João Baptista Herkenhoff
Sempre que a sociedade fica assustada, em face de episódios criminais que colocam em grande risco a segurança dos cidadãos, repõe-se no debate a tese do endurecimento das leis penais. À primeira vista a solução parece acertada, motivo pelo qual angaria o apoio de parcelas ponderáveis da população. Não nos parece que este seja o caminho. As leis em vigor já punem severamente atos covardes como alguns que têm ocorrido. O que se espera é que crimes que ferem intensamente a consciência ética, e põem em justo sobressalto as pessoas de bem, sejam desvendados e que seus autores, presos na forma da lei, sejam julgados pelos juízos e tribunais comuns, segundo as leis vigentes.
Há que se aperfeiçoar, outrossim, as instâncias responsáveis pela segurança pública e pelo combate ao crime, especialmente o crime organizado. Nesta matéria estão, a meu ver, em boa rota todos aqueles que têm defendido uma integração das instâncias federal, estadual e até mesmo municipal, no enfrentamento da questão, bem como a integração de órgãos em cada esfera de Governo.
Não será através de leis de exceção, ou tribunais de exceção, que se combaterá o crime organizado e os autores de delitos horripilantes, mas sim através do real e eficiente funcionamento da Justiça e demais aparatos legais.
Foi em decorrência da introdução, na Inglaterra, de uma lei que permite aos policiais atirar num momento de ameaça, que o brasileiro Jean Charles, confundido com criminosos, foi assassinado em Londres.
A temática do terrorismo e de uma legislação excepcional que o terrorismo demande, com supressão das liberdades duramente conquistadas na evolução da História, é uma das questões mais preocupantes do mundo contemporâneo. Nos Estados Unidos o ex-presidente Bush defendeu com ardor a ruptura dos direitos civis clássicos, até mesmo com a abolição de pactos internacionais. A diplomacia brasileira não tem, entretanto, apoiado o endurecimento proposto. Nossa posição, no âmbito das Nações Unidas, firma-se na ideia de que não se combate o terror com a adoção do que poderíamos chamar, sem eufemismo, de “terrorismo jurídico”.
A introdução, no Brasil, de leis especiais (leis de exceção), para punir delitos graves, já definidos pela legislação comum, com penas devidamente cominadas, contradiz nossa postura internacional, sustentada com brilho pela exemplar diplomacia de nosso pais.
O equivocado tratamento interno da questão estabeleceria um hiato entre o que dizemos lá fora e o que fazemos aqui dentro.
João Baptista Herkenhoff é Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES), palestrante em várias universidades e escritor. Autor do livro Filosofia do Direito (GZ Editora, Rio de Janeiro).
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
Homepage: www.jbherkenhoff.com.br
CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2197242784380520
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
terça-feira, 17 de agosto de 2010
Justiça: da crise à superação
João Baptista Herkenhoff
Frei Leonardo Boff diz que os momentos de crise são a grande oportunidade para os avanços e a superação. Sendo assim, um momento de crise do Poder Judiciário será o mais acertado e próprio para refletir sobre caminhos que permitam uma melhoria da Justiça.
Proponho dez medidas para aprimorar a Justiça. São medidas de realização possível, desde que haja a vontade de mudar.
1) Arejar os tribunais. – Nada de sessões secretas, exceto para questões que envolvam a privacidade das pessoas (casos de família e outros). Nada de exigência de roupas e calçados para ingressar nos recintos judiciais. Nada de vedar o acesso da imprensa aos julgamentos. Que todas as decisões e votos sejam abertos e motivados.
2) Dar rapidez aos julgamentos. – Sem sacrificar o “princípio do contraditório”, é possível fazer com que a Justiça seja mais rápida. Que as partes em conflito aleguem e façam provas, como é certo, mas que se alterem as leis de modo que não se fraude a prestação jurisdictional através de recursos abusivos. Que se acabe com o recurso obrigatório nas decisões contra o Poder Público, pois isso é admitir que todos os procuradores de Estado sejam desonestos. Mesmo que a decisão seja injusta e incorreta deixariam de recorrer, por corrupção. O duplo grau de jurisdição, nessas hipóteses, contribui para sobrecarregar as pautas dos tribunais. Que se mudem também práticas que não estão nas leis mas estão nos hábitos e que entravam a Justiça, transformando-a numa traquitana, como disse Monteiro Lobato.
3) Humanizar a Justiça. – A Justiça não lida com objetos, mas com pessoas, dramas humanos, dores. O contato das partes com o juiz é indispensável, principalmente nos casos das pessoas mais humildes que ficam aterrorizadas com a engrenagem da Justiça. Kafka desenhou com genialidade o sufocamento do ser humano pelas artimanhas do processo judicial. O apelo de ser escutado é um atributo inerente à condição humana. Tratar as partes com autoritarismo ou descortesia é uma brutalidade inaceitável.
4) Praticar a humildade. – O que faz a Justiça ser respeitada não são as pompas, as reverências, as excelências, as togas, mas a retidão dos julgamentos. Na última morada, ser enterrado de toga não faz a mínima diferença. Neste momento final, a mais alta condecoração será a lágrima da viúva agradecendo ao magistrado, em silêncio, a Justiça que lhe foi feita. Por que não se muda a designação dos chamados Poderes para serviços? Serviço Executivo, Serviço Legislativo e Serviço Judiciário. São mesmo serviços, devem ser entendidos como serviços a que o povo tem direito.
5) Democratizar a Justiça. – Começar pala democratização da eleição dos presidentes dos tribunais. Todos os magistrados, mesmo os de primeiro grau, devem poder votar. Um magistrado de primeiro grau pode ser eleito para dirigir a corte, regressando a seu lugar ao completar o mandato. Um presidente de tribunal não é apenas aquela pessoa que preside às sessões, mas é alguém que exerce a presidência de um órgão do Poder.
6) Alterar o sistema de vitaciedade. – O magistrado não se tornaria vitalício depois de dois anos de exercício, mas através de três etapas: dois anos, cinco anos e sete anos. A cada etapa haveria a apreciação de sua conduta, com a participação de representantes da sociedade civil porque não seria apenas o julgamento técnico (como nos concursos de ingresso), mas o julgamento ético (exame amplo do procedimento do juiz).
7) Combater o familismo. – Nada de penca de parentes na Justiça. Concursos honestos para ingresso na magistratura e também para os cargos administrativos. Neste ponto a Constituição de 1988 regrediu em comparação à Constituição de 1946. A Constituição de 1946 proibia que parentes tivessem assento num mesmo tribunal. A Constituição de 1988 proíbe parentes apenas na mesma turma. Se o tribunal tiver cinco turmas será possível que cinco parentes façam parte de um mesmo tribunal, desde que um parente em cada turma.
8) Aumentar a idade minima para ser juiz. – O cargo exige experiência de vida, não demanda apenas conhecimentos técnicos.
9) Fazer da Justiça uma instituição impoluta. – É inadmissível a corrupção dentro da Justiça. Um magistrado corrupto supera, em indignidade moral, o mais sórdido bandido.
10) Colocar os juízes perto dos litigantes. – Se o habitante da periferia tem de subir escadas de mármore, para alcançar suntuosas salas, em palácios ainda mais suntuosos, a fim de pleitear e discutir direitos, essa difícil caminhada leva a uma ruptura do referencial de espaço, que é referencial de cultura, referencial de existência.
João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da UFES e professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES). Autor do livro Filosofia do Direito (Editora GZ, Rio de Janeiro, 2010).
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
Homepage: www.jbherkenhoff.com.br
CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2197242784380520
Frei Leonardo Boff diz que os momentos de crise são a grande oportunidade para os avanços e a superação. Sendo assim, um momento de crise do Poder Judiciário será o mais acertado e próprio para refletir sobre caminhos que permitam uma melhoria da Justiça.
Proponho dez medidas para aprimorar a Justiça. São medidas de realização possível, desde que haja a vontade de mudar.
1) Arejar os tribunais. – Nada de sessões secretas, exceto para questões que envolvam a privacidade das pessoas (casos de família e outros). Nada de exigência de roupas e calçados para ingressar nos recintos judiciais. Nada de vedar o acesso da imprensa aos julgamentos. Que todas as decisões e votos sejam abertos e motivados.
2) Dar rapidez aos julgamentos. – Sem sacrificar o “princípio do contraditório”, é possível fazer com que a Justiça seja mais rápida. Que as partes em conflito aleguem e façam provas, como é certo, mas que se alterem as leis de modo que não se fraude a prestação jurisdictional através de recursos abusivos. Que se acabe com o recurso obrigatório nas decisões contra o Poder Público, pois isso é admitir que todos os procuradores de Estado sejam desonestos. Mesmo que a decisão seja injusta e incorreta deixariam de recorrer, por corrupção. O duplo grau de jurisdição, nessas hipóteses, contribui para sobrecarregar as pautas dos tribunais. Que se mudem também práticas que não estão nas leis mas estão nos hábitos e que entravam a Justiça, transformando-a numa traquitana, como disse Monteiro Lobato.
3) Humanizar a Justiça. – A Justiça não lida com objetos, mas com pessoas, dramas humanos, dores. O contato das partes com o juiz é indispensável, principalmente nos casos das pessoas mais humildes que ficam aterrorizadas com a engrenagem da Justiça. Kafka desenhou com genialidade o sufocamento do ser humano pelas artimanhas do processo judicial. O apelo de ser escutado é um atributo inerente à condição humana. Tratar as partes com autoritarismo ou descortesia é uma brutalidade inaceitável.
4) Praticar a humildade. – O que faz a Justiça ser respeitada não são as pompas, as reverências, as excelências, as togas, mas a retidão dos julgamentos. Na última morada, ser enterrado de toga não faz a mínima diferença. Neste momento final, a mais alta condecoração será a lágrima da viúva agradecendo ao magistrado, em silêncio, a Justiça que lhe foi feita. Por que não se muda a designação dos chamados Poderes para serviços? Serviço Executivo, Serviço Legislativo e Serviço Judiciário. São mesmo serviços, devem ser entendidos como serviços a que o povo tem direito.
5) Democratizar a Justiça. – Começar pala democratização da eleição dos presidentes dos tribunais. Todos os magistrados, mesmo os de primeiro grau, devem poder votar. Um magistrado de primeiro grau pode ser eleito para dirigir a corte, regressando a seu lugar ao completar o mandato. Um presidente de tribunal não é apenas aquela pessoa que preside às sessões, mas é alguém que exerce a presidência de um órgão do Poder.
6) Alterar o sistema de vitaciedade. – O magistrado não se tornaria vitalício depois de dois anos de exercício, mas através de três etapas: dois anos, cinco anos e sete anos. A cada etapa haveria a apreciação de sua conduta, com a participação de representantes da sociedade civil porque não seria apenas o julgamento técnico (como nos concursos de ingresso), mas o julgamento ético (exame amplo do procedimento do juiz).
7) Combater o familismo. – Nada de penca de parentes na Justiça. Concursos honestos para ingresso na magistratura e também para os cargos administrativos. Neste ponto a Constituição de 1988 regrediu em comparação à Constituição de 1946. A Constituição de 1946 proibia que parentes tivessem assento num mesmo tribunal. A Constituição de 1988 proíbe parentes apenas na mesma turma. Se o tribunal tiver cinco turmas será possível que cinco parentes façam parte de um mesmo tribunal, desde que um parente em cada turma.
8) Aumentar a idade minima para ser juiz. – O cargo exige experiência de vida, não demanda apenas conhecimentos técnicos.
9) Fazer da Justiça uma instituição impoluta. – É inadmissível a corrupção dentro da Justiça. Um magistrado corrupto supera, em indignidade moral, o mais sórdido bandido.
10) Colocar os juízes perto dos litigantes. – Se o habitante da periferia tem de subir escadas de mármore, para alcançar suntuosas salas, em palácios ainda mais suntuosos, a fim de pleitear e discutir direitos, essa difícil caminhada leva a uma ruptura do referencial de espaço, que é referencial de cultura, referencial de existência.
João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da UFES e professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES). Autor do livro Filosofia do Direito (Editora GZ, Rio de Janeiro, 2010).
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
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quinta-feira, 12 de agosto de 2010
Estação dos debates
João Baptista Herkenhoff
A Primavera só começa no mês que vem, mas a estação dos debates politicos já começou. Debates entre presidenciáveis, entre candidatos a Governo Estadual, com os pretendentes a cadeiras legislativas. Debates na televisão, nas emissoras de radio, através dos jornais, nas associações de moradores, nas igrejas, nas entidades da sociedade civil, nos espaços públicos em geral.
Isto é muito bom. Isto é Democracia. A Democracia tem vícios e pecados, mas a pior Democracia ainda supera a melhor ditadura. Nas democracias os pecados são publicamente exibidos. Nas ditaduras só se conhecem os pecados sob o crivo da História, ou seja, os vícios do ditador de hoje só serão revelados no futuro, depois da queda do ditador. Este é um fenômeno universal, acontece assim em todos os países do mundo.
Os debates entre presidenciáveis e entre postulantes aos Executivos estaduais realçam, a meu ver, um dos aspectos mais positivos do sistema presidencialista de governo. Nos debates confrontam-se teses, ideias e caminhos que possam orientar os destinos do Brasil e de cada um dos Estados da Federação. Assim o eleitor, na verdade, não escolhe apenas um candidato, um nome, mas opta pelo rumo que, segundo sua consciência, deve ser dado ao país e à unidade federativa onde ele reside.
É natural que haja troca de pequenas “alfinetadas” entre os debatedores, desde que se evitem ofensas morais, pois estas descaracterizam o significado do embate.
Nos debates, algumas perguntas ficam sem resposta ou são mal respondidas. A omissão ou a resposta que não convence servem para o eleitor formar opinião, discernir.
É preciso que os debates se multipliquem porque democracia, antes de tudo, é isto: discussão, transparência, oposição de projetos.
É preciso que também os candidatos a vice (Vice-Presidente, Vice-Governador) compareçam aos debates. Não vamos agourar os titulares. Não vamos pensar em morte. Mas devemos considerar que o vice é o substituto eventual em qualquer situação (licenças, viagens), além de ser sempre um ator politico importante, mesmo quando o ocupante efetivo está no exercício da função.
Também os candidatos aos postos do Legislativo deveriam ser sabatinados. Deputados e senadores, além de legislar, têm grande peso politico. Presidentes e Governadores podem ser reféns de corpos legislativos minados pela corrupção. É absolutamente indispensável que o voto popular eleja deputados estaduais, deputados federais e senadores que tenham, pelo menos, uma folha corrida de dignidade moral.
Uma advertência importantíssima. No voto para deputado estadual e deputado federal, o eleitor não escolhe apenas o candidato. Dá seu voto também à legenda do candidato, ou seja, vota no candidato e no partido a que o candidato pertence. Cumpre assim escolher um bom candidato, cuja legenda esteja limpa, sob o aspecto ético. Isto é o mínimo que se pode desejar. Realmente a escolha suplanta este ângulo ético. Na escolha do candidato, o eleitor endossa também o programa partidário. Há partidos conservadores e há partidos progressistas. No voto o eleitor expressa o rumo que deseja para o país ou para o Estado. Mas os tempos estão de tal forma suspeitos que, não obstante a questão programática, salvaguardar um “mínimo ético” faz sentido.
O voto igual, universal, direto e secreto foi fruto de uma longa caminhada histórica.
O voto era restrito às classes dominantes. Exigiam-se posses e uma renda alta para que a pessoa tivesse o direito de participação na vida política. Mulher não podia votar. O voto era aberto, motivo pelo qual a maioria das pessoas não tinha liberdade de escolha, pois o sufrágio era fiscalizado pelos olhos dos donos do poder.
As barreiras e restrições ao voto foram caindo. A ampliação de direitos não foi dádiva dos mandachuvas. Resultou das lutas do povo. As classes subalternas, as pessoas discriminadas, os oprimidos fizeram valer sua voz.
Mas teremos chegado a um regime de voto verdadeiramente democrático?
Creio que não. Ainda há uma enorme influência do poder econômico nas eleições. As campanhas são caras. Sustentadas por pessoas e empresas poderosas, estas cobram o dinheiro “aplicado”. Os compromissos decorrentes do financiamento das campanhas beneficiam grupos econômicos, privilégios, manutenção de estruturas de injustiça.
A corrupção eleitoral, da qual o financiamento de campanhas é uma face, apresenta-se como o mais grave atentado ao “voto cidadão”, na realidade contemporânea do Brasil.
Mas justamente para tentar mudar esse quadro é preciso votar. Nada de votar em branco ou votar “nulo”. Pelo contrário, votar com consciência e com fé nas possibilidades de avanço da cidadania.
João Baptista Herkenhoff, magistrado aposentado, é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Professor da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha e escritor. Autor do livro Ética para um mundo melhor (Thex Editora, Rio).
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
Homepage: www.jbherkenhoff.com.br
A Primavera só começa no mês que vem, mas a estação dos debates politicos já começou. Debates entre presidenciáveis, entre candidatos a Governo Estadual, com os pretendentes a cadeiras legislativas. Debates na televisão, nas emissoras de radio, através dos jornais, nas associações de moradores, nas igrejas, nas entidades da sociedade civil, nos espaços públicos em geral.
Isto é muito bom. Isto é Democracia. A Democracia tem vícios e pecados, mas a pior Democracia ainda supera a melhor ditadura. Nas democracias os pecados são publicamente exibidos. Nas ditaduras só se conhecem os pecados sob o crivo da História, ou seja, os vícios do ditador de hoje só serão revelados no futuro, depois da queda do ditador. Este é um fenômeno universal, acontece assim em todos os países do mundo.
Os debates entre presidenciáveis e entre postulantes aos Executivos estaduais realçam, a meu ver, um dos aspectos mais positivos do sistema presidencialista de governo. Nos debates confrontam-se teses, ideias e caminhos que possam orientar os destinos do Brasil e de cada um dos Estados da Federação. Assim o eleitor, na verdade, não escolhe apenas um candidato, um nome, mas opta pelo rumo que, segundo sua consciência, deve ser dado ao país e à unidade federativa onde ele reside.
É natural que haja troca de pequenas “alfinetadas” entre os debatedores, desde que se evitem ofensas morais, pois estas descaracterizam o significado do embate.
Nos debates, algumas perguntas ficam sem resposta ou são mal respondidas. A omissão ou a resposta que não convence servem para o eleitor formar opinião, discernir.
É preciso que os debates se multipliquem porque democracia, antes de tudo, é isto: discussão, transparência, oposição de projetos.
É preciso que também os candidatos a vice (Vice-Presidente, Vice-Governador) compareçam aos debates. Não vamos agourar os titulares. Não vamos pensar em morte. Mas devemos considerar que o vice é o substituto eventual em qualquer situação (licenças, viagens), além de ser sempre um ator politico importante, mesmo quando o ocupante efetivo está no exercício da função.
Também os candidatos aos postos do Legislativo deveriam ser sabatinados. Deputados e senadores, além de legislar, têm grande peso politico. Presidentes e Governadores podem ser reféns de corpos legislativos minados pela corrupção. É absolutamente indispensável que o voto popular eleja deputados estaduais, deputados federais e senadores que tenham, pelo menos, uma folha corrida de dignidade moral.
Uma advertência importantíssima. No voto para deputado estadual e deputado federal, o eleitor não escolhe apenas o candidato. Dá seu voto também à legenda do candidato, ou seja, vota no candidato e no partido a que o candidato pertence. Cumpre assim escolher um bom candidato, cuja legenda esteja limpa, sob o aspecto ético. Isto é o mínimo que se pode desejar. Realmente a escolha suplanta este ângulo ético. Na escolha do candidato, o eleitor endossa também o programa partidário. Há partidos conservadores e há partidos progressistas. No voto o eleitor expressa o rumo que deseja para o país ou para o Estado. Mas os tempos estão de tal forma suspeitos que, não obstante a questão programática, salvaguardar um “mínimo ético” faz sentido.
O voto igual, universal, direto e secreto foi fruto de uma longa caminhada histórica.
O voto era restrito às classes dominantes. Exigiam-se posses e uma renda alta para que a pessoa tivesse o direito de participação na vida política. Mulher não podia votar. O voto era aberto, motivo pelo qual a maioria das pessoas não tinha liberdade de escolha, pois o sufrágio era fiscalizado pelos olhos dos donos do poder.
As barreiras e restrições ao voto foram caindo. A ampliação de direitos não foi dádiva dos mandachuvas. Resultou das lutas do povo. As classes subalternas, as pessoas discriminadas, os oprimidos fizeram valer sua voz.
Mas teremos chegado a um regime de voto verdadeiramente democrático?
Creio que não. Ainda há uma enorme influência do poder econômico nas eleições. As campanhas são caras. Sustentadas por pessoas e empresas poderosas, estas cobram o dinheiro “aplicado”. Os compromissos decorrentes do financiamento das campanhas beneficiam grupos econômicos, privilégios, manutenção de estruturas de injustiça.
A corrupção eleitoral, da qual o financiamento de campanhas é uma face, apresenta-se como o mais grave atentado ao “voto cidadão”, na realidade contemporânea do Brasil.
Mas justamente para tentar mudar esse quadro é preciso votar. Nada de votar em branco ou votar “nulo”. Pelo contrário, votar com consciência e com fé nas possibilidades de avanço da cidadania.
João Baptista Herkenhoff, magistrado aposentado, é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Professor da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha e escritor. Autor do livro Ética para um mundo melhor (Thex Editora, Rio).
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
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terça-feira, 10 de agosto de 2010
Dia do Advogado, Dia do Estudante
João Baptista Herkenhoff
Em 11 de agosto de 1827 D. Pedro I criava as duas primeiras Faculdades de Direito do Brasil: a de São Paulo e a de Olinda e Recife. Por esse motivo, o Onze de Agosto veio a ser proclamado Dia do Advogado. Depois a data foi também escolhida para homenagear o estudante, em decorrência da circunstância de formarem os estudantes de Direito, durante muito tempo, a parcela maior e mais expressiva do alunato de ensino superior.
A passagem desse dia comemorativo merece reflexão por parte da sociedade em geral, e não apenas de estudantes e advogados. Primeiramente porque o povo tem fome de Justiça, tanto quanto tem fome de pão. Milhares de pessoas, nesta semana, em todo o território brasileiro, não estão pedindo pão, mas estão bradando por Justiça. Este grito tem de ecoar na consciência nacional.
Na busca e realização da Justiça, papéis relevantes cabem aos profissionais da advocacia, aos membros do Ministério Público e aos magistrados. Mas na semana dos advogados cuidaremos apenas destes.
Destaco três pontos na ética do advogado:
. Seu compromisso com a dignidade humana;
. Seu papel na salvaguarda do contraditório;
. Sua independência à face dos Poderes e dos poderosos.
Creio que é a luta pela dignidade da pessoa humana que faz da Advocacia, não uma simples profissão, mas uma escolha existencial.
Se nos lembramos de Rui Barbosa, Sobral Pinto, Heleno Cláudio Fragoso, qual foi a essência dessas vidas? Respondo sem titubear: a consciência de que a sacralidade da pessoa humana é o núcleo ético da Advocacia.
Esta é uma bandeira de resistência porque se contrapõe à “cultura de massa” que se intenta impor à opinião pública, no Brasil contemporâneo. A “cultura de massa” inocula o apreço “seletivo” pela dignidade humana. Em outras palavras: só algumas pessoas têm direito de serem respeitadas como pessoas.
Há um discurso dos Direitos Humanos que é um discurso das classes dominantes. Nações poderosas pretenderam e pretendem “ensinar” direitos humanos. Esquecem-se essas nações que o imperialismo político e econômico é a mais grave violação dos Direitos Humanos. Propomos os Direitos Humanos como “opção de vida”, mas não são os Direitos Humanos dos poderosos da Terra, dos que fazem dessa causa um instrumento da mentira.
Preferimos buscar noutras fontes a seiva dos Direitos Humanos. E, a nosso ver, a mais rica seiva são os movimentos populares. A apropriação dos Direitos Humanos pelos movimentos populares não significa desprezar a construção da ideologia dos Direitos Humanos a partir de outros referenciais e outras origens. Se o objetivo é a dignidade da pessoa humana, é a ruptura de todas as formas de degradação de homens ou mulheres, as vertentes acabam por encontrar-se e os militantes hão de comungar as mesmas lutas.
Nosso segundo ponto de reflexão lembra que o Advogado salvaguarda o contraditório, isto é, o embate de teses e provas que se defrontam perante o juiz. Já Sêneca, filósofo estóico e autor romano que viveu nos primeiros tempos da Era Cristã, percebeu a necessidade do contraditório quando afirmou que “quando o juiz após ouvir somente uma das partes sentencia, talvez seja a sentença justa. Mas justo não será o juiz”.
Finalmente, vejo a independência em face dos Poderes e dos poderosos como atributo inerente ao papel do Advogado. Não tema o advogado contrariar juízes, desembargadores ou ministros. Não tema o advogado a represália dos que podem destruir o corpo, mas não alcançam a alma. Não tema o advogado a opinião pública. Justamente quando todos querem “apedrejar” aquele que foi escolhido como “Inimigo Público Número 1”, o advogado, na fidelidade à defesa, é o Supremo Sacerdote da Justiça.
João Baptista Herkenhoff, 74 anos, magistrado aposentado, é Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES) e escritor. Autor, dentre outros livros, de “Dilemas de um juiz – a aventura obrigatória” (GZ Editora, Rio). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br
Em 11 de agosto de 1827 D. Pedro I criava as duas primeiras Faculdades de Direito do Brasil: a de São Paulo e a de Olinda e Recife. Por esse motivo, o Onze de Agosto veio a ser proclamado Dia do Advogado. Depois a data foi também escolhida para homenagear o estudante, em decorrência da circunstância de formarem os estudantes de Direito, durante muito tempo, a parcela maior e mais expressiva do alunato de ensino superior.
A passagem desse dia comemorativo merece reflexão por parte da sociedade em geral, e não apenas de estudantes e advogados. Primeiramente porque o povo tem fome de Justiça, tanto quanto tem fome de pão. Milhares de pessoas, nesta semana, em todo o território brasileiro, não estão pedindo pão, mas estão bradando por Justiça. Este grito tem de ecoar na consciência nacional.
Na busca e realização da Justiça, papéis relevantes cabem aos profissionais da advocacia, aos membros do Ministério Público e aos magistrados. Mas na semana dos advogados cuidaremos apenas destes.
Destaco três pontos na ética do advogado:
. Seu compromisso com a dignidade humana;
. Seu papel na salvaguarda do contraditório;
. Sua independência à face dos Poderes e dos poderosos.
Creio que é a luta pela dignidade da pessoa humana que faz da Advocacia, não uma simples profissão, mas uma escolha existencial.
Se nos lembramos de Rui Barbosa, Sobral Pinto, Heleno Cláudio Fragoso, qual foi a essência dessas vidas? Respondo sem titubear: a consciência de que a sacralidade da pessoa humana é o núcleo ético da Advocacia.
Esta é uma bandeira de resistência porque se contrapõe à “cultura de massa” que se intenta impor à opinião pública, no Brasil contemporâneo. A “cultura de massa” inocula o apreço “seletivo” pela dignidade humana. Em outras palavras: só algumas pessoas têm direito de serem respeitadas como pessoas.
Há um discurso dos Direitos Humanos que é um discurso das classes dominantes. Nações poderosas pretenderam e pretendem “ensinar” direitos humanos. Esquecem-se essas nações que o imperialismo político e econômico é a mais grave violação dos Direitos Humanos. Propomos os Direitos Humanos como “opção de vida”, mas não são os Direitos Humanos dos poderosos da Terra, dos que fazem dessa causa um instrumento da mentira.
Preferimos buscar noutras fontes a seiva dos Direitos Humanos. E, a nosso ver, a mais rica seiva são os movimentos populares. A apropriação dos Direitos Humanos pelos movimentos populares não significa desprezar a construção da ideologia dos Direitos Humanos a partir de outros referenciais e outras origens. Se o objetivo é a dignidade da pessoa humana, é a ruptura de todas as formas de degradação de homens ou mulheres, as vertentes acabam por encontrar-se e os militantes hão de comungar as mesmas lutas.
Nosso segundo ponto de reflexão lembra que o Advogado salvaguarda o contraditório, isto é, o embate de teses e provas que se defrontam perante o juiz. Já Sêneca, filósofo estóico e autor romano que viveu nos primeiros tempos da Era Cristã, percebeu a necessidade do contraditório quando afirmou que “quando o juiz após ouvir somente uma das partes sentencia, talvez seja a sentença justa. Mas justo não será o juiz”.
Finalmente, vejo a independência em face dos Poderes e dos poderosos como atributo inerente ao papel do Advogado. Não tema o advogado contrariar juízes, desembargadores ou ministros. Não tema o advogado a represália dos que podem destruir o corpo, mas não alcançam a alma. Não tema o advogado a opinião pública. Justamente quando todos querem “apedrejar” aquele que foi escolhido como “Inimigo Público Número 1”, o advogado, na fidelidade à defesa, é o Supremo Sacerdote da Justiça.
João Baptista Herkenhoff, 74 anos, magistrado aposentado, é Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES) e escritor. Autor, dentre outros livros, de “Dilemas de um juiz – a aventura obrigatória” (GZ Editora, Rio). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
Combatendo a fanfarrice
Uma prática comum no meio político brasileiro, talvez mais comum do que pedir votos, é a fanfarrice de uma parte dos que se aventuram na política. E são aventureiros mesmo!
Digo isto, não porque a esperança de ver mudada a mentalidade política das pessoas já tenha se dissipado da minha mente, e do meu coração, mas sim por ter uma expectativa de que na medida em que surjam as candidaturas, que tenham como premissa básica nos apresentar uma alternativa de mudar a realidade que aí está, através de uma postura firme, defendendo com veemência a importância da política no contexto social, resgataremos sim, o verdadeiro sentido desta ciência idealizada pelos gregos antigos e tão maltratada por nossa comodidade e desleixo para com o nosso próprio futuro. E esta ciência, digo, a verdadeira política, até hoje não foi estabelecida de fato no nosso glorioso País. Há ainda um enorme hiato entre o que é praticado no Brasil, em termos de política, e o que pressupõe esta ciência.
O “ser político” talvez seja uma das poucas expressões de caráter hibrido em nossa sociedade. Quando queremos falar bem de alguém, no que diz respeito ao trato, à gentileza com as palavras e atitudes, e a incapacidade de dizer “não”, para quem quer que seja, logo o definimos como alguém “político”. Por outro lado, quando queremos desqualificar alguém por fazer parte de um segmento, cuja inserção, requer um comportamento solícito, mas que tal solicitude vem acompanhada da necessidade em lhe pedir um voto, imediatamente torcemos o nariz e, ao dar-lhe às costas, vem a conhecida expressão nos lábios: “Eu detesto política e os políticos”!
Pois bem, vamos combinar então: Não gostamos de política e não queremos mais votar. Ok! Agora vamos ao nosso novíssimo dilema. O que colocaremos no lugar da política? Quais os critérios que utilizaremos para escolher quem nos governará? Primeira sugestão: Que tal escolhermos um empresário de sucesso, cujos lucros de sua empresa, superam em muito todos os outros? Me parece alguém capacitado para nos governar, não é mesmo?! Vejamos... e quanto a sua parcialidade ao tomar uma decisão que irá afetar os seus colegas empresários? Será que ele conseguirá decidir com a imparcialidade necessária numa decisão que implicará, por exemplo, nos direitos dos empregados do setor privado brasileiro? É. Acho melhor escolhermos outro governante não é mesmo!
Segunda sugestão: Que tal um padre, ou até mesmo, um pastor? Sim. O país tem maioria católica, e os evangélicos tem altas taxas de crescimento no Brasil e muitas pessoas tem admiração por alguns desses sacerdotes que são responsáveis por mudanças importantes nas comunidades às quais estão inseridos, etc... mas, há um problema: Como o padre, ou o pastor, poderá decidir diante de interesses que não contemplam aqueles que acreditam em outras teses espirituais? Transformaremos o Brasil numa Faixa de Gaza? Não! Definitivamente, não!
Terceira sugestão: Quem sabe se colocássemos um general do Exército para comandar o país? Será que estaria resolvida a celeuma? Partindo do princípio de que já vivemos esta experiência e o resultado foi tortura e morte, e muitos corpos inclusive, sequer foram encontrados até o dia de hoje... acho que não, um general... não seria uma boa idéia. Mas, quem nos governaria, uma vez que não queremos mais a política? Não lhes parece que o caos estaria estabelecido de fato? “Cada um para si e Deus para todos”, para utilizar uma expressão comum em Conceição da Barra-ES, quando não se consegue chegar a um denominador comum e todos se separam para tentarem vencer sozinhos.
Voltando ao início do tema que me inspirou escrever o presente artigo, insisto em dizer que a fanfarrice verificada, sobretudo nos momentos eleitorais, é estimulada pela certeza de que a política não interessa para nós e que o mais importante é que a pessoa que escolhemos para votar, seja o popular “gente boa” e que, por esta razão, entendendo que “todos são iguais” (e não são!) vota-se na “miss simpatia” ou no “mister universo” do pedaço, para que ela (ou ele) assuma o comando de um barco chamado País (estado ou município) e ficarmos pedindo a Deus para que tudo que, no exercício do poder,ela ou ele resolva fazer, dê certo.
Não! Não é assim que deveríamos proceder. Política é coisa séria e o primeiro passo para nos manifestar, expressar o que sentimos enquanto cidadãos, é entender a política, participar de movimentos cujo objetivo seja o esclarecimento sobre os nossos deveres e direitos, nos quais estão inseridos à capacitação para sermos verdadeiros agentes da cidadania e conhecedores do papel que devemos exercer na sociedade. O fanfarrão, ao qual me refiro, não se combate com o nariz torcido e expressões de desdém tais como “não gosto de política e de políticos”. Este tipo de indivíduo, é combatido com o interesse pela informação de qualidade e fontes variadas para que não sejamos iludidos e levados a avaliar alguém, ou um partido, com base apenas num só ponto de vista.
Nem tudo o que brilha é ouro, portanto, se você quer escolher as pessoas que decidirão o seu destino, o seu bem estar e sobretudo, garantir seus direitos fundamentais através de um mandato, observem o seu passado, suas atitudes e postura diante de temas polêmicos. A incapacidade de se posicionar diante de um tema polêmico, pressupõe incapacidade de defender aquilo que acredita e um indivíduo incapaz de defender o que acredita, consequentemente não servirá para representar as pessoas que depositaram nele confiança, através do voto. E, só para lembrar: “Fanfarrões recusam-se a se posicionar diante de temas polêmicos e não conseguem dizer não, mesmo quando não há outra resposta para a questão proposta”.
Digo isto, não porque a esperança de ver mudada a mentalidade política das pessoas já tenha se dissipado da minha mente, e do meu coração, mas sim por ter uma expectativa de que na medida em que surjam as candidaturas, que tenham como premissa básica nos apresentar uma alternativa de mudar a realidade que aí está, através de uma postura firme, defendendo com veemência a importância da política no contexto social, resgataremos sim, o verdadeiro sentido desta ciência idealizada pelos gregos antigos e tão maltratada por nossa comodidade e desleixo para com o nosso próprio futuro. E esta ciência, digo, a verdadeira política, até hoje não foi estabelecida de fato no nosso glorioso País. Há ainda um enorme hiato entre o que é praticado no Brasil, em termos de política, e o que pressupõe esta ciência.
O “ser político” talvez seja uma das poucas expressões de caráter hibrido em nossa sociedade. Quando queremos falar bem de alguém, no que diz respeito ao trato, à gentileza com as palavras e atitudes, e a incapacidade de dizer “não”, para quem quer que seja, logo o definimos como alguém “político”. Por outro lado, quando queremos desqualificar alguém por fazer parte de um segmento, cuja inserção, requer um comportamento solícito, mas que tal solicitude vem acompanhada da necessidade em lhe pedir um voto, imediatamente torcemos o nariz e, ao dar-lhe às costas, vem a conhecida expressão nos lábios: “Eu detesto política e os políticos”!
Pois bem, vamos combinar então: Não gostamos de política e não queremos mais votar. Ok! Agora vamos ao nosso novíssimo dilema. O que colocaremos no lugar da política? Quais os critérios que utilizaremos para escolher quem nos governará? Primeira sugestão: Que tal escolhermos um empresário de sucesso, cujos lucros de sua empresa, superam em muito todos os outros? Me parece alguém capacitado para nos governar, não é mesmo?! Vejamos... e quanto a sua parcialidade ao tomar uma decisão que irá afetar os seus colegas empresários? Será que ele conseguirá decidir com a imparcialidade necessária numa decisão que implicará, por exemplo, nos direitos dos empregados do setor privado brasileiro? É. Acho melhor escolhermos outro governante não é mesmo!
Segunda sugestão: Que tal um padre, ou até mesmo, um pastor? Sim. O país tem maioria católica, e os evangélicos tem altas taxas de crescimento no Brasil e muitas pessoas tem admiração por alguns desses sacerdotes que são responsáveis por mudanças importantes nas comunidades às quais estão inseridos, etc... mas, há um problema: Como o padre, ou o pastor, poderá decidir diante de interesses que não contemplam aqueles que acreditam em outras teses espirituais? Transformaremos o Brasil numa Faixa de Gaza? Não! Definitivamente, não!
Terceira sugestão: Quem sabe se colocássemos um general do Exército para comandar o país? Será que estaria resolvida a celeuma? Partindo do princípio de que já vivemos esta experiência e o resultado foi tortura e morte, e muitos corpos inclusive, sequer foram encontrados até o dia de hoje... acho que não, um general... não seria uma boa idéia. Mas, quem nos governaria, uma vez que não queremos mais a política? Não lhes parece que o caos estaria estabelecido de fato? “Cada um para si e Deus para todos”, para utilizar uma expressão comum em Conceição da Barra-ES, quando não se consegue chegar a um denominador comum e todos se separam para tentarem vencer sozinhos.
Voltando ao início do tema que me inspirou escrever o presente artigo, insisto em dizer que a fanfarrice verificada, sobretudo nos momentos eleitorais, é estimulada pela certeza de que a política não interessa para nós e que o mais importante é que a pessoa que escolhemos para votar, seja o popular “gente boa” e que, por esta razão, entendendo que “todos são iguais” (e não são!) vota-se na “miss simpatia” ou no “mister universo” do pedaço, para que ela (ou ele) assuma o comando de um barco chamado País (estado ou município) e ficarmos pedindo a Deus para que tudo que, no exercício do poder,ela ou ele resolva fazer, dê certo.
Não! Não é assim que deveríamos proceder. Política é coisa séria e o primeiro passo para nos manifestar, expressar o que sentimos enquanto cidadãos, é entender a política, participar de movimentos cujo objetivo seja o esclarecimento sobre os nossos deveres e direitos, nos quais estão inseridos à capacitação para sermos verdadeiros agentes da cidadania e conhecedores do papel que devemos exercer na sociedade. O fanfarrão, ao qual me refiro, não se combate com o nariz torcido e expressões de desdém tais como “não gosto de política e de políticos”. Este tipo de indivíduo, é combatido com o interesse pela informação de qualidade e fontes variadas para que não sejamos iludidos e levados a avaliar alguém, ou um partido, com base apenas num só ponto de vista.
Nem tudo o que brilha é ouro, portanto, se você quer escolher as pessoas que decidirão o seu destino, o seu bem estar e sobretudo, garantir seus direitos fundamentais através de um mandato, observem o seu passado, suas atitudes e postura diante de temas polêmicos. A incapacidade de se posicionar diante de um tema polêmico, pressupõe incapacidade de defender aquilo que acredita e um indivíduo incapaz de defender o que acredita, consequentemente não servirá para representar as pessoas que depositaram nele confiança, através do voto. E, só para lembrar: “Fanfarrões recusam-se a se posicionar diante de temas polêmicos e não conseguem dizer não, mesmo quando não há outra resposta para a questão proposta”.
sexta-feira, 6 de agosto de 2010
Questões angustiantes de Justiça
João Baptista Herkenhoff
Ministros dos altos tribunais, desembargadores federais ou estaduais, magistrados de cortes internacionais são, antes de tudo, juízes.
Há tanta grandeza na função, o ser humano é tão pequeno para ser juiz, é tão de empréstimo o eventual poder que alguém possui para julgar que me parecem desnecessários tantos vocábulos para denominar a mesma função.
Talvez fosse bom que os titulares de altos postos da Justiça nunca se esquecessem de que são juízes, cônscios da sacralidade da missão. O que os faz respeitáveis não são as reverências, excelências ou eminências, mas a retidão das decisões que profiram.
Já no início da carreira na magistratura, mostrei ter consciência de ser “de empréstimo” a função que me fora atribuída. Disse, num discurso, em São José do Calçado, uma das primeiras comarcas onde atuei:
O colono de pés descalços, a mãe com o filho no colo, o operário, o preso, os que sofrem, os que querem alívio para suas dores, os que têm fome e sede de Justiça – todos batem, com respeito sagrado, às portas do Fórum ou da residência do Juiz, confiando na sua ação, na sua autoridade, na sua ciência, na sua imparcialidade e firmeza moral. E deve o Juiz distribuir Justiça, bondade, orientação, confiança, fé, perdão, concórdia, amor.
Como pode o mortal, com todas as suas imperfeições, corporificar para tantos homens e mulheres a própria imagem eterna da Justiça, tornar-se aquele ente cujo nome de Batismo é colocado em segundo plano para ser, até mesmo para as crianças que gritam, carinhosamente, por sua pessoa, na rua o... Juiz?
Só em Deus se encontra a resposta porque, segundo a Escritura, Ele ordenou: “Estabelecerás juízes e magistrados de todas as tuas portas para que julguem o povo com retidão de justiça”.
Outra questão. Uma proposta de emenda constitucional pretende aumentar a idade da aposentadoria compulsória dos magistrados, de 70 para 75 anos. Os interessados na aprovação da matéria são, de maneira especial, aqueles que se encontram à beira da idade-limite.
O empenho de permanecer na função, no que se refere aos magistrados, é tão veemente que o humor brasileiro criou uma palavra para a saída não voluntária – expulsória. Diz-se então assim: “Fulano não vai pedir aposentadoria de jeito nenhum. Só saí na expulsória”.
Sou absolutamente contrário à pretendida alteração constitucional. O aumento da idade da aposentadoria compulsória retira oportunidades de trabalho para os jovens. Mais importante que manter os idosos, nos seus postos, é abrir horizontes para os novos.
Terceiro ponto. Sou a favor do voto aberto e motivado na promoção dos juízes. O voto secreto, por mera simpatia ou antipatia, ou por critérios ainda mais censuráveis, deslustra a Justiça. Quem vota deve sempre declarar pública e limpamente o seu voto. O processo de democratização do país, a que estamos assistindo, com o debate público de todas as questões, não pode encontrar no aparato judicial uma força dissonante.
Em 30 de agosto de 2005, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), acolhendo pedido formulado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), aprovou resolução no sentido de que a promoção dos magistrados, por merecimento, obedeça, nos tribunais, ao princípio do voto aberto e motivado.
Rebelamo-nos contra as promoções arbitrárias, imotivadas, dentro da magistratura, já em 1979, na tese de Docência Livre que defendemos publicamente na Universidade Federal do Espírito Santo. Dissemos então:
As promoções, no quadro, deveriam ser precedidas de concurso público de títulos e de provas. Desses concursos deveria participar, com peso ponderável, a OAB, pelas mesmas razões que justificam a presença da classe dos advogados no processo de recrutamento de juízes. Os concursos buscariam apurar a operosidade do juiz, sua residência na comarca, o cuidado de suas sentenças, sua dedicação aos estudos, seus escritos e publicações, cursos de aperfeiçoamento que tenha frequentado, seu comportamento moral, social e humano etc.
Última questão. Sou contra a realização de audiências criminais por vídeo-conferência. Não me parece de bom conselho que se privem os magistrados do contato direto com indiciados, acusados ou réus. Parece-me que a ausência desse contato desumaniza a Justiça. O acusado – seja culpado, seja inocente – não é objeto, é pessoa. Quantas vezes, na minha vida de juiz, a face do acusado revelou-me o imponderável, a lágrima que rolou espontânea indicou-me o caminho. Não se trata de desprezar os autos, mas de ir além dos autos. O acusado tem direito de ver o juiz, de falar, de expor, de reclamar, de pedir. Se será atendido nos seus pleitos é outra coisa. Mas cassar-lhe o direito de comunicação direta, afastando-o do magistrado através de uma máquina impessoal, parece-me brutal.
João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo e Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha. Autor de Escritos de um jurista marginal (Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
Ministros dos altos tribunais, desembargadores federais ou estaduais, magistrados de cortes internacionais são, antes de tudo, juízes.
Há tanta grandeza na função, o ser humano é tão pequeno para ser juiz, é tão de empréstimo o eventual poder que alguém possui para julgar que me parecem desnecessários tantos vocábulos para denominar a mesma função.
Talvez fosse bom que os titulares de altos postos da Justiça nunca se esquecessem de que são juízes, cônscios da sacralidade da missão. O que os faz respeitáveis não são as reverências, excelências ou eminências, mas a retidão das decisões que profiram.
Já no início da carreira na magistratura, mostrei ter consciência de ser “de empréstimo” a função que me fora atribuída. Disse, num discurso, em São José do Calçado, uma das primeiras comarcas onde atuei:
O colono de pés descalços, a mãe com o filho no colo, o operário, o preso, os que sofrem, os que querem alívio para suas dores, os que têm fome e sede de Justiça – todos batem, com respeito sagrado, às portas do Fórum ou da residência do Juiz, confiando na sua ação, na sua autoridade, na sua ciência, na sua imparcialidade e firmeza moral. E deve o Juiz distribuir Justiça, bondade, orientação, confiança, fé, perdão, concórdia, amor.
Como pode o mortal, com todas as suas imperfeições, corporificar para tantos homens e mulheres a própria imagem eterna da Justiça, tornar-se aquele ente cujo nome de Batismo é colocado em segundo plano para ser, até mesmo para as crianças que gritam, carinhosamente, por sua pessoa, na rua o... Juiz?
Só em Deus se encontra a resposta porque, segundo a Escritura, Ele ordenou: “Estabelecerás juízes e magistrados de todas as tuas portas para que julguem o povo com retidão de justiça”.
Outra questão. Uma proposta de emenda constitucional pretende aumentar a idade da aposentadoria compulsória dos magistrados, de 70 para 75 anos. Os interessados na aprovação da matéria são, de maneira especial, aqueles que se encontram à beira da idade-limite.
O empenho de permanecer na função, no que se refere aos magistrados, é tão veemente que o humor brasileiro criou uma palavra para a saída não voluntária – expulsória. Diz-se então assim: “Fulano não vai pedir aposentadoria de jeito nenhum. Só saí na expulsória”.
Sou absolutamente contrário à pretendida alteração constitucional. O aumento da idade da aposentadoria compulsória retira oportunidades de trabalho para os jovens. Mais importante que manter os idosos, nos seus postos, é abrir horizontes para os novos.
Terceiro ponto. Sou a favor do voto aberto e motivado na promoção dos juízes. O voto secreto, por mera simpatia ou antipatia, ou por critérios ainda mais censuráveis, deslustra a Justiça. Quem vota deve sempre declarar pública e limpamente o seu voto. O processo de democratização do país, a que estamos assistindo, com o debate público de todas as questões, não pode encontrar no aparato judicial uma força dissonante.
Em 30 de agosto de 2005, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), acolhendo pedido formulado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), aprovou resolução no sentido de que a promoção dos magistrados, por merecimento, obedeça, nos tribunais, ao princípio do voto aberto e motivado.
Rebelamo-nos contra as promoções arbitrárias, imotivadas, dentro da magistratura, já em 1979, na tese de Docência Livre que defendemos publicamente na Universidade Federal do Espírito Santo. Dissemos então:
As promoções, no quadro, deveriam ser precedidas de concurso público de títulos e de provas. Desses concursos deveria participar, com peso ponderável, a OAB, pelas mesmas razões que justificam a presença da classe dos advogados no processo de recrutamento de juízes. Os concursos buscariam apurar a operosidade do juiz, sua residência na comarca, o cuidado de suas sentenças, sua dedicação aos estudos, seus escritos e publicações, cursos de aperfeiçoamento que tenha frequentado, seu comportamento moral, social e humano etc.
Última questão. Sou contra a realização de audiências criminais por vídeo-conferência. Não me parece de bom conselho que se privem os magistrados do contato direto com indiciados, acusados ou réus. Parece-me que a ausência desse contato desumaniza a Justiça. O acusado – seja culpado, seja inocente – não é objeto, é pessoa. Quantas vezes, na minha vida de juiz, a face do acusado revelou-me o imponderável, a lágrima que rolou espontânea indicou-me o caminho. Não se trata de desprezar os autos, mas de ir além dos autos. O acusado tem direito de ver o juiz, de falar, de expor, de reclamar, de pedir. Se será atendido nos seus pleitos é outra coisa. Mas cassar-lhe o direito de comunicação direta, afastando-o do magistrado através de uma máquina impessoal, parece-me brutal.
João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo e Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha. Autor de Escritos de um jurista marginal (Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
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