segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O pequeno sítio e a vaca

(*) Paulo Coelho

Um filósofo passeava por uma floresta com um discípulo, conversando sobre a importância dos encontros inesperados. Segundo o mestre, tudo que está diante de nós nos dá uma chance de aprender ou ensinar.

Neste momento, cruzavam a porteira de um sítio que, embora muito bem localizado, tinha uma aparência miserável.

- Veja este lugar - comentou o discípulo. - O senhor tem razão: acabo de aprender que muita gente está no Paraíso mas não se dá conta, e continua a viver em condições miseráveis.

- Eu disse aprender e ensinar - retrucou o mestre. - Constatar o que acontece não basta: é preciso verificar as causas, pois só entendemos o mundo quando entendemos as causas.

Bateram à porta, e foram recebidos pelos moradores: um casal e três filhos, com as roupas rasgadas e suja.

- O senhor está no meio desta floresta, e não há qualquer comércio nas redondezas - disse o mestre para o pai de família. - Como sobrevivem aqui?

E o senhor, calmamente, respondeu:

- Meu amigo, nós temos uma vaquinha que nos dá vários litros de leite todos os dias. Uma parte desse produto nós vendemos ou trocamos na cidade vizinha por outros gêneros de alimentos; com a outra parte nós produzimos queijo, coalhada, manteiga para o nosso consumo. E assim vamos sobrevivendo.

O filósofo agradeceu a informação, contemplou o lugar por uns momentos, e foi embora. No meio do caminho, disse ao discípulo:

- Pegue a vaquinha, leve-a ao precipício ali em frente, e jogue-a lá em baixo.

- Mas ela é a única forma de sustento daquela família!

O filósofo permaneceu mudo. Sem ter outra alternativa, o rapaz fez o que lhe era pedido, e avaca morreu na queda.

A cena ficou marcada em sua memória. Depois de muitos anos, quando já era um empresário bem-sucedido, resolveu voltar ao mesmo lugar, contar tudo à família, pedir perdão, e ajudá-los financeiramente.

Qual foi sua surpresa ao ver o local transformado num belo sítio, com árvores floridas, carro na garagem, e algumas crianças brincando no jardim. Ficou desesperado, imaginando que a família humilde tiver que vender o sítio para sobreviver. Apertou o passo, e foi recebido por um caseiro muito simpático.

- Para onde foi a família que vivia aqui há dez anos? - Perguntou.

- Continuam donos do sítio - foi a resposta.

Espantado, ele entrou correndo na casa, e o senhor o reconheceu. Perguntou como estava o filósofo, mas o rapaz estava ansioso demais para saber como conseguira melhorar o sítio, e ficar tão bem de vida?

- Bem, nós tínhamos uma vaca, mas ela caiu no precipício e morreu - disse o senhor. - Então, para sustentar a minha família, tive que plantar ervas e legumes. As plantas demoravam a crescer, e comecei a cortar madeira para venda. Ao fazer isso, tive que replantar as árvores, e necessitei comprar mudas. Ao comprar mudas, lembrei-me da roupa de meus filhos, e pensei que podia talvez cultivar algodão. Passei um ano difícil, mas quando a colheita chegou, eu já estava exportando legumes, algodão, ervas aromáticas. Nunca havia me dado conta de todo o meu potencial aqui: ainda bem que aquela vaquinha morreu:

(*) Escritor, compositor e filósofo

Fonte: Revista AG de 30/10/2011 (Jornal A Gazeta)

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A serviço da Justiça

João Baptista Herkenhoff
Fala-se muito sobre a necessidade de ser a Justiça integrada por juízes competentes e honestos.
Discute-se o Ministério Público, seu relevante papel como fiador e guardião de todo o aparato judiciário.
Não se deixa de trazer à baila a indispensabilidade dos advogados. Sem estes não há Justiça.

Em meio a toda essa discussão, é raro que se veja colocada a imprescindível presença dos serventuários e funcionários da Justiça. Omissão lamentável porque a Justiça só funciona bem quando conta com bons servidores.

Machado de Assis, num apólogo antológico, criou um diálogo entre a agulha e a linha, a linha querendo depreciar a agulha porque a linha é que aparecia nas vestes dos salões, enquanto a agulha permanecia obscura no seu canto. Como em tudo que Machado escreveu, sempre havia uma mensagem universal acima do significado textual.

A página de Machado é uma advertência a todos aqueles que, no topo das instituições, pretendem a homenagem e o reconhecimento, sem compreender que, na retaguarda de tudo que fazem, há uma agulha tecendo e abrindo caminho. Como seria alvissareiro que magistrados, membros do Ministério Público e advogados estivessem sempre atentos ao esforço silencioso dos serventuários e funcionários da Justiça. Como deveria ser exaltado o desempenho das imprescindíveis agulhas. E quantas vezes, infelizmente, essas agulhas são esquecidas, deixadas de lado e até menosprezadas.

Se a Justiça não é justa com seus servidores, será justa com os cidadãos em geral? Se fecha os olhos diante daqueles que estão diuturnamente fazendo audiências, movimentando processos, cumprindo mandados, cerficando e dando fé, será capaz de ter ouvidos abertos para ouvir o clamor do povo que pede Justiça?

Acho que não. Um Poder Judiciário que não valoriza seus agentes, que não reconhece os serviços daqueles que, na mesma nau, fazem o barco andar, esse Poder Judiciário mostra-se absolutamente incapaz de dar a cada um o que é seu. Esta reflexão brota de minha alma no momento em que recebo a notícia de que faleceu o Dr. Epaminondas Gomes Moreira, um Serventuário exemplar na comarca de São José do Calçado. Epaminondas, no Cartório, foi sempre um servidor, nunca se serviu. Tratou os ricos com cortesia altiva e os pobres com evangélica doçura. Sua postura sempre humilde escondia um gigante ético, um paradigma de ser humano, como cidadão, serventuário da Justiça, professor do Colégio de Calçado, esposo, pai.

À sua memória nossa homenagem, a sua família nosso abraço de pêsames.

João Baptista Herkenhoff, magistrado aposentado, é Professor da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Afinal, para que serve um vereador?

Recentemente a Câmara Municipal de Afonso Cláudio, cidade localizada no noroeste capixaba, encomendou pesquisa para verificar se a população concordaria com o aumento do número de vereadores da cidade. A proposta seria aumentar de 9 para 13 vereadores. O óbvio resultado foi que 75% dos entrevistados disseram não!

Mas por que “óbvio resultado”? Não seria razoável dizer que houve um equilíbrio das respostas, uma vez que o político que mais se aproxima das pessoas são, de fato, os vereadores? Quem conhece um Senador, Deputado Federal, o Governador ou até mesmo um Deputado Estadual? Você já viu algum desses depois de eleito? Sem exagero algum é difícil até mesmo encontrar-se com o prefeito da cidade, até mesmo pelo fato de que suas atribuições cada vez mais centralizadas em si mesmo, não permite esse encontro.

Mas a resposta dada pela população de Afonso Cláudio não é uma exclusividade do município conhecido em todo território capixaba pelo cultivo da banana; a repulsa pela classe política é uma realidade nacional e desemboca na ponta que é o vereador, aquele que é eleito quase que pelo modelo distrital (o escolhido é quase sempre alguém da comunidade), recebe toda a carga de cobranças imagináveis e no fim só consegue dar algum resultado de seu mandato, se se colocar “à disposição” do Poder Executivo e assim ver algumas de suas indicações concretizadas em obras.

Pois bem amigos e amigas, mas este não é o maior problema na nobre função do vereador. A questão principal é que a própria população não foi devidamente orientada quanto ao verdadeiro papel do parlamentar e nutre uma esperança de que ao votar num candidato, poderá ter algum benefício para si próprio. E mesmo que o benefício, ou melhor, a demanda não seja para si (digamos que seja para a coletividade), requer que passe pelo crivo da viabilidade, afinal, se há dez ruas para calçar num determinado bairro e só há recursos para a metade, como resolver tal imbróglio, se não pela metodologia do debate e do legítimo exercício da democracia? E neste caso, o vereador seria um importante mediador para filtrar a vontade do povo e decidir sobre quais são, neste caso, as ruas mais prioritárias para a comunidade.

A pergunta que se faz à população, a respeito do ter ou não ter mais vereadores, ao meu ver é inútil. Enquanto as pessoas não virem no seu representante político, que neste caso específico trata-se do vereador, alguém capaz de conduzir um amplo debate acerca das soluções viáveis para o problema apresentado, estaremos sempre com uma Câmara de Vereadores submissa, fraca e refém de um Executivo que nem sempre é ajudado pela postura passiva dos parlamentares. Os Poderes devem ser harmônicos, porém, não se pode confundir harmonia com subserviência.

A expectativa que se pode ter da nobre função de legislar é de atuações em que o Poder Executivo respeite e cumpra as decisões tomadas pelos representantes do povo. Se os critérios utilizados para a escolha dos vereadores não foram os melhores, não será diminuindo ou aumentando o número de representantes que mudará alguma coisa. Se houvesse de fato qualidade na representação política, estaríamos querendo mais vereadores e não menos. E essa qualidade, não se conquista com subserviência ao Poder Executivo, mas com postura, firmeza, sobretudo para dizer “sim” ao que é bom para a maioria, e “não” para aquilo que a maioria não concordou.

No caso específico de Conceição da Barra, a Câmara de Vereadores passará a ter 11 vereadores a partir de 2013 e mais uma vez, essa decisão foi tomada sem consulta prévia aos eleitores. A verdade absoluta e inquestionável é que com a pouca ou nenhuma participação da sociedade nas questões políticas da cidade, há uma colossal liberdade para que os nossos representantes tomem decisões à revelia do que pensam as pessoas.

sábado, 22 de outubro de 2011

O Labirinto

Estamos definitivamente vivendo um novo tempo. A nossa realidade está sendo construída com o aparecimento de valores dos quais somos obrigados a assimilar e aceitar como se fossem óbvios e sem nenhuma possibilidade de argumentação contrária. Não vou entrar no detalhe para não correr o risco de promover um debate rançoso pelo qual não chegaremos a nenhum lugar. Por isso, prefiro discorrer sobre um tema específico e que faz parte do meu cotidiano.

O que devemos esperar de um governo? No discurso: educação, saúde, moradia, etc... pois bem, mas é realmente isso que os seres humanos que vivem nas cidades precisam e esperam de seus líderes? A julgar pelos critérios de escolha dos governantes, não. Esta lógica não é tão elementar quanto parece.

Lendo matérias jornalísticas ou conversando com as pessoas que participaram ou foram as responsáveis pela administração do nosso município nos últimos 10 anos, percebi que existe uma grande diferença entre fazer o que é preciso e ser um bom governante aos olhos do eleitor.

Presenciamos um prefeito municipal e sua equipe focar no sistema de saúde e não ter forças para conduzir os outros setores, resultando num governo de péssima avaliação. Após suceder um governo exitoso do ponto de vista da aceitação popular, embora não se possa dizer o mesmo do ponto de vista administrativo, embananou-se e não conseguiu dar uma lógica, mesmo que remota, ao seu governo. O fim foi a sua cassação.

Na sequência, o município renovou suas esperanças numa representação do segmento empresarial, acreditando que um governo se faz, sobretudo, com pessoas acostumadas ao ambiente corporativo. Logo ficou claro que essa lógica também não é absoluta, e o governante com características de empresário rapidamente percebeu que ser político é fundamental para a condução de qualquer governo. Circunstâncias alheias ao contexto político/administrativo municipal não permitiram um avanço dos projetos para a cidade com a reeleição do empresário e, em seguida, foi eleito alguém que o povo entendia ser sua representação verdadeira, nascido na cidade e que por 16 anos vinha tentando provar que podia ser o prefeito e melhorar a vida de todos.

Bem, melhorar a vida de todos não é uma tarefa fácil quando se trata de governar uma cidade, e mesmo com a vantagem de estar a frente da administração pública no melhor momento econômico do país, bem como, da cidade, novamente o povo não permitiu que esse trabalho fosse continuado, em mais um mandato, evidenciando a insatisfação com o modelo adotado pelo então prefeito.

Há quase três anos, recebendo o aval do povo numa eleição disputadíssima, como se Conceição da Barra fosse uma mina de ouro, elegemos novamente alguém do meio empresarial e que vem procedendo fielmente à sua proposta, ou seja, administrar tudo sozinho. Não sei exatamente o que será amanhã, mas posso concluir que o processo de “enxugamento de gelo” em Conceição da Barra já está além dos limites aceitáveis. Não serão obras cuja lentidão impressiona qualquer um é que farão com que as pessoas se sintam representadas no governo. É preciso uma profunda reflexão por parte da sociedade acerca do seu papel como o “construtor” de um processo contínuo de desenvolvimento que não diga respeito exclusivo ao aspecto econômico, muito embora, este seja o princípio norteador da maioria que governa.

O problema, ou, os problemas de Conceição da Barra não se resumem em falta de emprego, exclusivamente, ou outras questões de cunho econômico. Enquanto não houver um entendimento correto acerca da política e a importância de praticá-la, estaremos sempre sendo manipulados por pseudo-salvadores da pátria que, sozinhos, não farão um décimo do que realmente necessita o município. É preciso que os governantes percebam que é melhor acertar ou errar junto com a sociedade, do que fazê-lo solitariamente.

Se o nosso município fizer essa necessária reflexão, verá que não avançamos nada até hoje, porque usamos sempre as mesmas fórmulas. Só para exemplificar, observem a emoção de uma equipe de futebol ao conquistar um título. No futebol, o sucesso se dá porque a equipe contribuiu, desde o presidente do Clube até o faxineiro e essa realidade é tão incontestável que os jogadores, ao concederem entrevistas (demagógicas ou não) reconhecem que a vitória é do grupo e não do artilheiro do campeonato.

Não sei se isso que escrevi será publicado (além do meu blog) mas quem quer que leia este artigo, eu gostaria que o utilizasse como se fosse “a ponta do barbante” para ajudar na descoberta do caminho que nos livre desse labirinto.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Filosofia, algo distante ou próximo?

João Baptista Herkenhoff

Talvez a primeira resposta, quase instintiva, à pergunta proposta pelo título deste artigo, consiste em dizer que a Filosofia é algo distante do universo das pessoas comuns.
Será correta esta primeira percepção?
A meu ver, essa percepção está equivocada.
A Filosofia não é alguma coisa distante, que só interessa a uma grei de iniciados. Muito pelo contrário, a Filosofia faz parte de nossa vida.
Se a Filosofia fosse alguma coisa remota, quase localizada na mansão dos deuses, qualquer escrito tratando de Filosofia deveria estar localizado num espaço restrito, cuja chave estaria guardada num enconderijo secretíssimo.
Como a Filosofia faz parte do cotidiano das pessoas comuns, esta reflexão está bem colocada em veículo destinado a uma grande variedade de leitores.
Feito este preâmbulo, continuemos.
Segundo Santo Tomás de Aquino, a Filosofia é a ciência dos primeiros princípios, das primeiras causas”.
Marilena Chauí aponta que a reflexão filosófica, qualquer que seja o domínio a que se dirija, guia-se por três propósitos:
Primeiro – investigar o que a coisa é; qual a realidade, a natureza e a significação da coisa;
Segundo – como a coisa é, sua estrutura; quais as relações que constituem uma coisa;
Terceiro – por que a coisa existe, por que é como é; origem e causa de uma coisa, ideia ou valor.
José Luongo da Silveira observa que a inquietação existencial faz com que o homem nunca se detenha na procura do conhecimento, nunca se satisfaça plenamente com as explicações encontradas:
“A sua estrutura cognitiva parece uma alavanca que desencadeia a busca de plenitude, caminhando sempre em direção de novas elaborações racionais numa estrada sem fim. ”
Para Miguel Reale “parece acertado dizer-se que a missão da Filosofia seja receber os resultados das ciências e coordená-los em uma unidade nova.”
Djacir Menezes assinala que a reflexão e a crítica constituem as determinações essenciais do espírito filosófico”.
Oliveiros Litrento vê como objeto da Filosofia “a procura da razão de ser do homem e da vida”.
Existe o substantivo “filosofia” e o verbo “filosofar”. Filosofar é pensar a partir da Filosofia, ou seja, filosofar é pensar com os instrumentos da Filosofia, filosofar é exercitar a reflexão filosófica.
A sabedoria latina nos ensina que toda ciência principia pelo significado das palavras: ”omnia scientia a significatione verborum incipit”. Mas a mesma sabedoria clássica adverte para a dificuldade de definir, o perigo de definir: ”omnis definitio periculosa est”.
A palavra “filosofia” resulta da justaposição de dois vocábulos gregos: filos(amigo) e sofia (sabedoria). A Filosofia é, assim, etimologicamente, o amor à sabedoria, e o filósofo é um amigo da sabedoria.
Segundo Cícero, a palavra filosofia foi criada por Pitágoras. Comparecendo à face de Policrates, tirano de Samos, que lhe indagou a profissão, Pitágoras respondeu que não era um sábio, mas apenas um filósofo, ou seja, um amigo da sabedoria. Segundo ele, a sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas os homens podem desejá-la ou amá-la tornando-se filósofos.
Pitágoras estava certo na sua humildade. Na busca da verdade, supôs que o número seria o princípio essencial de que todas as coisas são compostas (Todas as coisas são números). Equivocou-se na tentativa de explicar, por meio da verdade numérica, a globalidade dos fenômenos físicos e humanos. Sua intuição foi posteriormente contestada. Não obstante isso, seu nome permanece inscrito na História do Pensamento (até hoje se estuda, mesmo nas escolas de segundo grau, o teorema de Pitágoras).
Também Platão foi humilde, reconhecendo a limitação do espírito humano, quando escreveu que o filósofo deseja a sabedoria. Ele não disse que o filósofo possui a sabedoria, ou que é detentor da sabedoria, mas apenas deseja a sabedoria.

João Baptista Herkenhoff, Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo, professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo e escritor. Autor de: Filosofia do Direito (GZ Editora, Rio, 2010). Curso de Direitos Humanos(Editora Santuário, Aparecida, SP, 2011).

domingo, 9 de outubro de 2011

Fé, Ciência, Democracia

João Baptista Herkenhoff
Não há qualquer incompatibilidade entre Ciência e Religiosidade, nem também entre Religiosidade e Democracia.
Sobre a coerência entre o pensamento científico e as concepções religiosas, já Einstein dava o seu testemunho afirmando que a Religião e a Ciência eram complementares: “a Ciência sem a Religião é manca; a Religião sem a Ciência é cega.”
Max Jammer, que foi colega de Albert Einstein em Princeton, testemunha que este entendia pudesse um cientista ser um homem religioso. A visão de Einstein era de uma perspectiva cósmica, não antropomórfica, de Deus. O caminho científico, diversamente do caminho religioso, é mais abstrato e menos sincrético. No final da trajetória, entretanto, ambos os caminhantes podem ver-se irmanados à face do divino.
Ieda Assumpção Tillmann, Cristina Lopes Horta, Paulo Sousa e Flávio M. de Oliveira, pesquisadores da Universidade Católica de Pelotas, observam que o exame mais detalhado das relações entre religiosidade e condições físicas, psíquicas e sociais do indivíduo só pôde ocorrer depois que a cultura conseguiu desatrelar-se do pensamento positivista, dominante até o século XX. Nas últimas décadas, o processo de emergência de um novo paradigma é que deu sustentação para que, em lugar de distanciamento e desconfiança, surgisse proximidade e interesse recíproco entre religiosos e cientistas.
Andrew Newberg, professor da Universidade da Pensilvânia, evidenciou aumento significativo da atividade cerebral, na região do córtex pré-frontal, durante a meditação, o que é consistente com o processo de atenção focalizada.
Wolfgang Maass, pesquisador de Neurobiologia do Instituto Salk (Estados Unidos), constatou que orações podem ajudar a curar doentes. Preces rezadas, antes das intervenções médicas em pacientes que se submeteriam a angioplastias, trouxeram resultados positivos, formando, assim, um elo entre espiritualidade e saúde.
Quanto à coerência entre Religiosidade e Democracia, só não existe essa coerência dentro de uma visão fundamentalista de Fé.
O Fundamentalismo, ou seja, a pretensão de deter toda a verdade, a intolerância para com o divergente, o carimbo de herege aposto aos que discordam não é monopólio do Islã, como tantas vezes se propala. Também entre os cristãos existem fundamentalistas.
A Religiosidade não é fundamentalista. O Fundamentalismo é, a meu ver, uma corrupção da Religiosidade. A Religiosidade coere perfeitamente com uma concepção democrática de vida e de sociedade.
João Baptista Herkenhoff é Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo e escritor. Acaba de lançar Curso de Direitos Humanos, seu quadragésimo segundo livro, que saiu pela Editora Santuário, de Aparecida, SP. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br