeia não seja unicamente um território de pobres – reduz a estatística criminal. Em sentido contrário, a impunidade dos poderosos é carta de alforria para as condutas criminosas.

João Baptista Herkenhoff é Supervisor da Coordenação Pedagógica da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo e escritor. Autor de Curso de Direitos Humanos (Editora Santuário, Aparecida, São Paulo).

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Repressão como ideologia


 
João Baptista Herkenhoff
 
O país redemocratizou-se há mais de vinte anos, mas um substrato cultural autoritário teima em resistir ao processo democratizador. Uma Constituição foi votada com intensa participação popular, como nunca havia acontecido no transcurso de nossa História. A Assembleia Constituinte, que votou a Constituição de 1988, abriu-se à escuta dos anseios da cidadania. Dessa escuta resultaram emendas populares assinadas por cerca de quinze milhões de eleitores, inclusive no Espírito Santo. As vozes da rua pleitearam Justiça Social, Educação, Democracia, Direitos Humanos. Não houve emendas populares pedindo o retrocesso institucional, o endurecimento da repressão, a supressão de garantias. Chegava-se ao fim do túnel e a comunidade nacional queria respirar Liberdade.

Entretanto, em contraste com a esperança de um novo ciclo histórico, bolsões de pensamento e comportamento ditatorial permaneceram em muitas instituições e espaços sociais, inclusive na Justiça, na Polícia, em órgãos de Governo, na Universidade, nos meios de comunicação.

É esse substrato cultural autoritário que está atrás de atos de violência praticados por autoridades públicas contra o cidadão. É esse substrato cultural que faz com que a Polícia e também a Justiça presumam a culpa e determinem que a inocência seja provada.  É esse substrato que admite que, na persecução do crime, vidas de inocentes possam ser sacrificadas. É esse substrato que não aceita a ação dos advogados, nos inquéritos policiais e nos processos judiciais. O advogado é visto como “inimigo público”. Não entra na cabeça dos ideólogos da repressão a ideia de que o advogado não defende o crime, mas sim o acusado de um crime ou até mesmo o culpado. Sem a presença altiva do advogado não se tem julgamento, mas farsa.

A violência urbana, que com razão amedronta o povo, encoraja a ideologia da repressão. Segundo essa ideologia, tropas especializadas, com atiradores de elite, estão autorizadas a matar, uma vez que se encontram no desempenho de papel estratégico para preservar a segurança pública. O resultado disso é uma ilusória segurança.

Faz-se indispensável uma discussão ampla sobre o papel da Polícia, discussão essa a ser travada dentro da corporação policial e também no seio da sociedade. Em muitas situações concretas, é a população que pede à Polícia “mão de ferro˜, deixando de lado os princípios constitucionais.

Dentro do organismo policial, milhares de vozes discordam de atitudes assumidas ao arrepio da lei e lutam bravamente para que tenhamos no país uma Polícia democrática.
 
João Baptista Herkenhoff é Supervisor da Coordenação Pedagógica da Faculdade Estácio de Sá de Vitória e escritor. Autor de: Curso de Direitos Humanos (Editora Santuário, Aparecida, SP).