sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Ficha suja por engano

João Baptista Herkenhoff

Uma parcela expressiva do eleitorado decidiu não votar em ficha suja. Houve um trabalho de conscientização muito bem feito, pelas Igrejas, pelas organizações populares e por outras instâncias da sociedade civil para que o povo recuse mandato aos fichas sujas. Há um profundo sentimento de civismo na alma do povo brasileiro. Engana-se quem pensa que o povo não tem Civismo e Ética. O povo tem muita Ética, o povo tem abundante Civismo. O que falta ao povo é informação.

Alguns fichas sujas tiveram a candidatura vetada pela Justiça Eleitoral. Estão fora do páreo. Bom para o Brasil. Outros fichas sujas conseguiram driblar o cerco e estão por aí, candidatíssimos, pleiteando o voto popular.Agora cabe ao eleitorado fazer a peneira.

A consciência do eleitor é que vai definir o que é um ficha-suja. Ficha-suja é apenas aquele pretendente a mandato que foi barrado pela Justiça Eleitoral? Sabemos que o veto judicial só se efetiva depois de um longo caminho.

O pai de família daria procuração a um ficha-suja para cuidar dos bens que com muito esforço conseguiu amealhar para segurança da esposa e dos filhos? Para decidir sobre dar ou não dar procuração, nesta hipótese de zelo pelo patrimônio particular, o cidadão exige que o ficha-suja tenha sido condenado por um tribunal, depois de vários recursos? Ou condenado apenas pelo Juiz de Direito da comarca, como corrupto, já é ficha-suja e não merece procuração alguma? É correto que o cidadão negue procuração a um ficha-suja, quando se trata de zelo pelo patrimônio privado, e dê procuração ao ficha-suja para cuidar dos negócios do Estado e do país?

Votar é dar procuração. Ao votar o cidadão transfere a outrem o poder de decidir em seu nome.

Em 3 de outubro próximo, o povo votará em Presidente e Vice-Presidente, Governador e Vice-Governador, Senador. Para esses cargos o sistema é majoritário. No mesmo dia o povo votará também para Deputado Estadual e Deputado Federal, mas neste caso pelo sistema proporcional. Já mencionamos como isto funciona no nosso ultimo artigo, mas convém explicar melhor porque isto é relevante demais.

Vamos contar uma história para simplificar:

O nome do candidato e o nome do partido, nessa história, são fictícios.
Conheço desde criança o cidadão Antônio Feliciano Caçador. É um homem muito digno, honesto. Merece meu voto para Deputado Estadual. Antônio Feliciano Caçador é candidato pelo Partido Mundial da Paz. Ao votar no nobilíssimo Antônio Caçador estarei automaticamente dando legenda ao Partido Mundial da Paz. Então tenho de ver quais são os candidatos que acompanham o nosso Caçador. Se estiver mal acompanhado, se o Partido Mundial da Paz tiver acolhido ficha-suja, não poderei escolher Antônio Feliciano. Terei de encontrar um bom candidato de outro Partido, um partido que não tenha dado guarida a ficha-suja de qualquer espécie.

Com relação a partidos, não basta considerar a existência ou inexistência de fichas-sujas na lista de candidatos. Há um outro ângulo importante. É preciso que o eleitor verifique a linha ideológica que o partido segue. É um partido conservador ou um partido progressista? Se sou conservador, devo votar em partido conservador. Se sou progressista, devo votar em partido progressista.

Mas o que é um partido conservador ou um partido progressista? O nome do partido identifica sua linha ideológica? No exemplo fictício que apresentamos, o Partido Mundial da Paz é, necessariamente, um partido pacifista? De modo algum. Um partido pode ter esse nome apenas de fachada.

O programa adotado oficialmente pelo partido resolve minha dúvida? O programa diz que o partido é a favor de uma melhor distribuição de renda, a favor da reforma agrária, a favor de uma redução dos juros e a favor do controle da atividade bancária. Posso confiar que este é um partido progressista? Ainda não. O partido pode ser infiel a seu programa, também o programa pode ser apenas de fachada.

Então estou num mato sem cachorro? Não, não estou.

É possível verificar: qual tem sido a linha de ação dos principais líderes de um partido; como tem sido o comportamento das respectivas bancadas à face dos temas mais importantes da agenda política. Esses dados reais, e não de fachada, é que traçam o verdadeiro perfil de um partido.

É trabalhoso verificar tudo isso? Trabalhoso é, mas Democracia é assim mesmo, dá trabalho. Temos de construir a Democracia num esforço diuturno, seguros de que o esforço vale a pena.

João Baptista Herkenhoff é professor da Faculdade Estácio de Sá e Vila Velha e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

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