sábado, 24 de novembro de 2012

Eleições diretas na Justiça



João Baptista Herkenhoff
 
     A Associação dos Magistrados Brasileiros está desenvolvendo campanha nacional em favor de eleições diretas para a escolha dos presidentes dos tribunais.
     Quatro registros históricos demonstram que o Espírito Santo foi pioneiro nesta luta. Senão vejamos:
     1) em primeiro de outubro de 1967, defendemos esta ideia na Segunda Conferência dos Juízes de Direito do Espírito Santo. Os colegas magistrados apoiaram a sugestão;
2) em 1979 fundamentamos, doutrinariamente, a tese de eleições diretas no livro “Como aplicar o Direito”, que foi publicado naquele ano pela Editora Forense, do Rio de Janeiro;
3) em 1997, o Deputado Sávio Martins propôs emenda constitucional que consagrava eleição direta para a escolha do Presidente do Tribunal de Justiça do nosso Estado, mas a emenda não foi aprovada;
4) em 1999 o tema voltou à baila, graças a emenda do Deputado Cláudio Vereza, que não colheu, entretanto, apoio da maioria parlamentar.
É curiosa a dinâmica da História. Às vezes os avanços pretendidos levam tempo para germinar.
A eleição dos presidentes dos tribunais, seja na Justiça Federal ou na Justiça dos Estados, seja na Justiça comum ou nas Justiças especializadas, seja nos primeiros degraus da jurisdição ou nos degraus superiores, foi até agora entendida como questão “interna corporis”. Ou apelando para a linguagem popular, sempre criativa e bem humorada: a eleição nos tribunais tem sido tratada como se fosse “assunto de compadre”. A exceção à regra cabe ao Estado de São Paulo, uma vez que a Constituição daquela unidade federativa já consagra esta forma democrática de escolha dos mandatários máximos da Justiça.
Uma simples leitura das cartas dos leitores, nos jornais, revela que se fortalece, na opinião pública, a consciência de que a Justiça é um direito, e não um favor. Neste contexto histórico, é inaceitável manter muros que vedam o acesso do povo ao território judicial. Não se concebe, por exemplo, que continuem sendo realizadas sessões secretas, salvo para salvaguardar a intimidade das pessoas (questões de família e outras semelhantes).
A ditadura das eminências parece que agora vai ser quebrada, como consequencia da posição assumida pela AMB.
No Congresso duas emendas estão pretendendo instituir eleição direta nos tribunais: PEC 15/2012, no Senado (subscrita pelo Senador Vital do Rêgo); PEC 187/2012, na Câmara dos Deputados (proposta pelo Deputado Wellington Fagundes).
Essa mudança de padrões é altamente positiva. Os ventos estão soprando no sentido de democratizar a Justiça. Salve!

 
João Baptista Herkenhoff, Professor da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo, palestrante Brasil afora e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

A importância da “ficha”



Logo que surgiu a ideia de tentar banir do meio político pessoas cujo passado não corresponde à natureza “cândida” do pretendente a um cargo público, começamos a sonhar com a possibilidade de avançar em termos qualitativos no tema “política”. A igreja católica, uma das entidades responsáveis pelo movimento em favor da Lei da Ficha Limpa, sonhou junto conosco que uma vez aprovada (a Lei), não teríamos mais candidatos em situação duvidosa quanto ao seu comportamento como homem (ou mulher) público.

No entanto, observamos que algumas mudanças, tanto na vida particular quanto na sociedade, só é possível quando a maioria dos envolvidos assim deseja. Na família por exemplo, para implementarmos algumas mudanças necessárias é preciso que todos estejam de acordo, do contrário, não tem a devida eficácia. A toalha molhada esquecida na cama ou o creme dental que se aperta no meio, serão sempre meros detalhes que já fazem parte da paisagem do lar, embora aborreça profundamente um dos cônjuges.

No que diz respeito às mudanças na sociedade, é preciso buscar o consenso que possibilite inclusive uma revisão na nossa Constituição. Enquanto houver  a possibilidade de recursos e mais recursos, e que permita determinadas candidaturas acontecerem mesmo estando envolto a vários problemas judiciais, nunca conseguiremos fazer com que a política seja um ambiente apenas para os que são “cândidos” e assim, aumentamos o número de pessoas que se recusam a votar, como aconteceu de forma preocupante nas eleições municipais deste ano.

A frase recorrente “eu odeio política”, falada com certo orgulho sobretudo nas camadas mais jovens da sociedade, é um equívoco mas uma realidade que não se pode ignorar. A falta de engajamento político, por parte do povo, e o interesse zero por parte do governo em estimular a participação das pessoas no processo, aumenta a sensação de que a política é ruim e que podemos viver sem ela, tranquilamente. E aí está o grande perigo, pois as ditaduras nascem exatamente em ambientes assim, quando o povo começa a achar que não precisa da política e que tanto faz quem governa, pois sua vida não depende disso.

Que as eleições municipais sirvam de reflexão para toda a sociedade, em especial no aspecto das abstenções e que a Lei da Ficha Limpa possa cair nas graças do povo e ele próprio, o povo, possa fazer o julgamento e não votar em pessoas cujo passado é nebuloso, mesmo que ainda não se tenha passado por todas as instâncias legais na Justiça de nosso País.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

O bom Direito


João Baptista Herkenhoff
 
Este artigo não se refere a pessoas, mas sim a princípios jurídicos. Suponho que a leitura será proveitosa, não apenas para quem integra o mundo do Direito, mas para os cidadãos em geral.
Os princípios são aplicáveis hoje, como foram aplicáveis ontem e serão aplicáveis amanhã.
Tentarei elencar alguns princípios que constituem a essência do Direito numa sociedade democrática.
1. O princípio de que, no processo criminal, a dúvida beneficia o réu permanece de pé. Resume-se nesta frase latina: “In dubio pro reo”. É melhor absolver mil culpados do que condenar um inocente.
2. No estado democrático de direito todos têm direito a um julgamento justo pelos tribunais. Observe-se a abrangência do pronome “todos”: ninguém fica de fora. Este princípio persevera em qualquer situação, não cabendo excepcioná-lo à face de determinadas contingências de um momento histórico.
3. Ainda que líderes proeminentes de um partido politico ou de um credo religioso estejam sendo julgados, a sentença não pode colocar no banco dos réus o partido político ou o credo religioso. Deve limitar-se aos agentes abarcados pelo processo.
4. Todo magistrado carrega, na sua mente, uma ideologia. Não há magistrados ideologicamente neutros. A suposta neutralidade ideológica das cortes é uma hipocrisia. Espera-se, porém, como exigência ética, que a ideologia não afaste os magistrados do dever de julgar segundo critérios de Justiça.
5. Os tribunais coletivos existem para que se manifestem as divergências. Dos julgamentos da primeira instância, proferidos em regra por um juiz singular, cabe recurso ao juízo coletivo, justamente para favorecer a expressão de entendimentos divergentes. O voto vencido deve ser respeitado.
6. Jamais o alarido da imprensa deve afastar o magistrado da obrigação de julgar segundo sua consciência. Ainda que a multidão grite Barrabás, o magistrado incorruptível caminhará sereno através da corrente ruidosa e, se não estiver plenamente convencido da culpa do acusado, proferirá sentença de absolvição.
7. A condenação criminal exige provas. Não se pode basear em ilações, inferências, encadeamento de hipóteses, presunções, suposições. Esta é uma conquista milenar do Direito. Mesmo que o juiz esteja subjetivamente convencido da culpa, não lhe é lícito condenar, se não houver nos autos prova evidente da culpabilidade.
8. Quando o advogado coloca seu zelo profissional na sustentação da defesa, não está subscrevendo o delito ou colaborando para sua prática, mas cumprindo um papel essencial à prática da Justiça. O processo criminal é dialético, sustenta-se na ideia de ser indispensável o confronto acusação – defesa.

João Baptista Herkenhoff é Juiz de Direito aposentado, professor em atividade e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br