quinta-feira, 8 de março de 2012
Ética da vida e da morte
segunda-feira, 27 de junho de 2011
Ética da atividade empresarial
João Baptista Herkenhoff
Bertolt Brecht, na sua famosa peça “Ópera dos três vinténs”, coloca o dilema: prender o ladrão do banco ou o dono do banco?
Essa frase é um libelo contra o banqueiro porque, à face do banqueiro, Brecht coloca a dúvida: quem é mais ladrão – o ladrão do banco ou o próprio dono do banco?
Todos os bancos, a própria atividade bancária merece o anátema fulminante de Bertolt Brecht?
É possível haver ética na atividade bancária?
Ou ampliando a indagação: as empresas em geral podem ser éticas? A atividade empresarial, por si mesma, nega a Ética?
As empresas têm como um dos seus objetivos o lucro. O lucro pode ser ético?
Comecemos pela pesquisa etimológica.
Lucro tem origem no latim “lucru”, que significa logro.
Logro quer dizer "artifício para iludir e burlar; trapaça, fraude, cilada".
Neste caso, o lucro é um logro, um artifício para burlar, o lucro é uma trapaça.
Se o lucro é uma trapaça, o objetivo de uma empresa é trapacear.
Através deste encadeamento de frases estamos construindo um silogismo ou um sofisma?
A meu ver, se não fizermos ressalvas, estamos incorrendo num sofisma.
Não me parece que a atividade empresarial, por sua própria natureza, negue a Ética. Mesmo a atividade bancária, aquela que lida diretamente com o dinheiro, mesmo essa atividade não me soa, antecipadamente e acima de qualquer consideração, uma atividade que contraria a Ética.
Parece-me, não apenas possível, mas absolutamente necessário, que as empresas subordinem-se à Ética.
Pobre país será aquele em que a atividade empresarial estiver descomprometida com a Ética.
Muitas empresas, muitos empresários desconhecem o que seja Ética, não têm o mínimo interesse em que suas atividades orientem-se por uma linha ética.
Mas me parece injusto lançar este juízo de condenação contra todas as empresas.
Se algumas empresas dão as costas para a Ética, muitas outras optam por uma linha oposta: fazem da Ética um mandamento.
Vamos então ao miolo desta página.
Quais são os requisitos para que uma empresa mereça o título de empresa ética?
Como fruto de uma profunda reflexão, que me acompanha de longa data, proponho doze condições que me parecem devam ser exigidas para que uma empresa conquiste o galardão ético:
1 – que a empresa saiba respeitar e valorizar seus empregados, tratando-os com dignidade, justiça, proporcionando a eles oportunidade de crescimento, entendendo que os empregados são colaboradores, e não subordinados e serviçais;
2 – que a empresa saiba valorizar e respeitar seus dirigentes, gerentes, ocupantes de cargos de chefia, confiando e enaltecendo seu esforço;
3 – que as chefias exerçam seu papel democraticamente, com delicadeza, e não de forma autoritária; que os chefes saibam elogiar e estimular os auxiliares; que emitam instruções operacionais claras e de fácil compreensão; que compreendam que o diálogo favorece um ambiente feliz na empresa, fator que contribui até mesmo para maior produtividade; que diretores e chefes entendam que direção e chefia são missões, e não privilégios, pois, em última análise, todos somos credores de consideração e compreensão;
4 – que o empregado, a que se atribui alguma falta, tenha sempre o direito de se explicar e de se defender;
5 – que a empresa crie e mantenha canais de comunicação dos empregados com as chefias, de modo que os empregados possam apresentar postulações, reclamar, sugerir;
6 – que a empresa saiba respeitar o meio ambiente repudiando toda e qualquer agressão ambiental;
7 – que a empresa não sonegue impostos mas, pelo contrário, compreenda que pagar impostos é uma obrigação social, pois só através da coleta dos impostos pode o Estado cumprir seus deveres para com o povo;
8 – que a empresa saiba exigir do Poder Público a utilização correta dos impostos para que o erário sirva ao bem comum;
9 – que a empresa rejeite qualquer forma direta ou indireta de corromper funcionários, agentes de autoridade ou dirigentes politicos com a finalidade de desviá-los de seus deveres para proveito da empresa;
10 – que a empresa respeite a privacidade do empregado, pois a privacidade é sagrada; que jamais um empregado seja repreendido em público e de forma a ser humilhado;
11 – que a empresa respeite os direitos do consumidor, que esteja sempre pronta para atender reclamações decorrentes de mau serviço ou defeitos em mercadorias e que as falhas encontradas sejam prontamente reconhecidas e corrigidas;
12 – que a empresa, como um todo, englobando empresários, dirigentes, trabalhadores, sinta-se parte de alguma coisa que é superior à empresa: a Pátria, a comunhão nacional, o sentimento de que todos fazemos parte de uma sinfonia universal, de uma caminhada da Civilização e da Cultura, na construção de um mundo melhor.
João Baptista Herkenhoff, 75 anos, é professor da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES) e escritor. Tem dado palestras e seminários sobre Ética em todo o território nacional. Autor do livro Ética para um mundo melhor (Rio, Thex Editora).
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
Homepage: www.jbherkenhoff.com.br
sábado, 15 de janeiro de 2011
Nepotismo e Cidadania
João Baptista Herkenhoff
Nepotismo, segundo define o Dicionário Houaiss, é o favoritismo para com parentes, especialmente pelo poder público.
A proibição da prática do nepotismo decorre do sistema democrático. Uma boa interpretação da Constituição Federal de 1988, com recurso à exegese sistemática e teleológica, já deixaria ao desamparo, em qualquer hipótese, a contratação de parentes, no serviço público.
Mas, nesta matéria, os vícios são arraigados. As pormenorizações, os fechamentos de atalhos passam a ser indispensáveis para coibir os abusos.
O concurso como forma de ingresso no serviço público está expressamente consagrado no texto constitucional. Há uma única possibilidade de entrada sem concurso. A exceção socorre o ex-combatente que tenha participado efetivamente de operações bélicas durante a Segunda Guerra Mundial. Ainda que esse artigo tenha pouca eficácia hoje, uma vez que a Segunda Guerra terminou em 1945, vale pelo sentido cívico que carrega.
A proibição de estar o servidor público sob a direção imediata de cônjuge ou parente é outra medida moralizadora.
Providência de combate eficaz ao nepotismo está na redução do número de cargos comissionados nos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo. Esta providência vem sendo defendida pela Transparência Brasil, uma belíssima instituição que tem lutado pela Ética nas mais diversas situações.
A pesquisa nas fontes históricas revela a origem popular da luta contra o nepotismo. A Constituinte que votou a Carta Magna de 1988 recepcionou emendas populares, isto é, emendas apresentadas por organizações da sociedade civil e subscritas por cidadãos. As emendas populares de número 15 e 31 advogaram a obrigatoriedade do concurso, como forma de ingresso no serviço público. Patrocinaram referidas emendas a Mitra Arquidiocesana do Rio de Janeiro, a Cáritas, a Irmandade de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, a Associação de Moradores do Alagamar, o Clube de Mães Guiomar Ramos e um Centro Sócio-Cultural do Rio Grande do Norte.
Nos mais diversos Estados da Federação, Comitês Pró-Participação Popular na Constituinte retomaram a bandeira federal e a fizeram bandeira estadual. Como resultado da pressão popular,
É extremamente relevante que se lute contra o nepotismo. Porta digna para entrar no serviço público é o concurso. A janela é, de longa tradição até na literatura, a entrada dos salteadores.
Em todos os cargos, em todos os Poderes, em todas as órbitas de governo, os critérios de ingresso e de promoção, nas diversas carreiras, devem ser baseados no mérito. Concursos transparentes constituem um estímulo para os jovens. Ao contrário disso, entradas oblíquas, etiquetas de família, concursos à moda da casa, cargos hereditariamente obtidos pelo critério de suposto sangue azul são formas de corrupção que atentam contra a cidadania.
João Baptista Herkenhoff, magistrado aposentado, 74 anos, é professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Vilha (ES). Autor do livro Mulheres no banco dos réus – o universo feminino sob o olhar de um juiz (Editora Forense, Rio, 2009).
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
Homepage: www.jbherkenhoff.com.br
terça-feira, 10 de agosto de 2010
Dia do Advogado, Dia do Estudante
Em 11 de agosto de 1827 D. Pedro I criava as duas primeiras Faculdades de Direito do Brasil: a de São Paulo e a de Olinda e Recife. Por esse motivo, o Onze de Agosto veio a ser proclamado Dia do Advogado. Depois a data foi também escolhida para homenagear o estudante, em decorrência da circunstância de formarem os estudantes de Direito, durante muito tempo, a parcela maior e mais expressiva do alunato de ensino superior.
A passagem desse dia comemorativo merece reflexão por parte da sociedade em geral, e não apenas de estudantes e advogados. Primeiramente porque o povo tem fome de Justiça, tanto quanto tem fome de pão. Milhares de pessoas, nesta semana, em todo o território brasileiro, não estão pedindo pão, mas estão bradando por Justiça. Este grito tem de ecoar na consciência nacional.
Na busca e realização da Justiça, papéis relevantes cabem aos profissionais da advocacia, aos membros do Ministério Público e aos magistrados. Mas na semana dos advogados cuidaremos apenas destes.
Destaco três pontos na ética do advogado:
. Seu compromisso com a dignidade humana;
. Seu papel na salvaguarda do contraditório;
. Sua independência à face dos Poderes e dos poderosos.
Creio que é a luta pela dignidade da pessoa humana que faz da Advocacia, não uma simples profissão, mas uma escolha existencial.
Se nos lembramos de Rui Barbosa, Sobral Pinto, Heleno Cláudio Fragoso, qual foi a essência dessas vidas? Respondo sem titubear: a consciência de que a sacralidade da pessoa humana é o núcleo ético da Advocacia.
Esta é uma bandeira de resistência porque se contrapõe à “cultura de massa” que se intenta impor à opinião pública, no Brasil contemporâneo. A “cultura de massa” inocula o apreço “seletivo” pela dignidade humana. Em outras palavras: só algumas pessoas têm direito de serem respeitadas como pessoas.
Há um discurso dos Direitos Humanos que é um discurso das classes dominantes. Nações poderosas pretenderam e pretendem “ensinar” direitos humanos. Esquecem-se essas nações que o imperialismo político e econômico é a mais grave violação dos Direitos Humanos. Propomos os Direitos Humanos como “opção de vida”, mas não são os Direitos Humanos dos poderosos da Terra, dos que fazem dessa causa um instrumento da mentira.
Preferimos buscar noutras fontes a seiva dos Direitos Humanos. E, a nosso ver, a mais rica seiva são os movimentos populares. A apropriação dos Direitos Humanos pelos movimentos populares não significa desprezar a construção da ideologia dos Direitos Humanos a partir de outros referenciais e outras origens. Se o objetivo é a dignidade da pessoa humana, é a ruptura de todas as formas de degradação de homens ou mulheres, as vertentes acabam por encontrar-se e os militantes hão de comungar as mesmas lutas.
Nosso segundo ponto de reflexão lembra que o Advogado salvaguarda o contraditório, isto é, o embate de teses e provas que se defrontam perante o juiz. Já Sêneca, filósofo estóico e autor romano que viveu nos primeiros tempos da Era Cristã, percebeu a necessidade do contraditório quando afirmou que “quando o juiz após ouvir somente uma das partes sentencia, talvez seja a sentença justa. Mas justo não será o juiz”.
Finalmente, vejo a independência em face dos Poderes e dos poderosos como atributo inerente ao papel do Advogado. Não tema o advogado contrariar juízes, desembargadores ou ministros. Não tema o advogado a represália dos que podem destruir o corpo, mas não alcançam a alma. Não tema o advogado a opinião pública. Justamente quando todos querem “apedrejar” aquele que foi escolhido como “Inimigo Público Número 1”, o advogado, na fidelidade à defesa, é o Supremo Sacerdote da Justiça.
João Baptista Herkenhoff, 74 anos, magistrado aposentado, é Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES) e escritor. Autor, dentre outros livros, de “Dilemas de um juiz – a aventura obrigatória” (GZ Editora, Rio). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br
sexta-feira, 6 de agosto de 2010
Questões angustiantes de Justiça
Ministros dos altos tribunais, desembargadores federais ou estaduais, magistrados de cortes internacionais são, antes de tudo, juízes.
Há tanta grandeza na função, o ser humano é tão pequeno para ser juiz, é tão de empréstimo o eventual poder que alguém possui para julgar que me parecem desnecessários tantos vocábulos para denominar a mesma função.
Talvez fosse bom que os titulares de altos postos da Justiça nunca se esquecessem de que são juízes, cônscios da sacralidade da missão. O que os faz respeitáveis não são as reverências, excelências ou eminências, mas a retidão das decisões que profiram.
Já no início da carreira na magistratura, mostrei ter consciência de ser “de empréstimo” a função que me fora atribuída. Disse, num discurso, em São José do Calçado, uma das primeiras comarcas onde atuei:
O colono de pés descalços, a mãe com o filho no colo, o operário, o preso, os que sofrem, os que querem alívio para suas dores, os que têm fome e sede de Justiça – todos batem, com respeito sagrado, às portas do Fórum ou da residência do Juiz, confiando na sua ação, na sua autoridade, na sua ciência, na sua imparcialidade e firmeza moral. E deve o Juiz distribuir Justiça, bondade, orientação, confiança, fé, perdão, concórdia, amor.
Como pode o mortal, com todas as suas imperfeições, corporificar para tantos homens e mulheres a própria imagem eterna da Justiça, tornar-se aquele ente cujo nome de Batismo é colocado em segundo plano para ser, até mesmo para as crianças que gritam, carinhosamente, por sua pessoa, na rua o... Juiz?
Só em Deus se encontra a resposta porque, segundo a Escritura, Ele ordenou: “Estabelecerás juízes e magistrados de todas as tuas portas para que julguem o povo com retidão de justiça”.
Outra questão. Uma proposta de emenda constitucional pretende aumentar a idade da aposentadoria compulsória dos magistrados, de 70 para 75 anos. Os interessados na aprovação da matéria são, de maneira especial, aqueles que se encontram à beira da idade-limite.
O empenho de permanecer na função, no que se refere aos magistrados, é tão veemente que o humor brasileiro criou uma palavra para a saída não voluntária – expulsória. Diz-se então assim: “Fulano não vai pedir aposentadoria de jeito nenhum. Só saí na expulsória”.
Sou absolutamente contrário à pretendida alteração constitucional. O aumento da idade da aposentadoria compulsória retira oportunidades de trabalho para os jovens. Mais importante que manter os idosos, nos seus postos, é abrir horizontes para os novos.
Terceiro ponto. Sou a favor do voto aberto e motivado na promoção dos juízes. O voto secreto, por mera simpatia ou antipatia, ou por critérios ainda mais censuráveis, deslustra a Justiça. Quem vota deve sempre declarar pública e limpamente o seu voto. O processo de democratização do país, a que estamos assistindo, com o debate público de todas as questões, não pode encontrar no aparato judicial uma força dissonante.
Em 30 de agosto de 2005, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), acolhendo pedido formulado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), aprovou resolução no sentido de que a promoção dos magistrados, por merecimento, obedeça, nos tribunais, ao princípio do voto aberto e motivado.
Rebelamo-nos contra as promoções arbitrárias, imotivadas, dentro da magistratura, já em 1979, na tese de Docência Livre que defendemos publicamente na Universidade Federal do Espírito Santo. Dissemos então:
As promoções, no quadro, deveriam ser precedidas de concurso público de títulos e de provas. Desses concursos deveria participar, com peso ponderável, a OAB, pelas mesmas razões que justificam a presença da classe dos advogados no processo de recrutamento de juízes. Os concursos buscariam apurar a operosidade do juiz, sua residência na comarca, o cuidado de suas sentenças, sua dedicação aos estudos, seus escritos e publicações, cursos de aperfeiçoamento que tenha frequentado, seu comportamento moral, social e humano etc.
Última questão. Sou contra a realização de audiências criminais por vídeo-conferência. Não me parece de bom conselho que se privem os magistrados do contato direto com indiciados, acusados ou réus. Parece-me que a ausência desse contato desumaniza a Justiça. O acusado – seja culpado, seja inocente – não é objeto, é pessoa. Quantas vezes, na minha vida de juiz, a face do acusado revelou-me o imponderável, a lágrima que rolou espontânea indicou-me o caminho. Não se trata de desprezar os autos, mas de ir além dos autos. O acusado tem direito de ver o juiz, de falar, de expor, de reclamar, de pedir. Se será atendido nos seus pleitos é outra coisa. Mas cassar-lhe o direito de comunicação direta, afastando-o do magistrado através de uma máquina impessoal, parece-me brutal.
João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo e Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha. Autor de Escritos de um jurista marginal (Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
sexta-feira, 30 de julho de 2010
Direito e Poesia
A Poesia e o Direito são vizinhos. A Poesia engrandece o Direito. Só se alcança o Direito pelo caminho da Poesia.
O encontro do Direito com a Poesia nem sempre é fácil. Frequentemente ao Direito pede-se ordem. A Poesia alimenta-se da transgressão. Em muitos casos, entretanto, só se realiza o Direito pelas portas da transgressão. Que são os movimentos de desobediência civil senão a transgressão coletiva das leis? Foi essa a estratégia de que se utilizaram Nelson Mandela e Martin Luther King, na luta contra a segregação racial (na África do Sul e nos Estados Unidos). Que é, no Brasil, o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) senão a busca do direito à terra, ao trabalho, à sobrevivência, rompendo um suposto pacto social. Pacto social apenas suposto, não um pacto efetivo porque representado por leis protetoras de um pretenso direito de propriedade, interpretadas de maneira positivista pelos tribunais. Mesmo quando a propriedade não cumpre sua finalidade social, nas balizas desse pacto mentiroso tolera-se com indiferença o desvio.
Viva a liberdade dos poetas, no seu cântico:
“Nunca haverá fronteira na vida de um poeta. Sua bandeira é de luz, sua justiça é correta. Se errarem ele protesta.” (Silas Correia Leite).
Mas mesmo o Poeta, cuja missão deve ser o anúncio dos mais altos ideais, pode esquecer-se da vida que o rodeia. Quando há esse esquecimento, quando a Poesia não cumpre o seu papel, merece reprovação. E como é belo quando quem reprova o poeta é o Poeta, como nestes versos de um dos maiores a poetar em Língua Portuguesa:
“Ao ver uma rosa branca o poeta disse: Que linda! Cantarei sua beleza como ninguém nunca ainda! E a rosa: - Calhorda que és! Pára de olhar para cima! Mira o que tens a teus pés! E o poeta vê uma criança suja, esquálida, andrajosa comendo um torrão da terra que dera existência à rosa.” (Vinicius de Moraes).
Charles Chaplin, com sua profunda sensibilidade de Artista, puxa a orelha do jurista que se divorcia das angústias humanas: "Juízes, não sois máquinas! Homens é o que sois!"
Poesia é substantito feminino. Direito é substantivo masculino.
Há uma preponderante presença do masculino no Direito, a começar pela prevalência de homens nas funções judiciais. Só recentemente mulheres ascenderam aos tribunais, e mesmo assim, em total desproporção à presença de homens nessas casas.
Como escreveu Marita Beatriz Konzen,
“não há que se falar em estado democrático, enquanto não eliminarmos as gritantes diferenças sociais, dentre as quais, a desigualdade de sexos.”
A sensibilidade não é virtude exclusivamente das mulheres. Também os homens podem ser sensíveis, enquanto nem sempre as mulheres são portadoras de sensibilidade.
Mas, em termos globais, por critérios de totalidade, a Justiça seria mais sensível se abrigasse, nos seus quadros, uma presença mais significativa de juízas.
Utopia, Paz, Participação, Igualdade, Anistia são palavras femininas que apontam para o ideal de uma sociedade fraterna.
Racismo, preconceito, imperialismo, nepotismo, arbítrio são palavras masculinas que direcionam a sociedade para a exclusão e a injustiça.
O conselho de Eduardo Couture, dirigido aos juristas, deveria ser estampado nos fóruns: “Teu dever é lutar pelo Direito. Mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça".
O conflito entre lei (com letra minúscula mesmo) e Justiça (com letra maiúscula sempre) é uma constante no espírito do Juiz.
Creio que deva prevalecer a Justiça.
Trabalhar com a pauta da lei para encontrar a Justiça é uma tarefa difícil.
Porém, por mais difícil que seja a tarefa, essa busca é obrigatória.
Reprovo, com veemência, a recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pretendendo que o mérito ou demérito dos magistrados seja aquilatado pelo ajustamento de suas sentenças à jurisprudência dos tribunais superiores.
Quem renova o Direito é o juiz de primeiro grau, rente à vida.
Só o juiz de primeiro grau pode auscultar o ser humano, da mesma forma que só o médico pode auscultar o coração e o pulmão do paciente.
Os tribunais, como disse Eliézer Rosa, são sempre tribunais de ausentes porque nunca têm diante de si pessoas, mas apenas autos, papéis, argumentos.
Só a contemplação pessoal dos rostos e dos dramas humanos, que transparecem nesses rostos, pode permitir ao juiz humanizar a lei, ou seja, fazer com que a lei suba às esferas da Poesia.
João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da UFES e Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha. Magistrado aposentado.
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
Homepage: www.jbherkenhoff@uol.com.br
CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2197242784380520
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
Precisa disso para vender chinelos???
Sou um profissional da comunicação e conheço alguns dos artifícios utilizados por publicitários para fazer com que o produto ou serviço de seu cliente, seja lembrado.
Tudo bem, minha área na comunicação social é a escrita e não sou conhecedor profundo das técnicas publicitárias, entretanto, o hábito que constitui um jornalista é, sobretudo, a leitura diária e nesse exercício somos estimulados a oferecer às pessoas o que há de melhor (no nosso entendimento) em termos de informação consistente e produtos literários de qualidade, e assim, contribuir na formação de um leitor que seja inteligente, perspicaz, crítico e acima de tudo, perceba a importância que um profissional deste segmento tem para a qualidade na formação de suas idéias e efetivamente, em sua prática cotidiana.
Mesmo não tendo nada contra as pessoas que nesta profissão (comunicação social) optaram pela publicidade, não poderia deixar de registrar aqui os abusos que esses profissionais praticam, na tentativa de convencer seu cliente que aquela peça publicitária lhe trará bons dividendos para sua empresa. É evidente que a criatividade é o atributo principal para o exercício dessa profissão, principalmente se considerarmos que o público consumidor tem uma tendência a comprar, nem sempre pela qualidade do produto em si, mas o anúncio atraente faz com que se lembre daquela marca. Só não consigo conceber que determinadas marcas, com a tradição de havaianas (sandálias de borracha) necessite interferir na conceituação moral do povo brasileiro, já tão abalada por tantas práticas que estão incentivando os nossos jovens, sobretudo, a desconhecerem valores que são fundamentais, independente da época em que vivemos. Esse público (os jovens) estão em formação, inclusive de caráter, e por isso são tão facilmente influenciados. E é aí que está o grande perigo: incutir conceitos nesta classe da sociedade, que passam ao largo do construtivismo.
Ora, qual a necessidade em produzir um comercial de chinelos, exibindo um diálogo entre uma senhora e uma adolescente (avó e neta, supostamente) passando um princípio para milhões de telespectadores de que a adolescente não precisa se casar com um rapaz com as características do ator Cauã Reimond. Seria suficiente, segundo a avó da moça, que ela apenas fizesse sexo com ele. Será que é realmente necessário induzir milhões de crianças e adolescentes à idéia de que casamento não é importante, apenas para se vender mais chinelos? Eu penso que não. E você, o que pensa?
Não escrevo com o intuito de pregar moralidade barata. Externo minha opinião por acreditar que quando relativizamos assuntos importantes, produzimos gerações sem referência, sem limites e isso tudo contribui sobremaneira para a construção de uma sociedade cujo futuro é viver num país sem perspectiva.
E não é isso que sonhamos para o Brasil.
Em detrimento da qualidade do produto havaianas, sugiro que optemos por uma marca que não tente destruir conceitos importantes, apenas para vender, a mais, uns pares de chinelos.