João
Baptista Herkenhoff
Dois modelos de educação podem ser concebidos. Um que
se opõe a todas as mudanças estruturais porque defende a imobilidade social.
“Que fique tudo como dantes no quartel de Abrantes”, como se dizia antigamente.
Outro que
pretende desnudar a realidade. Denuncia a injustiça do sistema. Nega a ideia de
que alguns nascem para dominar e outros para serem dominados, segundo o dito
popular: “Quem nasce para boi nunca chega a ferrão.” Discorda também de uma
mudança de papéis entre opressores e oprimidos, conforme retratado com sutileza
pelos versos de João Mulato e Douradinho: “Na boiada
já fui boi, o carreiro me bateu, o carreiro virou boi, o ferrão agora é
meu”. O mundo pretendido pela educação
libertadora é um mundo de fraternidade, sem espada e sem ferrão, sem coronéis
que ordenam e boiada que obedece.
O
projeto final da educação libertadora é contribuir para que as pessoas sejam
agentes de transformação do mundo, inserindo-se na História. Não foi por mero
acaso que Paulo Freire foi preso pela Ditadura de 1964, nem foi sem motivo que
o emérito educador foi obrigado a exilar-se durante aquele sombrio tempo de
Brasil.
Paulo Freire afirma que a educação libertadora busca desenvolver a
consciência crítica de que já são portadores os educandos. Parte da convicção
de que há uma riqueza de ideias, de dons e de carismas no cotidiano dos
interlocutores.
1964 quis decretar a verdade, a democracia, o patriotismo: “Brasil,
ame-o ou deixe-o.” Se você não concorda com o modelo de Brasil imposto pelas
armas, seu destino é pegar o avião e partir, ou fugir a pé pelas fronteiras.
Sem dúvida os ideólogos de 1964 leram Paulo Freire e perceberam que a proposta
educacional de Freire não se coadunava com o modelo autoritário.
Fala-se agora em estabelecer como norma constitucional a destinação de
dez por cento do PIB para a educação pública. Os jovens que marcham nas ruas
aprovam esta tese, que foi erguida nas bandeiras de reivindicações. Aprovo com
veemência a proposta. Determinar que um décimo do produto interno bruto seja
endereçado à educação pública é uma grande vitória. Isto vai trazer como
consequência a construção de novas escolas, a reforma e a ampliação das
existentes, a contratação de mais professores e o aperfeiçoamento dos que já
estão no quadro, a melhoria dos salários dos mestres, que hoje ganham muito
pouco.
Mas voltemos a Paulo Freire. Que os dez por cento do PIB, o incremento
das verbas e tudo o mais que se pede, neste momento da vida brasileira,
comungue com os anseios de uma educação libertadora. Dez por cento do PIB para
um tipo de escola que edifique Justiça, Liberdade, Solidariedade.
João Baptista Herkenhoff, Livre-Docente da Universidade Federal do
Espírito Santo, é membro emérito da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese.
Acaba de lançar ABC da Cidadania, livro publicado pela Prefeitura
de Vitória. Distribuição gratuita.
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