sexta-feira, 30 de julho de 2010

Direito e Poesia

João Baptista Herkenhoff

A Poesia e o Direito são vizinhos. A Poesia engrandece o Direito. Só se alcança o Direito pelo caminho da Poesia.
O encontro do Direito com a Poesia nem sempre é fácil. Frequentemente ao Direito pede-se ordem. A Poesia alimenta-se da transgressão. Em muitos casos, entretanto, só se realiza o Direito pelas portas da transgressão. Que são os movimentos de desobediência civil senão a transgressão coletiva das leis? Foi essa a estratégia de que se utilizaram Nelson Mandela e Martin Luther King, na luta contra a segregação racial (na África do Sul e nos Estados Unidos). Que é, no Brasil, o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) senão a busca do direito à terra, ao trabalho, à sobrevivência, rompendo um suposto pacto social. Pacto social apenas suposto, não um pacto efetivo porque representado por leis protetoras de um pretenso direito de propriedade, interpretadas de maneira positivista pelos tribunais. Mesmo quando a propriedade não cumpre sua finalidade social, nas balizas desse pacto mentiroso tolera-se com indiferença o desvio.
Viva a liberdade dos poetas, no seu cântico:
“Nunca haverá fronteira na vida de um poeta. Sua bandeira é de luz, sua justiça é correta. Se errarem ele protesta.” (Silas Correia Leite).
Mas mesmo o Poeta, cuja missão deve ser o anúncio dos mais altos ideais, pode esquecer-se da vida que o rodeia. Quando há esse esquecimento, quando a Poesia não cumpre o seu papel, merece reprovação. E como é belo quando quem reprova o poeta é o Poeta, como nestes versos de um dos maiores a poetar em Língua Portuguesa:
“Ao ver uma rosa branca o poeta disse: Que linda! Cantarei sua beleza como ninguém nunca ainda! E a rosa: - Calhorda que és! Pára de olhar para cima! Mira o que tens a teus pés! E o poeta vê uma criança suja, esquálida, andrajosa comendo um torrão da terra que dera existência à rosa.” (Vinicius de Moraes).
Charles Chaplin, com sua profunda sensibilidade de Artista, puxa a orelha do jurista que se divorcia das angústias humanas: "Juízes, não sois máquinas! Homens é o que sois!"
Poesia é substantito feminino. Direito é substantivo masculino.
Há uma preponderante presença do masculino no Direito, a começar pela prevalência de homens nas funções judiciais. Só recentemente mulheres ascenderam aos tribunais, e mesmo assim, em total desproporção à presença de homens nessas casas.
Como escreveu Marita Beatriz Konzen,
“não há que se falar em estado democrático, enquanto não eliminarmos as gritantes diferenças sociais, dentre as quais, a desigualdade de sexos.”
A sensibilidade não é virtude exclusivamente das mulheres. Também os homens podem ser sensíveis, enquanto nem sempre as mulheres são portadoras de sensibilidade.
Mas, em termos globais, por critérios de totalidade, a Justiça seria mais sensível se abrigasse, nos seus quadros, uma presença mais significativa de juízas.
Utopia, Paz, Participação, Igualdade, Anistia são palavras femininas que apontam para o ideal de uma sociedade fraterna.
Racismo, preconceito, imperialismo, nepotismo, arbítrio são palavras masculinas que direcionam a sociedade para a exclusão e a injustiça.
O conselho de Eduardo Couture, dirigido aos juristas, deveria ser estampado nos fóruns: “Teu dever é lutar pelo Direito. Mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça".
O conflito entre lei (com letra minúscula mesmo) e Justiça (com letra maiúscula sempre) é uma constante no espírito do Juiz.
Creio que deva prevalecer a Justiça.
Trabalhar com a pauta da lei para encontrar a Justiça é uma tarefa difícil.
Porém, por mais difícil que seja a tarefa, essa busca é obrigatória.
Reprovo, com veemência, a recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pretendendo que o mérito ou demérito dos magistrados seja aquilatado pelo ajustamento de suas sentenças à jurisprudência dos tribunais superiores.
Quem renova o Direito é o juiz de primeiro grau, rente à vida.
Só o juiz de primeiro grau pode auscultar o ser humano, da mesma forma que só o médico pode auscultar o coração e o pulmão do paciente.
Os tribunais, como disse Eliézer Rosa, são sempre tribunais de ausentes porque nunca têm diante de si pessoas, mas apenas autos, papéis, argumentos.
Só a contemplação pessoal dos rostos e dos dramas humanos, que transparecem nesses rostos, pode permitir ao juiz humanizar a lei, ou seja, fazer com que a lei suba às esferas da Poesia.

João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da UFES e Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha. Magistrado aposentado.
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
Homepage: www.jbherkenhoff@uol.com.br
CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2197242784380520

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Os Partidos Políticos e a inércia popular

Há algum tempo venho aprofundando minhas indagações acerca da importância da política e a sua inverossímil relação com a qualidade de vida que todos querem ter, porém, ainda não sabem qual o seu papel para contribuir nesta conquista. Embora tenha minhas preferências partidárias, por entender que este é um dos requisitos básicos para se obter algum resultado no que tange ao verdadeiro exercício da democracia, percebo uma forte tendência à consolidação do discurso que dificulta a aproximação das pessoas ao tão mal-falado ambiente político, utilizando-se justamente da desqualificação de sua maior e melhor ferramenta, salvo melhor juízo, os partidos políticos.

O distanciamento cada vez maior das pessoas em relação aos partidos, promove sem nenhuma dúvida todas as condições necessárias para que o enfrentamento dos malefícios dos famigerados “acordos de cúpula” sejam eternizados, e as Instituições (os partidos) cada vez menos acreditadas pela sociedade. Enquanto isso, o povo vota, achando que está votando em quem realmente gostaria, mal sabendo o desavisado, que ele está votando em alguém, cuja decisão de candidatura, partiu de uma meia dúzia de pessoas, estas sim, que se interessam pela política e se fazem presentes às reuniões, sobretudo, aquelas que decidem de fato quem serão os candidatos.

Recente pesquisa realizada pelo Instituto Futura e divulgada no jornal A Gazeta, revelou quais os serviços em que os cidadãos da Grande Vitória-ES mais confiam e menos confiam. Os resultados não surpreenderam, embora tenham sido lamentáveis no que diz respeito aos Partidos Políticos, Câmara de Vereadores, Assembléia Legislativa e os Sindicatos. Estas Instituições receberam a nota mais baixa por parte da população entrevistada. Se eu não fosse alguém que defendesse a democracia com todas as minhas energias, diria que o povo não tem condições de escolher os seus representantes e que o melhor caminho seria devolver o país aos militares, abrindo mão de todas as batalhas vencidas até aqui, tais como a liberdade de expressão e uma infinidade de outros direitos, preferindo que as decisões sejam tomadas por um grupo específico de pessoas, sem a necessidade de consultar a população. Mas, não é este o meu pensamento. Não posso admitir jogar fora tudo o que conquistamos, em função de nossa paralisia.

Acredito no meu país, tenho convicção de que muito já avançamos, especialmente em relação ao papel da imprensa. Não como um 4º Poder, mas como um instrumento que nos permite conhecer melhor os caminhos a trilhar e com a nossa liberdade de escolha garantida, optar por aquilo que entendemos ser o melhor para a comunidade. Contudo, não é possível exercer todos esses direitos bravamente conquistados por pessoas que inclusive perderam suas vidas para garanti-los, sem que nos organizemos e façamos dos partidos políticos não uma agremiação de pessoas com interesses próprios, mas um fórum permanente de idéias, onde a exposição do que pensamos, seja a matéria-prima para as decisões que venham efetivamente contribuir no desenvolvimento da nossa sociedade, em todos os seus aspectos.

Enquanto as Instituições que tem os seus membros escolhidos pelo povo estiverem diuturnamente sendo reprovadas por este mesmo povo, não conseguiremos chegar aonde pretendemos. Se achamos que algo não funciona bem é hora de colocarmos as mãos na massa e tentar fazer com que este funcionamento seja o mais aproximado possível daquilo que entendemos ser o ideal. Se não é possível faze-lo sendo eleito para compor o reduzido número de vagas nas Câmaras, Assembléias, nas diretorias dos Partidos e dos Sindicatos, é hora de filiar-se e dar a sua contribuição, mesmo que seja através da imposição da sua presença nas reuniões, que por si só, já é uma importante manifestação de que você esta acompanhando de perto as decisões que estão tomando por você.

É intolerável o descaso da população para com a atividade partidária no Brasil. A impressão que tenho é que estão todos sob efeito de tranqüilizantes, numa paralisia absoluta, só despertando para reclamar nas esquinas sobre a péssima representação que ela própria escolheu. Debruçando-se sobre um profundo desinteresse, prefere dizer que não gosta de política, ao invés de tentar entende-la e participar de sua construção. O povo capixaba reprova a si mesmo quando avalia as Instituições que deveriam representa-lo como não confiáveis. Se não confiamos em quem escolhemos para nos representar, é chegada a hora de rever nossos conceitos e critérios para essas escolhas.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

A qualidade do voto e o sonho de um país democrático

A busca pela qualidade do voto, em detrimento da quantidade no trivial vou ser eleito “custe o que custar”, ainda está muito longe do que podemos chamar de a ordem do dia na política brasileira. Homens e mulheres do bem que realmente anseiam por uma comunidade melhor, assistida nos seus mais elementares direitos e conscientes de seus deveres, ao acessar o ambiente político, depara-se com um universo cheio de vícios capazes de transformar pessoas bem intencionadas e cheias de sonhos, em verdadeiros zumbis, conformados com a idéia de que nada ali pode ser modificado, e, sob a ameaça de quem tentar faze-lo, logo será enquadrado e condenado ao ostracismo político, quando não lhe sucede algo pior.

Os critérios utilizados pelo eleitor ao escolher os seus representantes, sequer poderiam ser considerados como critério. Como imaginar alguém sendo eleito para representar uma cidade inteira, simplesmente por ser um cidadão envolvido com alguma atividade de cunho social? Ou, simplesmente, que este cidadão faça parte de uma organização da sociedade civil, que cuida de crianças abandonadas, ou idosos, enfim, uma atividade que por si só, já deveria ser a razão para orgulhar-se de ser um cidadão e não necessariamente servir de estimulo para a ocupação de um cargo político, por simplesmente possuir essa virtude. É preciso que a população seja insistentemente bombardeada por informações de qualidade e que essas informações partam das instituições, cuja existência, deveria ter por finalidade – além de elaborar propostas para governar uma cidade, um estado ou um país - orientar as pessoas para o entendimento do que significa efetivamente exercer a cidadania. Quem são essas instituições? Os partidos políticos, sem sombra de dúvida! Porém, não é esta a realidade que assistimos. A cada eleição verificamos um emaranhado de situações, que não aproxima em nada os partidos políticos de sua real função na sociedade e a população, por seu turno, cada vez mais confusa quanto aos critérios para a escolha de seus representantes.

Iniciativas populares como o recente “ficha limpa”, contribuem na tentativa de eliminar os vícios, que já mencionamos, e que nos impedem de progredir, de bater no peito e dizer que somos um país democrático. Porém, só isso não basta. É preciso muito mais do que apenas impedir que pessoas com restrições na Justiça sejam candidatas aos cargos públicos. Se partirmos do princípio de que a representatividade significa alguém expressar a vontade da coletividade, de uma comunidade inteira, não seria exagerado afirmar que a população dos morros e favelas dessa imensa nação brasileira se sinta melhor representada por elementos considerados (e são) fichas sujas. Portanto, não seria suficiente tentar iniciar um processo pelo fim. Para que efetivamente haja capacitação para representar, o simples fato de ser um “ficha limpa” não é a senha para a ocupação de um cargo público. O discurso por uma melhor educação e que é sempre considerado como o “samba-de-uma-nota-só”, é de altíssima relevância ser colocado em prática, especialmente quando os fatos são suficientes para concluir que as pessoas estão morrendo por falta de conhecimento. Não somente a educação tradicional onde se preparam alunos para os vestibulares e a preparação para a profissão que irão desempenhar no futuro, mas uma educação para a vida, capacitando o individuo para lidar com as situações do dia a dia, nas quais podemos incluir o conhecimento de seus deveres e direitos na sociedade.

Enquanto estivermos concentrados em remediar e não assumirmos uma postura de prevenção, estaremos sempre (para expressar-se de maneira bem popular), “enxugando gelo”, perdendo um precioso tempo que poderia estar sendo utilizado na construção de uma sociedade que pense, que perceba que o mundo que desejamos, é o mesmo que destruímos com a nossa incapacidade de acreditar em projetos de médio e longo prazos, e que envolva os processos de educação para a vida em nossa sociedade, e, em especial, no ambiente político ao qual estamos inexoravelmente inseridos.