terça-feira, 30 de julho de 2013

A religião e seus princípios devem influenciar a escola?

Recentemente numa reunião de escola, dessas reuniões periódicas em que a direção faz um relato sobre os avanços e as dificuldades encontradas para atingir metas, fui surpreendido com a observação feita pela diretora de que nós, os pais de alunos, deveríamos fazer uma reflexão sobre as razões de não permitir que nossos filhos participem de atividades que envolvam por exemplo as festas juninas. Sob o argumento de que se trata de eventos “culturais” e que valoriza a história e a origem de nosso povo, a diretora falou da dificuldade em “ter que realizar os ensaios das danças folclóricas e excluir dessas atividades as crianças cujos pais não permitem sua participação”.

De fato tal situação é preocupante pois do ponto de vista da criança, não há razões para que elas não dancem, tendo em vista que seus coleguinhas estão participando. No entanto, esse relato da diretora da escola, que evidentemente tem suas preferências e é um direito, expõe um dilema existente e que até hoje ninguém ousou trazer à baila na sociedade barrense, ou se o fizeram, não encontrou a devida importância e caiu no esquecimento.

Se o Estado é laico, como pressupõe a Constituição Federal, as escolas públicas não deveriam ter um comportamento de laicidade e abolir manifestações que privilegiem uma determinada religião? As festas juninas, notoriamente, celebram santos católicos e as pessoas que tem outras preferências religiosas, ou não tem nenhuma preferência (os ateus), ficam numa situação de constrangimento quando esses eventos estão por acontecer.

Comumente os defensores dessas manifestações argumentam que as “festas” ajudam a angariar verbas para o atendimento de demandas que não são supridas pelo poder público. No meu ponto de vista, um argumento pouco convincente na medida em que os recursos existentes, sobretudo em nosso município, são suficientes, tendo em vista que os repasses do Governo Federal e que devem ser exclusivamente aplicados na EDUCAÇÃO, não é pouco. Estima-se que só em Conceição da Barra, as transferências federais para a educação são da ordem de R$2milhões por mês e desses valores, apenas a metade tem a obrigatoriedade de investimento na folha de pagamento. O resto, bom, o resto você que está lendo este texto, tire suas próprias conclusões.

Não sou contra a preservação da cultura de um povo, principalmente o nosso. Porém acho que o ambiente escolar deve ser exclusivo ao conhecimento. A escola deve provocar o raciocino, a reflexão e a descoberta de soluções para um mundo mais justo, produtivo e em condições de receber bem as próximas gerações. Não acredito que a preservação de valores culturais seja uma obrigação da escola, e, se assim o fosse, deveria respeitar também aqueles que tem outras convicções a respeito da religião.

Um cidadão evangélico, como eu o sou, não teria o meu apoio se quisesse promover exclusivamente cultos na escola sem permitir que outras religiões também o fizessem. Somos um País livre e podemos cultuar e é exatamente por isso que existem os templos, e que por decisão democrática e de muito bom gosto, conquistamos o direito de não pagar tributos para o seu funcionamento.

Espero ter me feito entender e que as pessoas, sobretudo quem tem a função de representar o povo, os vereadores, possam promover debates nesse sentido e descubra soluções para que o constrangimento que os participantes de outras religiões, ou de nenhuma, passam, especialmente nos períodos de “festas juninas”, não se perpetuem e sintam-se sempre alijados da sociedade da qual ele é tão protagonista quanto os que são participantes da religião dominante.


terça-feira, 23 de julho de 2013

Educação libertadora

João Baptista Herkenhoff

        Dois modelos de educação podem ser concebidos. Um que se opõe a todas as mudanças estruturais porque defende a imobilidade social. “Que fique tudo como dantes no quartel de Abrantes”, como se dizia antigamente.

Outro que pretende desnudar a realidade. Denuncia a injustiça do sistema. Nega a ideia de que alguns nascem para dominar e outros para serem dominados, segundo o dito popular: “Quem nasce para boi nunca chega a ferrão.” Discorda também de uma mudança de papéis entre opressores e oprimidos, conforme retratado com sutileza pelos versos de João Mulato e Douradinho: “Na boiada já fui boi, o carreiro me bateu, o carreiro virou boi, o ferrão agora é meu”. O mundo pretendido pela educação libertadora é um mundo de fraternidade, sem espada e sem ferrão, sem coronéis que ordenam e boiada que obedece.

        O projeto final da educação libertadora é contribuir para que as pessoas sejam agentes de transformação do mundo, inserindo-se na História. Não foi por mero acaso que Paulo Freire foi preso pela Ditadura de 1964, nem foi sem motivo que o emérito educador foi obrigado a exilar-se durante aquele sombrio tempo de Brasil.

Paulo Freire afirma que a educação libertadora busca desenvolver a consciência crítica de que já são portadores os educandos. Parte da convicção de que há uma riqueza de ideias, de dons e de carismas no cotidiano dos interlocutores.

1964 quis decretar a verdade, a democracia, o patriotismo: “Brasil, ame-o ou deixe-o.” Se você não concorda com o modelo de Brasil imposto pelas armas, seu destino é pegar o avião e partir, ou fugir a pé pelas fronteiras. Sem dúvida os ideólogos de 1964 leram Paulo Freire e perceberam que a proposta educacional de Freire não se coadunava com o modelo autoritário.

Fala-se agora em estabelecer como norma constitucional a destinação de dez por cento do PIB para a educação pública. Os jovens que marcham nas ruas aprovam esta tese, que foi erguida nas bandeiras de reivindicações. Aprovo com veemência a proposta. Determinar que um décimo do produto interno bruto seja endereçado à educação pública é uma grande vitória. Isto vai trazer como consequência a construção de novas escolas, a reforma e a ampliação das existentes, a contratação de mais professores e o aperfeiçoamento dos que já estão no quadro, a melhoria dos salários dos mestres, que hoje ganham muito pouco.
Mas voltemos a Paulo Freire. Que os dez por cento do PIB, o incremento das verbas e tudo o mais que se pede, neste momento da vida brasileira, comungue com os anseios de uma educação libertadora. Dez por cento do PIB para um tipo de escola que edifique Justiça, Liberdade, Solidariedade.

João Baptista Herkenhoff, Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo, é membro emérito da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese. Acaba de lançar ABC da Cidadania, livro publicado pela Prefeitura de Vitória. Distribuição gratuita.