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segunda-feira, 16 de abril de 2012

O legal e o justo

João Baptista Herkenhoff

Dia desses, caminhando pelo calçadão da Praia da Costa, como o faço habitualmente, encontrei-me com Lauro Francisco Nunes, Oficial de Justiça que trabalhou comigo, nos tempos em que fui Juiz de Direito em Vila Velha. Ao ensejo desse encontro fortuito, indaguei ao Lauro se ele se lembrava de um episódio no qual eu fui participante e ele, a personagem principal. Surpreso, ele quis saber que episódio foi este. Respondi: foi uma injustiça que você me impediu de praticar.

Ah, sim, ele atalhou, o senhor quer se referir àquele despejo de um casal de velhinhos. Eu me lembro muito bem. O senhor inclusive escreveu um artigo que saiu em A Gazeta, com uma charge do Amarildo.

Exatamente, Lauro. Convém recapitular o ocorrido, principalmente para conhecimento dos jovens que estão ingressando no Curso de Direito. O proprietário de um imóvel entrou com uma ação de despejo contra os inquilinos, que não pagavam aluguel. Sem saber quem era o ocupante do imóvel decretei o despejo porque me pareceu ser um desacato à Justiça não pagar aluguéis e nem ao menos justificar o motivo da falta de pagamento.

Felizmente o mandado para executar o despejo cai nas mãos do Lauro. Vendo que os inquilinos eram dois velhinhos, o marido com doença em estado terminal, falou a sensibilidade do Oficial de Justiça. Desconheceu a hierarquia e desobedeu a ordem do juiz.

Zeloso porém do seu ofício, Lauro comparece humildemente perante aquele que, na condição de Juiz de Direito, simbolizava a autoridade, e disse: Doutor João, eu não tive coragem de cumprir o mandado, embora saiba que meu dever é obedecer o que o Juiz manda e não discutir seus atos. Sem falar palavra, determinei que ele juntasse aos autos o mandado não cumprido, com a justificativa da desobediência. Quando os autos vieram conclusos, eu escrevi que quisera, como Juiz de Direito, ter sempre a meu lado um Oficial de Justiça como aquele, que me impedira de praticar uma brutalidade, a que fui levado por desconhecer a real situação no caso concreto. O advogado dos velhinhos nada alegou, certamente porque não encontrou na lei qualquer artigo ou parágrafo que dispensasse um inquilino, por mais grave que fosse o motivo, do dever de pagar aluguel.

João Baptista Herkenhoff é Supervisor Pedagógico e professor da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo e escritor.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Discriminação racial

João Baptista Herkenhoff

Em vinte de um de março celebramos o Dia Internacional para Eliminação da Discriminação Racial. A data foi instituída pela ONU, para expressar a repulsa universal ao massacre ocorrido em Joanesburgo, na África do Sul, em 21 de março de 1960. Vinte mil negros protestavam pacificamente contra a lei do passe, que restringia os locais onde podiam circular. O Exército atirou contra a multidão matando sessenta e nove pessoas e ferindo cento e oitenta e seis.

No Brasil, o racismo foi rechaçado de forma intransigente. Nossa Constituição repudia essa prática abjeta. Também não se tolera o racismo camuflado, aquele que existe na prática mas tem vergonha de apresentar-se com este nome.

A discriminação racial não humilha apenas aqueles que são discriminados. Todos somos vilipendiados, não importando nossa raça, quando alguém sofre discriminação.
Votada pelo Congresso foi promulgada pelo Presidente da República, em 13 de maio de 1997, a Lei n. 9.459. Definiu os “crimes de racismo” e estabeleceu penas para os mesmos.

Não bastava que a Constituição tivesse condenado o racismo, embora isso fosse importante. Para que houvesse processo e punição contra os autores de crimes de racismo era preciso uma lei que definisse tais crimes, em suas diversas modalidades, e que estabelecesse a respectiva pena para cada crime definido. Assim, por exemplo, injuriar alguém recorrendo a elementos referentes a raça, cor, etnia ou origem passou a ser crime mais grave que a injúria comum.

Outro avanço significativo foi a sanção e promulgação, pelo Presidente da República, do Estatuto da Igualdade Racial, em 20 de julho de 2010. O Estatuto prevê a criação de programas e medidas específicas para reduzir a desigualdade racial no país. Obriga as escolas a inserirem, no currículo, o ensino da história da África e da população negra no Brasil. O Estatuto definiu como crime a conduta de dificultar, por preconceito, a promoção funcional de pessoa negra no setor público ou privado. Para esse crime foi cominada pena de até cinco anos de reclusão.

Dois presidentes da República, de dois partidos competidores, promulgaram, num lapso de treze anos (1997 e 2010), duas leis que se completam e guardam absoluta sintonia.

Certos princípios suplantam os atores políticos que se encontravam em cena, quando o princípio foi consagrado. O eventual titular do Poder passa porque o Poder é, por natureza, passageiro. O princípio, a ideia, a causa permanece porque a História se constrói através das gerações.
João Baptista Herkenhoff é professor da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo e escritor. Acaba de publicar Curso de Direitos Humanos (Editora Santuário, Aparecida, SP). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Não apedrejem a moça nua

João Baptista Herkenhoff
A respeito de fato rumoroso, que aconteceu no Espírito Santo, faço uma reflexão que me parece pertinente em qualquer lugar e a qualquer tempo. Desejo partilhar com os leitores os pensamentos que me assaltaram e que ainda repercutem em minha consciência. A hipocrisia da sociedade é, às vezes, revoltante.

Não vejo nenhuma reação social à exibição de atrizes nuas, rodopiando sensualmente em canais abertos de televisão, em horários franqueados a todas as idades. Interesses comerciais altíssimos estão em jogo nesses casos. O lucro é franquia para qualquer comportamento, mesmo aqueles que agridem nossos filhos, nossas filhas, nossos netos, nossas netas.

Os artigos da Constituição Federal que determinam tenha a televisão finalidade educativa, com a criação de um Conselho Nacional de Comunicação Social, formado por representantes da sociedade civil, ainda dependem de efetivação honesta, não obstante a Constituição tenha ultrapassado vinte anos de vigência. A regulamentação séria e a execução independente desses artigos reduz o lucro e ai de quem queira mexer com o “deus lucro”.

Não se vê qualquer relação (ou se vê, mas se finge não ver) entre a cena da atriz nua que rodopia com luxúria diante de milhões de pessoas e a cena da pobre Leidiane, que também rodopia, igualmente nua, diante de um público de, quando muito, duas centenas de pessoas. O fato, que aconteceu em Vitória, teve repercussão nacional. Leidiane rodopiou para ganhar setecentos reais. Viúva, com três filhos, tendo ainda sob responsabilidade a Mãe, foi tentada pela promessa de recompensa. Quem são os responsáveis por esses bailes que propiciam clima para essas coisas? Quais os interesses econômicos que estão atrás de tudo? A sociedade está preocupada em exaltar valores positivos, em formar a juventude, em assegurar escola pública de ótima qualidade para todos? A sociedade está engajada no esforço de formar cidadãos e cidadãs que encontrem seu lugar no mundo? A sociedade está abrindo canais de esperança e de futuro para milhões de pessoas que suplicam por uma oportunidade de trabalho? Ou a sociedade só sabe levantar o braço pedindo que Madalena seja apedrejada? No dia mesmo em que estourou o caso pela imprensa, eu supliquei: Não apedrejem Leidiane.

Eu me solidarizo com essa moça e com sua família. Eu me solidarizo com a Mãe de Leidiane, que teve uma crise nervosa na Delegacia, vendo a filha ser fotografada e filmada. Não pode um gesto impensado destruir a vida de uma jovem, comprometendo inclusive o sossego de seus filhos, ainda pequenos. Temos de defender valores morais, sim. Temos de velar para que o sexo não seja banalizado. Mas temos de ter misericórdia também. A lei não existe para ser interpretada friamente. Em alguns momentos é preciso que o intérprete pouse sobre a lei um olhar de ternura.

João Baptista Herkenhoff, 75 anos, magistrado (aposentado), professor (em atividade) na Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo. Autor de: Curso de Direitos Humanos (Editora Santuário, Aparecida, 2011).

sábado, 10 de dezembro de 2011

Dez de Dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos

João Baptista Herkenhoff

A Carta das Nações Unidas, que criou a ONU, estabeleceu como um dos propósitos desse organismo internacional promover e estimular o respeito aos Direitos Humanos.
Em atendimento a esse objetivo, o Conselho Econômico e Social, órgão responsável por esta matéria no seio da ONU, criou a Comissão de Direitos Humanos.

A Comissão de Direitos Humanos, como sua primeira empreitada, discutiu e votou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, submetida depois à Assembléia Geral.A Assembléia Geral da ONU aprovou e proclamou solenemente a Declaração no dia 10 de dezembro de 1948. A cada passagem do 10 de Dezembro, em todo o mundo, a Declaração é celebrada ou, o que é ainda melhor, a Declaração é discutida.

A passagem do aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de uma forma ou de outra, tem provocado sempre um sadio debate mundial em torno da Declaração. No Brasil o clima de interesse pela questão dos Direitos Humanos tem crescido muito. Tanto a discussão teórica e geral, sempre importante, quanto a discussão concreta, dirigida à realidade de Estados, Municípios, regiões.

As Comissões de Direitos Humanos e órgãos similares multiplicam-se por todo o território nacional: comissões ligadas às OABs, às Igrejas, a Assembléias Legislativas, a Câmaras Municipais, Comissões de origem popular que testemunham o grito da sociedade no sentido da construção de um Brasil mais justo e digno para todos. Em muitos Estados da Federação (São Paulo, Pernambuco, Espírito Santo e outros), a partir das Comissões “Justiça e Paz”, que surgiram em plena ditadura militar, por inspiração da Igreja Católica (mas numa abertura ecumênica), quantos frutos e sementes advieram.

O trabalho da ONU, em favor dos Direitos Humanos, não tem sido realizado pelo Conselho de Segurança, um esdrúxulo organismo no qual as nações poderosas têm “poder de veto”, em radical oposição ao princípio da igualdade jurídica das Nações. A igualdade jurídica das nações, postulado da mais profunda radicação ética, foi defendida por Rui Barbosa, na Conferência de Haia, em 1907.

A luta da ONU pelos Direitos Humanos deve ser creditada a suas agências especializadas e à Assembléia Geral, um organismo democrático onde se assentam, com igualdade, todas as nações.
Temos muitas reservas a recentes decisões da ONU, autorizando e decretando intervenções militares em diversos países.

Não obscurecemos as falhas e impropriedades que marcam certas posições adotadas por esse organismo internacional, ao aprovar a geografia do poder presentemente reinante e o instrumento bélico de sua imposição a todos os povos do mundo. Essa política injusta, sob a chancela da ONU, tem sido adotada por pressão das potências que detêm a hegemonia econômica, política e militar no mundo de hoje, mas não tem respaldo na opinião pública mundial. Muitas críticas têm sido feitas à face militarista de uma organização que nasceu sob o signo da Paz.

Se a voz da ONU não tem efetividade, em muitas situações, porque nações poderosas recusam obediência a suas determinações, a força moral de suas deliberações pacifistas é muito grande.
Exaltamos os esforços da ONU, em prol dos Direitos Humanos, no decorrer de sua existência.

João Baptista Herkenhoff, 75 anos, magistrado (aposentado), professor (em atividade) na Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo, palestrante Brasil afora, escritor. Autor do livro Direitos Humanos – uma idéia, muitas vozes (Aparecida, SP, Editora Santuário). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

domingo, 20 de novembro de 2011

Luta nacional e universal contra a tortura

João Baptista Herkenhoff

Não por coincidência, mas por fidelidade doutrinária, a proscrição da tortura e o reconhecimento de todo ser humano como pessoa aparecem lado a lado na Declaração Universal dos Direitos Humanos: artigos 5 e 6.

O momento é apropriado para tratar deste assunto, tendo em vista a sanção, pela Presidente Dilma Rousseff, da lei que criou a Comissão da Verdade. As Cartas de Direitos posteriores à Declaração Universal dos Direitos Humanos, como a Carta Africana, a Carta Islâmica e a Carta Americana de Direitos e Deveres do Homem referendaram as ideias acolhidas pelos artigos 5 e 6 da primeira.

A Declaração Universal dos Direitos dos Povos e a Carta de Direitos proclamada pelos Povos Indígenas do Mundo não se referem, expressamente, a direitos individuais específicos. Entretanto, implicitamente, esses documentos abrigam, na dimensão cósmica de seus postulados, todos os Direitos Humanos particularizados na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Todas essas Cartas, na sua essência e no seu espírito, recusaram a prática da tortura, bem como o tratamento degradante ou o castigo cruel que se imponha às pessoas. Da mesma forma, foi sufragado pelas diversas Cartas o princípio de que todo ser humano tem o direito ao reconhecimento de sua condição de pessoa. Não bastam as declarações solenes expressas em Cartas de Direitos. Trava-se nos dias de hoje uma luta universal contra a prática da tortura que, lamentavelmente, não é uma violação da dignidade humana presente nas brumas do passado.

A "Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes" foi adotada e aberta a adesões, pela Assembleia Geral da ONU, em 10 de dezembro de 1984. Sua entrada em vigor ocorreu em 26 de junho de 1987. Essa Convenção definiu como tortura todo ato pelo qual funcionário ou pessoa no exercício de função pública infrinja a uma pessoa dores ou sofrimentos graves, com o fim de obter dessa pessoa ou, de terceiro, uma confissão, ou com o fim de castigar, intimidar ou coagir. Esses sofrimentos tanto podem ser físicos, quanto morais ou mentais. Também no seio da sociedade civil é ampla a luta contra a tortura.

Em 1974 foi criada na França a ACAT – Ação dos Cristãos pela Abolição da Tortura, que hoje funciona com vigor em nosso país. Esta associação reúne católicos, ortodoxos e protestantes. Em nome do Evangelho, seus filiados lutam pelos Direitos Humanos em geral, mas muito especialmente pela abolição da tortura, em todo o orbe terráqueo. Como a "Anistia Internacional", um dos grandes instrumentos de trabalho da ACAT é a correspondência internacional, utilizada para sensibilizar e pressionar governos refratários ao respeito dos Direitos Humanos.

A correspondência é também adotada como forma de levar solidariedade e calor humano a pessoas que se encontram em estado de solidão ou até de desespero. Nesta hipótese, em alguns casos, os militantes e as instituições que promovem esse trabalho têm de vencer barreiras terríveis para que as cartas cheguem aos destinatários. No Brasil, inúmeros grupos de Direitos Humanos têm tido extrema sensibilidade para com o problema da tortura.

A tortura política acabou no país, com a queda da ditadura instaurada em 1964. Mas a tortura contra o preso comum é prática diuturna nas delegacias, cadeias e prisões em geral. Centros de Defesa de Direitos Humanos, Comissões de Justiça e Paz, Conselhos Seccionais e Comissões de Direitos Humanos das OABs, Pastorais Carcerárias têm vigilado e denunciado com veemência a prática da tortura nos presídios. Dentre os grupos que lutam contra a tortura existe um que faz da abolição da tortura a sua razão de ser. É o grupo "Tortura Nunca Mais".

Apesar dos fatos dramáticos que a imprensa registra, relatando frequentemente casos de tortura, o crescimento da consciência da dignidade humana e da cidadania tem marcado o cotidiano da vida brasileira. É assim que vemos, com esperança, o eco, em nosso país, do grande grito de Justiça, Paz e Humanismo: "Tortura Nunca Mais".

João Baptista Herkenhoff, 75 anos, é membro emérito da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória. Acaba de publicar Curso de Direitos Humanos (Editora Santuário, Aparecida, SP). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage:www.jbherkenhoff.com.br

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Direitos Humanos: podem ser celebrados?

João Baptista Herkenhoff
Apesar de todas as negações de Humanismo, na sociedade brasileira e no mundo, podemos celebrar os Direitos Humanos?
Creio que sim.
Isto porque os Direitos Humanos constituem uma conquista na longa e muitas vezes penosa caminhada da Humanidade.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos é documento fundamental, como expressão desta caminhada. Mas não foi uma obra instantânea, nem foi produto de um círculo reduzido de pensadores europeus e norte-americanos. Filósofos, profetas, líderes religiosos, gente anônima do povo, de todos os Continentes, de épocas as mais recuadas contribuíram para a formação deste patrimônio da cultura humana, que a Declaração tentou corporificar.
Além disso, os Direitos Humanos não se estabilizaram na Declaração formulada em 1946. Acréscimos e enriquecimentos posteriores foram feitos.
Por outro lado, expressões anteriores de Humanismo não foram plenamente ouvidas pelo documento que a ONU aprovou.
De tudo isto se conclui que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é um texto da mais alta relevância. Entretanto, essa Proclamação não monopoliza os ideais de Direitos Humanos presentes na História e no grito de Justiça dos homens e mulheres, sobretudo daqueles que, por qualquer circunstância, se encontrem numa situação de opressão.
A ideia de Direitos Humanos é fundamental para a vida brasileira de hoje. Negações de humanismo estão presentes no nosso cotidiano: desde as grandes negações, como aquelas que marginalizam parcela ponderável do povo, até negações a varejo como, por exemplo, fazer olho cego à cena de uma pessoa atropelada numa estrada.
Entendemos que sejam princípios cardeais de Direitos Humanos aqueles estatuídos pela Declaração Universal aprovada pela ONU e aqueles que constam de proclamações complementares. Dentre estas devem ser citadas a Carta Universal dos Direitos dos Povos, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, a Carta Americana de Direitos e Deveres do Homem, a Declaração Islâmica Universal dos Direitos do Homem, a Declaração Solene dos Povos Indígenas do Mundo. Essa enumeração não exclui outros documentos que buscaram, nas mais diferentes situações e lugares, afirmar o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.
Se crianças que perambulam por nossas ruas, sem pão e sem teto, são assassinadas, essas mesmas crianças são capazes de lutar por sua própria Humanidade nesta bela afirmação de "Direitos Humanos" que é o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua.
Por isto creio que os Direitos Humanos devem ser celebrados, cotidianamente. Seja essa celebração o pão nosso de cada dia.
João Baptista Herkenhoff, 75 anos, magistrado (aposentado), professor (em atividade) na Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo, palestrante Brasil afora, escritor. Autor de: Dilemas de um juiz – a aventura obrigatória (Editora GZ, Rio). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Mais educação, menos presídios

Estou sempre utilizando os espaços que tenho para propor às pessoas reflexão acerca da nossa participação nos assuntos relacionados à política. Parafraseando um certo senador da República, sou adepto ao “samba de uma nota só”, e com isso acabo pagando um alto preço por esta insistência.

Mas não quero falar do preço que pago, porque sei que vale a pena. Quero tratar, especificamente, é da pouca ou nenhuma importância que dispensamos aos assuntos que nos levam a conclusões precipitadas ou até mesmo injustas em relação às decisões de governo, sejam os mesmos municipal, estadual ou federal.

Vou citar um exemplo desses equívocos que cometemos por não entender a dinâmica da participação política e que neste caso envolve os Direitos Humanos.

Recebo sistematicamente em minha caixa de e-mails, um texto no qual as pessoas, de modo geral, se queixam que o governo federal concede um auxílio-financeiro às famílias, cujos provedores (os pais das crianças) estejam presos. A revolta expressa nas palavras contidas no texto não deixa dúvidas de que se trata de algo “absurdo e inaceitável o governo sustentar bandido e sua família”, porém, a nossa Constituição Federal em seu 1º Artigo deixa claro quais são os fundamentos do estado democrático de direito e que contempla a “dignidade da pessoa humana”.

Aonde está esse “direito” quando um indivíduo cerceado do direito ao conhecimento, passa a infringir a Lei e agir de acordo com a suas próprias regras? Não seria o próprio estado o responsável pelo “marginal” que gerou na sociedade e portanto cabe a ele, o estado, prover sua família e evitar que os seus filhos sejam os futuros ocupantes da cela na qual o pai está encarcerado?

Precisamos rever nossos conceitos quando tiramos conclusões sobre questões como esta. É muito simples apontar culpados sem nos preocupar com a origem do problema. Estamos na eminência de nos tornar um dos países mais importantes do Mundo (se é que já não somos) e a preservação dos direitos humanos é uma das principais características de uma Nação que quer ter o título de desenvolvida.

Não parece justo o estado pagar o sustento das famílias dos presidiários, mas a nossa ignorância e o pensamento egoísta ao enxergar o problema por um só ângulo, legitima essa ação do estado, pois enquanto não tivermos o altruísmo como mola propulsora do nosso caráter, o estado terá sempre que fazer este papel sob pena de a tragédia social ser ainda maior do que já é hoje.

Quantas vezes agimos desleixadamente ao escolher os nossos representantes, ao votar em qualquer um ou votar em alguém usando critérios sem nenhum cabimento? Atitude como esta é que fazem brotar na sociedade o marginal que vai ser beneficiado com o dinheiro público. Não somos pessoas más, apenas temos um conceito de justiça que não leva em conta o quanto somos responsáveis pelas mazelas existentes na sociedade. A cada vez que ouço alguém dizer que detesta política e por isso não participa dela, vejo aumentar o número de pessoas que jamais se interessarão sobre os motivos que levam as pessoas a estarem encarceradas e o estado, ou melhor, o povo, sustentando suas respectivas famílias.

Quer que o governo não pague o sustento das famílias dos presos? Assuma o seu papel de cidadão e participe dos debates políticos, desta forma, você estará contribuindo para que as decisões de governo contemplem investimento em EDUCAÇÃO , ao invés de construção de PRESÍDIOS.

domingo, 28 de agosto de 2011

Imprensa interiorana e outros temas


João Baptista Herkenhoff
Sob o impacto de duas mortes e a celebração de duas alegrias irrompeu este escrito na sua primeira versão.
Agora, ao me debruçar sobre essa versão, à primeira vista transitória, percebo que há um quê de permanente nela, pelas seguintes razões:

a) defendo que foi uma ótima ideia permitir o desconto, no imposto de renda, de salários pagos a empregados domésticos;
b) sugiro que um pesquisador no futuro resgate a história da imprensa interiorana;
c) apoio o reconhecimento do direito de voto para os presos;
d) exalto pessoas que merecem ser exaltadas.

Vejamos a explicitação de tudo isto na nova versão do texto original.

Alegrias e tristezas fazem mesmo o fluxo da vida. Não se pode fugir dessa contradição. Esses sentimentos díspares frequentam nossa alma.
Encheu-me de alegria saber que uma ideia que defendemos em “A Gazeta”, de Vitória (18/10/2002), estava para ser transformada em lei, o que realmente veio a ocorrer. Trata-se de possibilitar ao contribuinte do imposto de renda o direito de deduzir, na declaração, os salários pagos a empregados domésticos. A cláusula tem a finalidade de incentivar a contratação de trabalhadores domésticos com carteira assinada.

Segundo declarou o secretário da Receita Federal, naquela oportunidade, essa dedução seria uma afronta à Matemática.
Ao ler esse pronunciamento, escrevi textualmente: desde quando devemos ser governados pela Matemática?
Certamente foi por razões idênticas, de zelo pela Matemática, que governantes pretéritos aboliram a possibilidade de deduzir no imposto de renda o que se gasta comprando livros.
Salvou-se a Matemática, prejudicou-se a Cultura.
Feriu-me de grande tristeza a notícia do falecimento do Jornalista Joel Pinto, em Cachoeiro de Itapemirim. Joel Pinto foi um símbolo da imprensa em minha terra natal. Desde a juventude, fez-se jornalista profissional, o que é uma façanha numa cidade do interior. Quanta persistência e criatividade essa opção de vida exigiu! A paixão de Joel era pelo jornal, o texto escrito, o cheiro de tinta. Interessou-se pouco pelo rádio e não se aproximou da televisão. Além dos jornais que criou, sempre apoiou os jornais que surgiam por iniciativa de outros. Algum dia um pesquisador cuidadoso haverá de resgatar a saga gloriosa percorrida pela imprensa no interior do Brasil.

No entrelace da tristeza, uma outra alegria veio, por motivo de natureza semelhante ao da primeira alegria relatada: o reconhecimento do direito de voto em favor do preso.
Escrevemos no Jornal do Brasil, em dez de abril de 1998: “Já é pena mais que gravosa retirar de alguém a liberdade de ir e vir através do encarceramento. A supressão dos direitos políticos, excluindo da cidadania o indivíduo preso, marginaliza ainda mais o condenado, dificultando sua ressocialização.”
Por duas vezes, batemos às portas do Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo, em nome da Pastoral Carcerária, pleiteando o “direito de voto” para os presos, através de habeas-corpus. Uma vez, antes da Constituição de 1988, com base simplesmente na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Outra vez, após a promulgação da Constituição. Infelizmente, nem antes, nem depois, a Justiça acudiu nosso apelo.

E finalmente mais uma tristeza, mais uma perda, também em Cachoeiro. Faleceu José Soares, serventuário da Justiça, uma pessoa permanentemente disponível para o serviço ao próximo e para colaborar com todas as iniciativas de interesse coletivo. Começou a vida modestamente, foi funcionário de portaria da Escola de Comércio local. Sempre se orgulhou de sua origem humilde. Cidadãos como José Soares existem pelo Brasil afora mas nem sempre são valorizados e reconhecidos. Exalta-se a fama, como se a fama, por si só, fosse uma virtude. Não se cogita de saber por quais caminhos a fama foi alcançada. Obscurece-se o verdadeiro mérito, que é a dignidade, a honestidade, o trabalho, a capacidade de servir ao próximo sem propaganda e ostentação. José Soares foi um homem exemplar, padrão de Cidadania.
João Baptista Herkenhoff, 75 anos, magistrado (aposentado), professor (em atividade) na Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo, membro da Academia Espírito-Santense de Letras e da União Brasileira de Escritores. Autor de: Dilemas de um juiz, a aventura obrigatória (GZ Editora, 2009) e Filosofia do Direito (GZ, 2010).

sábado, 30 de julho de 2011

Lei Maria da Penha, MST, Pastoral Carcerária


João Baptista Herkenhoff

O artigo de hoje é destinado a três aplausos que, em síntese, homenageiam a dignidade da pessoa humana.

A Lei Maria da Penha criou uma série de mecanismos com o objetivo de coibir a violência doméstica contra a mulher. Dentre esses mecanismos avultam as chamadas medidas protetivas.
No elenco das medidas de proteção encontram-se tutelas que não são de nossa tradição jurídica como:

a) a proibição de o agressor aproximar-se da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixado o limite mínimo de distância entre aquele e estes;
b) a proibição de contato do agressor com a ofendida, seus familiares e testemunhas, por qualquer meio de comunicação;
c) a proibição imposta ao agressor quanto à frequência a determinados lugares, com a finalidade de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
d) a restrição ou suspensão de visitas do agressor aos dependentes menores, procedimento judicial que deve ser precedido de consulta à equipe de atendimento multidisciplinar, aos psicólogos principalmente.

As medidas protetivas citadas situam-se no campo do processo cautelar. Visam à garantia do bem da vida e da integridade físico-psíquica da pessoa humana.

Aplaudo a Lei Maria da Penha e suas admiráveis inovações.

É o primeiro aplauso deste artigo.
A transigência, o diálogo, o confronto democrático de posições pode conduzir ao encaminhamento de soluções adequadas nos mais diversos campos da convivência humana.

No Brasil, há problemas seculares que não afinam com o sentido de “modernidade”. Uma dessas questões postergadas é justamente a “questão da terra”.
O tema só volta à ordem do dia quando os ânimos se exaltam em face do problema agrário. Esse silêncio é lamentável. O assunto deveria integrar permanentemente a pauta de prioridades nacionais.
Tenho olhos de imensa simpatia para com o MST. A meu sentir é o mais importante movimento social do Brasil contemporâneo.

Aplaudo o MST.

Vamos ao terceiro aplauso de hoje. Tem como endereço a Pastoral Carcerária.

É admirável o trabalho que essa Pastoral realiza há decênios. No Brasil, no Espírito Santo.
Não é uma Pastoral católica, embora tenha nascido dentro da Igreja Católica. É uma Pastoral ecumênica. Convoca a dedicação de católicos, protestantes, espíritas, seguidores de diferentes troncos religiosos, que não apenas o tronco cristão. E ainda convida para a semeadura homens e mulheres de boa vontade que se dedicam ao próximo, mesmo sem definir-se por um credo específico.
A solidariedade para com o preso tem seu fundamento no Evangelho de Jesus Cristo: ”Estive preso e me visitaste”. (Mateus, capítulo 25, versículo 36).

Os militantes da Pastoral Carcerária visitam os presos, testemunham seu sofrimento, solidarizam-se com suas angústias. Constatando a situação macabra que têm diante dos olhos, quando adentram os recintos penais, agem para minorar a dimensão do problema e também denunciam e protestam, quando a fidelidade à causa exigem a denúncia e a indignação.
Aplauso a Pastoral Carcerária.

João Baptista Herkenhoff é professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Autor de Mulheres no banco dos réus – o universo feminino sob o olhar de um juiz (Forense, 2008),Dilemas de um juiz, a aventura obrigatória (GZ, 2009) e Filosofia do Direito (GZ, 2010). Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

segunda-feira, 25 de julho de 2011

O dever de depor na idade provecta


João Baptista Herkenhoff

A idade provecta impõe-me o dever de depor.
Presto este depoimento com simplicidade. Penso nos jovens que são os sucessores das gerações que partem. Precisam esses jovens de estímulo, para escolher caminhos que contrastam com o modelo social dominante, que dá mais relevância ao ter do que ao ser.

Fui Juiz de Direito no Estado do Espírito Santo.
Já no início da carreira, rebelamo-nos contra determinação legal que estabelecia fossem os presos mandados para o Instituto de Reabilitação Social em Vitória. Sempre nos pareceu que este procedimento constituía uma violência porque estabelecia o rompimento dos laços familiares do preso. Na Comarca do interior, o preso podia ter contato com sua família.

A reverência à dignidade da pessoa humana impedia tratar o preso como se fosse fera.
Na mesma linha, concedemos direito de trabalho externo ao preso.
A experiência de maior eficácia ocorreu em São José do Calçado, no sul do Espírito Santo, onde a orientação preconizada obteve amplo apoio da comunidade.

Em quatro anos e meio de judicatura na comarca, a reincidência criminal foi de zero por cento. Estribamos nossa conduta na Declaração Universal dos Direitos Humanos que manda preservar, como bem jurídico primário, a dignidade da pessoa humana.

Integramos a Comissão de Justiça e Paz, da Arquidiocese de Vitória, durante o período da ditadura militar, e exercemos sua presidência, contra determinação legal expressa. A lei, em que pretenderam nos enquadrar, nos pareceu inconstitucional e contrária à Declaração Universal dos Direitos Humanos. Eu integrava essa Comissão, por um imperativo de consciência, e aleguei perante o Tribunal, a que estava subordinado, que a consciência é inviolável.

Acima de ser um juiz, eu era um cidadão e uma pessoa humana. Minha defesa foi acolhida e fiquei livre de punição graças à posição assumida pelo Desembargador Homero Mafra, hoje falecido, mas nunca esquecido.

Lutei, irmanado a Ewerton Montenegro Guimarães, hoje falecido, e a inúmeros concidadãos, pela “anistia ampla, geral e irrestrita” em favor dos brasileiros que foram proscritos pelo golpe de 1º de abril de 1964. Integramos oficialmente o Comitê Brasileiro pela Anistia e discursamos em praça pública e em recintos fechados, em favor da anistia. Entenderam alguns superiores hierárquicos que esse posicionamento era “político”, defeso ao magistrado.

Esclareci que a anistia não era um tema político-partidário. Se assim fosse, estaria proibido ao juiz imiscuir-se nesse assunto. A “anistia” era uma questão de justiça, era a ponte de reencontro dos brasileiros, era o caminho para a redemocratização do Brasil. Do magistrado não se cassara a cidadania e, em nome da cidadania, eu invocava o direito de lutar pela anistia.

Através de um despacho, suspendi a execução de todos os mandados possessórios que implicassem o despejo coletivo de famílias, em Vila Velha, onde judiquei na Vara Cível. Fundamentei o provimento judicial no argumento de que o direito de morar, previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, precedia outros eventuais direitos abrigados pelo sistema legal, inclusive o direito de propriedade que, na verdade, não é direito de propriedade, mas direito à propriedade, ou seja, todos têm o direito de ser proprietários, pelo menos da própria casa.

A repetida invocação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, nas minhas sentenças, num momento em que o país estava sob a égide do AI-5, era por si só um ato de insubmissão ao arbítrio reinante, insubmissão que manifestamos sem alarde mas com firmeza.

Numa fase histórica em que se proclamava o Brasil Gigante, sem problemas, pus o dedo na ferida, denunciando numa portaria a dramaticidade de milhares de crianças fora da escola (São José do Calçado, 1969).

Determinei a matrícula compulsória das crianças. Pretendi exercer pressão menos sobre os pais, mais sobre o Poder Público, que deveria providenciar as vagas para as crianças que estavam sendo matriculadas por ordem do juiz. A portaria aumentou em 35% a matrícula escolar, na comarca, segundo dados da época.

Não guardo qualquer mágoa de episódios passados. Foram fruto de uma época, felizmente ultrapassada. O que pretendo testemunhar é que sempre vale a pena seguir a própria consciência, ser fiel aos nossos credos. Erros podemos praticar porque, como diz a sabedoria popular, errar é humano. Mas se erramos, com retidão de propósito, o erro será apenas fruto de nossa falibilidade e das contingências que marcam nosso destino.

João Baptista Herkenhoff, 75 anos, magistrado (aposentado), professor (em atividade) na Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha, ES, membro da União Brasileira de Escritores. Autor de Dilemas de um juiz (Editora GZ, 2009) eFilosofia do Direito (também GZ, 2010). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.brHomepage: www.jbherkenhoff.com.br

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Refúgio, ato humanitário

João Baptista Herkenhoff
Cesare Battisti, ex-integrante de grupos de extrema esquerda nos anos setenta, ficará no Brasil. O STF, por seis votos contra três, em decisão prolatada recente, concluiu que é legal o ato do ex-Presidente Lula negando a extradição pedida pelo governo da Itália.
O Supremo fixou ainda que, depois que a Justiça determina a extradição, a decisão de entregar, ou não, a pessoa sub judice ao Estado estrangeiro, cabe apenas ao Presidente da República. É o que, na linguagem do Direito, chama-se decisão discricionária. Um dos efeitos da decisão discricionária, como o Supremo Tribunal realçou, é que não pode ser revista pelo Poder Judiciário.
Quando eu era Juiz da ativa, estava submetido à obrigação funcional de cumprir os acórdãos das cortes superiores quando essas cortes cassavam minhas modestas sentenças. Podia discordar, mas não podia me rebelar.
Agora, aposentado, não tenho mais esse dever de ofício.
Frequentemente tenho apodado de injustos e não jurídicos alguns acórdãos de tribunais, inclusive do tribunal que, por ser o mais alto do país, é chamado de Excelso Pretório. O adjetivo parece-me exagerado porque somente Deus pode ser reconhecido como excelso.
No caso Battisti, entretanto, tiro o chapéu para o Supremo. Tiro o chapéu igualmente para o ex-Presidente Lula que, usando da discricionariedade que a Constituição lhe faculta, negou a extradição.
A meu ver, a matéria está sendo discutida com um passionalismo que impede compreender a dimensão ética e humana do refúgio.
A concessão do asilo político não é um acidente, um pormenor no conjunto das estipulações do ordenamento jurídico brasileiro. O asilo político é princípio que fundamenta as relações internacionais do Brasil.
Nossa Constituição deu plena guarida ao artigo catorze da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que cuida do asilo. Atendeu o clamor da sociedade, honrou o sangue e o sacrifício dos que se opuseram à ditadura instaurada no país em 1964 e aprofundada em 1968. Procurou fixar para o país rumos em direção à Justiça, à Solidariedade, ao Humanismo e à Paz.
Não obstante a regra constitucional, o Brasil tardou em criar mecanismos legais para a implementação do Estatuto do Refugiado em nosso país. O Estatuto é de 1951, mas somente em 1997 a Lei 9.474, sancionada pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso, cuidou de fornecer os instrumentos legais para que aquele documento tivesse vigência efetiva na ordem jurídica nacional.
O asilo não é uma questão apenas jurídica. É uma questão ética também. Por este motivo, as grandes religiões praticadas no mundo sustentam a “ideia de asilo”.
Chegamos a essa conclusão quando nos debruçamos diante dos grandes textos do Cristianismo, do Judaísmo, do Islamismo, do Budismo, do Taoísmo, do Confucionismo.
No Deuteronômio, livro sagrado para cristãos e judeus, afirma-se, expressamente, o direito de asilo.
O Alcorão determina o acolhimento, sem ressalvas, daquele que não está na sua Pátria.
Os horizontes de vida apontados pela ética budista, taoísta, confucionista consagram o asilo como decorrência dos seus postulados.
João Baptista Herkenhoff, magistrado aposentado, é professor da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha e escritor. Um dos fundadores e hoje membro emérito da Comissão de Justiça e Paz, da Arquidiocese de Vitória. E- mail: jbherkenhoff@uol.com.br