sexta-feira, 25 de março de 2011

Concursos públicos honestos

João Baptista Herkenhoff

A atual Constituição Federal estabelece que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei. (Artigo 37, inciso II). A norma imperativa do concurso público não é um preceito acidental ou fortuito, dentro da Constituição, mas expressa valores éticos e jurídicos que a república deve consagrar.

Se a Constituição preceitua o concurso público, para a entrada no serviço público, refere-se obviamente a concurso honesto. Concurso desonesto não é concurso, mas falsidade, engano, mentira, ludibrio, zombaria…O ingresso no serviço público pela porta do concurso honesto é extremamente benéfico para o conjunto da sociedade, como tentaremos provar neste artigo.

Em primeiro lugar, os concursos sérios podem selecionar os candidatos mais bem preparados. A escolha dos melhores pretendentes para as vagas em disputa permite que a administração recrute pessoas competentes que vão realizar seu trabalho com discernimento e capacidade, o que não acontece quando o critério do mérito é substituído pelo critério do favoritismo. Em segundo lugar, aqueles que são aprovados em concursos honestos não ficam devendo favor a ninguém. O preço desses favores, em muitas situações, é justamente descumprir os deveres inerentes ao cargo, servindo a interesses particulares escusos.

A terceira vantagem do concurso impoluto é o valor ético desta forma de recrutamento, já que traduz idéias fundamentais de justiça como igualdade de todos, sentido de cidadania, valor do estudo e do esforço, serviço público de qualidade como direito social.

A quarta vantagem dos concursos limpos é a contribuição que proporcionam para o avanço educacional do povo. Quem está convencido de que presta um concurso realizado dentro de padrões de seriedade estudará muito para esse concurso. O ato de prestar um concurso é sempre oportunidade de crescimento intelectual, aprimoramento espiritual, aprendizagem. Nenhum jovem perde seu tempo fazendo concursos quando estes estão isentos de burla.

A quinta vantagem dos concursos sem falcatruas é a lição que tais concursos ministram aos jovens, pois que instilam, na alma deles, a crença na retidão e desestimulam a opção pelo caminho da fraude como forma de vencer na vida.

A sexta vantagem dos concursos sem traficância é de natureza psicológica. Faz bem ao espírito buscar oportunidades pela rota do bem, e não pelos tranvios das maracutaias. Concursos sujos, com cartas marcadas, para proteger afilhados e parentes é deslavada forma de corrupção. Entretanto, com freqüencia, tem-se a falsa idéia de que isto é somente uma irregularidade porque corrupção é apenas tirar dinheiro dos cofres públicos, receber favores ou valores para trair deveres de ofício etc.

Eu diria que concursos ardilosos, infames, com cartas passadas debaixo da mesa prejudicam muito mais a coletividade do que eventuais investidas contra os cofres públicos. Os ataques ao erário podem ser estimados num valor financeiro determinado, ainda que esse valor seja às vezes muito alto. A entrada no serviço público pelos corredores do nepotismo traz maleficios muito superiores a qualquer cifra financeira, pois retira dos jovens, principalmente os desprotegidos, a esperança na conquista digna do futuro, introduz em cargos, mesmo vitalícios, pessoas despreparadas para o respectivo exercício e destroça a máquina pública.

Ainda que não tenhamos poder para corrigir todos os desmandos que ocorrem pelo Brasil afora, tenhamos pelo menos coragem para utilizar, com independência, a palavra, este dom que Deus deu aos homens e recusou aos animais, e com a palavra proclamar em alto e bom som, com todas as letras: concurso público desonesto é ato de indiscutível corrupção, quem promove concurso público desonesto é corrupto.

A palavra, por si só, não repõe a Ética no lugar que lhe cabe, mas é através da denúncia que se inicia o combate. Esse combate não tem possibilidade de êxito se for travado solitariamente. Demanda união, ações coletivas dos prejudicados com vistas a impugnar concursos maculados com o estigma do pistolão.

João Baptista Herkenhoff é professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES), palestrante Brasil afora e escritor. Autor do livro Mulheres no banco dos réus – o universo feminine sob o olhar de um juiz (Editora Forense, Rio).

E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

sexta-feira, 18 de março de 2011

Deputado que preside Comissão Anti-Drogas da ALES inicia por Conceição da Barra

O município de Conceição da Barra hoje, dia 18, viveu um dia atípico. Alunos e alunas do Ensino Fundamental da rede municipal, deixaram momentaneamente suas respectivas atividades para ouvir uma importante palestra proferida pelo ex-secretário de Segurança Pública do Estado do Espírito Santo e agora deputado estadual, Rodney Miranda. A temática era só uma: DROGAS, ou, como o próprio palestrante preferiu se referir, CRACK.

Uma excelente palestra, curta, didática e cheia de simbolismo uma vez que a platéia era composta por meninos e meninas de 12, 13 e 14 anos, considerado por todos os especialistas no assunto como o “público alvo” dos traficantes de drogas. Percebi a atenção dos alunos e o quanto que o tom nas palavras do deputado, que inclusive, é delegado da Polícia Federal (licenciado), foi importante para que o objetivo da mensagem fosse, efetivamente, compreendido por todos que ali estava: O CRACK MATA!

Exibindo matérias jornalísticas que demonstram o quanto o crack é problema de todos e não apenas de uma determinada parcela da sociedade, o deputado, que é presidente da Comissão Permanente Anti-Drogas da Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo (ALES) não escolheu Conceição da Barra como a primeira cidade a receber sua visita, (na qualidade de presidente da Comissão), por acaso. De fato, se analisarmos o nosso passado muito recente, diversos jovens vieram a óbito, assassinados, e todos, repito, todos, por envolvimento com o CRACK e isto não é novidade para ninguém aqui. Seja como traficante, ou, viciado, esses jovens eram de todas as classe sociais, embora, em nosso município, classe social não faça muita diferença, uma vez que a nossa incapacidade de gerar empregos, entre outros motivos, esteja dificultando sobremaneira a nossa ascenção social.

Lamentei a ausência de boa parte das lideranças no município durante a realização da palestra. Quando me refiro a lideranças, não falo apenas dos políticos, aliás, diga-se de passagem, não vi um vereador sequer no evento. Mas, falo especialmente da sociedade como um todo: Comerciantes, Presidentes de Sindicatos, Associações, Igrejas, enfim, a mesma sociedade que cotidianamente reclama e se diz “horrorizada” com as tragédias envolvendo esse maldito crack, e que não se fazem presentes em eventos como este que tem por finalidade única, a conscientização da família sobre o seu importante papel para evitar que as crianças e adolescentes de hoje, tornem-se o assassino ou a vítima de amanhã.

Este meu texto, ao mesmo tempo em que é uma homenagem aos que facilitaram a realização deste importante evento, destaco o prefeito municipal Jorge Donati, o Secretário de Segurança Pública, sargento Jalmas Greis e a Secretária de Educação e Vice-prefeita do município Adélia Marchiori, por entenderem e não terem medido esforços em reunir cerca de 600 adolescentes e pré-adolescentes barrenses, externando assim para a sociedade capixaba o quanto estamos preocupados com as mortes que vem ocorrendo no município, sobretudo de jovens, por conta de um mal que precisa ser combatido por todos, toda a sociedade, e não apenas por aqueles que foram eleitos.

Espero, sinceramente, que o pedido feito pelo deputado estadual e presidente da Comissão Permanente Anti-Drogas da ALES, Rodney Miranda, o de “replicar” ou seja, multiplicar a mensagem do combate ao CRACK, através da valorização do papel da família, da religião e do conhecimento, possa surtir os efeitos necessários e todos estejamos prontos para abrir mão da novela, do futebol e de todas as outras formas de lazer, em nome de reuniões de conscientização sobre este grave problema. Do contrário, será mais um evento que ganhará as páginas dos jornais e no dia seguinte servirão apenas para embrulhar peixe.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Quero colocar meu tijolo

João Baptista Herkenhoff

Cada pessoa é destinada a colocar um tijolo na construção do mundo. A vocação é essencial em qualquer atividade.

Etimologicamentre, vocação vem de chamar, invocar. Pelo caminho da Etimologia veremos na vocação um chamado. Pode parecer, à primeira vista, que determinadas profissões não exigem vocação, ou seja, podem ser desempenhadas por qualquer pessoa, indiferentemente. Não concordo que determinados ofícios sejam excluídos do rol dos que exigem vocação. Vou dar um exemplo muito simples, porém expressivo.

Observemos a conduta de coveiros no ato de sepultar seres humanos. Chama nossa atenção algumas vezes o ar circunspecto, de profunda interiorização espiritual, revelado na face daquele ser humano que coloca na sepultura o corpo de outro ser humano. Coveiros que testemunham no semblante a importância do que fazem, que emprestam ritual na maneira como realizam sua tarefa têm vocação para o ato de conduzir alguém a sua última morada. É relevante o trabalho dos coveiros.

Imaginemos o transtorno social que uma greve de coveiros causaria. Aliás, uma suposta greve de coveiros foi o tema de um conto premiado do escritor paulista Hildebrando Pafundi. Nesse conto, a greve não ocorreu porque o fim do movimento foi decretado antes de sua deflagração, justo na véspera do dia em que, na pequena cidade onde transcorre o enredo, faleceram cinco pessoas. Como muito bem colocou Ingrid Dalila Engel,

Quando o nosso projeto de vida é traçado, um dos pontos mais significativos é a escolha da área profissional.”

As dificuldades enfrentadas pelos jovens na escolha de uma profissão decorrem, em grande parte, das incertezas do próprio mundo contemporâneo.Como bem colocou Sílvia Regina Rocha Brandão:

A sociedade contemporânea revela muita insegurança e incerteza quanto a valores: não há pontos de referência estáveis. Isto torna muito difícil para o homem atual identificar o que vale a pena.”

Assentado que toda profissão requer vocação, o que é a vocação na magistratura? A vocação na magistratura é alimentada por uma paixão. Ser juiz não é realizar um trabalho burocrático que se resumiria em comparecer ao forum, cumprir um expediente, realizar audiências, voltar para casa levando quase todo dia processos para decidir e, no fim do mês, receber um salário razoável, ou até mesmo um salário que pode ser considerado bom, principalmente em cotejo com os rendimentos da maioria das pessoas, mesmo aquelas portadoras de curso superior. Ser juiz é muito mais que isto. Vejo o juiz como alguém cujo papel é estar a serviço. Que não ocupe apenas um cargo, mas desempenhe uma missão. Sem prerrogativas e vantagens pessoais.

Boas leis são importantes para que o país progrida e o povo seja feliz. A lei como instrumento de limitação do poder é um avanço da cultura humana. Mas da nada valem boas leis nas mãos de maus juízes. A tábua de valores de uma sociedade não está apenas na lei. Está bem mais que isso na substância moral dos aplicadores da lei. Como ponderou Lucas Naif Caluri:

Vários são os requisitos éticos exigidos dos magistrados, dentre os quais podemos citar: a imparcialidade, a probidade, a isenção, a independência, a vocação, a responsabilidade, a moderação, a coragem, a humildade, dentre outros.

Há um elenco de profissões nas quais prepondera o humanismo como horizonte inspirador. Se em todas as profissões deve haver traço humano, em algumas profissões o traço humano deve ser a estrela-guia. Incluo a Magistratura, ao lado da Medicina, como tarefa na qual o Humanismo é condição sine qua non do exercício profissional. Se o Humanismo deve ser o norte a guiar o magistrado, o princípio da dignidade humana deve ser a referência fundamental a orientar os julgamentos. Não há Direito, mas negação do Direito, fora do reconhecimento universal e sem restrições do princípio da dignidade da pessoa humana. Somente a Constituição Federal de 1988 abrigou expressamente, no seu texto, o princípio da dignidade da pessoa humana (inciso 3 do artigo primeiro). Mas ainda que a Constituição não explicitasse esse princípio, ele teria de ser afirmado, especialmente pelos juízes, porque o princípio da dignidade da pessoa humana está acima da Constituição e das leis. Integra aquele elenco de valores que a doutrina chama de metajurídicos.

Acho que o zelo pela dignidade humana é a tarefa que melhor singulariza a vocação do magistrado. Recuso a fria denominação de partes para denominar as pessoas que buscam a prestação jurisdicional. Aqueles que comparecem em Juízo pedindo Justiça não são partes, são pessoas, e como pessoas devem ser compreendidas e ouvidas.

João Baptista Herkenhoff é professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES), palestrante Brasil afora. Autor do livro Filosofia do Direito (Editora GZ, Rio, 2010).

E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

quarta-feira, 16 de março de 2011

A carta do Zé Agricultor

O texto que segue abaixo, tem pontos de convergência e de divergência, naquilo que compreendo o que seria o papel de cada um no meio em que vive, entretanto, entendi que deveria divulgá-lo para que passemos a observar a importância do bom senso em tudo o que fazemos. Afinal, o que é mais importante: A lei estritamente cumprida ou o problema, de fato, resolvido? - Carlos Quartezani


A carta a seguir - tão somente adaptada por Barbosa Melo - foi escrita por Luciano Pizzatto que é Engenheiro Florestal, especialista em Direito Sócio Ambiental , Empresário, Diretor de Parque Nacionais e Reservas do IBDF-IBAMA 88-89, detentor do Primeiro Prêmio Nacional de Ecologia.

Carta do Zé Agricultor Para Luis da Cidade.

Prezado Luis, Quanto Tempo.

Eu sou o Zé, teu colega de ginásio noturno, que chegava atrasado, porque o transporte escolar do sítio sempre atrasava, lembra né ? O Zé do sapato sujo ? Tinha professor e colega que nunca entenderam que eu tinha de andar a pé mais de meia légua para pegar o caminhão por isso o sapato sujava.

Se não lembrou ainda eu te ajudo. Lembra do Zé Cochilo? Hehehe, era eu. Quando eu descia do caminhão de volta para casa, já era onze e meia da noite, e com a caminhada até em casa, quando eu ia dormi já era mais de meia-noite. De madrugada o pai precisava de ajuda para tirar leite das vacas. Por isso eu só vivia com sono. Do Zé Cochilo você lembra né Luis ?

Pois é. Estou pensando em mudar para viver ai na cidade que nem vocês. Não que seja ruim o sítio, aqui é bom. Muito mato, passarinho, ar puro... Só que acho que estou estragando muito a tua vida e a de teus amigos ai da cidade. To vendo todo mundo falar que nós da agricultura familiar estamos destruindo o meio ambiente.

Veja só. O sítio de pai, que agora é meu (não te contei, ele morreu e tive que parar de estudar) fica só a uma hora de distância da cidade. Todos os matutos daqui já têm luz em casa, mas eu continuo sem ter porque não se pode fincar os postes por dentro uma tal de APPA que criaram aqui na vizinhança.

Minha água é de um poço que meu avô cavou há muitos anos, uma maravilha, mas um homem do Governo veio aqui e falou que tenho que fazer uma outorga da água e pagar uma taxa de uso, porque a água vai se acabar. Se ele falou deve ser verdade, né Luis ?

Para ajudar com as vacas de leite (o pai se foi, né .) contratei Juca, filho de um vizinho muito pobre aqui do lado. Carteira assinada, salário mínimo, tudo direitinho como o contador mandou. Ele morava aqui com nós num quarto dos fundos de casa. Comia com a gente, que nem da família. Mas vieram umas pessoas aqui, do sindicato e da Delegacia do Trabalho, elas falaram que se o Juca fosse tirar leite das vacas às 5 horas tinha que receber hora extra noturna, e que não podia trabalhar nem sábado nem domingo, mas as vacas daqui não sabem os dias da semana ai não param de fazer leite. Ô, bichos aí da cidade sabem se guiar pelo calendário ?

Essas pessoas ainda foram ver o quarto de Juca, e disseram que o beliche tava 2 cm menor do que devia. Nossa ! Eu não sei como encumpridar uma cama, só comprando outra né Luis ? O candeeiro eles disseram que não podia acender no quarto, que tem que ser luz elétrica, que eu tenho que ter um gerador para ter luz boa no quarto do Juca.

Disseram ainda que a comida que a gente fazia e comia juntos tinha que fazer parte do salário dele. Bom Luis, tive que pedir ao Juca para voltar pra casa, desempregado, mas muito bem protegido pelos sindicatos, pelo fiscais e pelas leis. Mas eu acho que não deu muito certo. Semana passada me disseram que ele foi preso na cidade porque botou um chocolate no bolso no supermercado. Levaram ele para delegacia, bateram nele e não apareceu nem sindicato nem fiscal do trabalho para acudi-lo.

Depois que o Juca saiu eu e Marina (lembra dela, né ? casei) tiramos o leite às 5 e meia, ai eu levo o leite de carroça até a beira da estrada onde o carro da cooperativa pega todo dia, isso se não chover. Se chover, perco o leite e dou aos porcos, ou melhor, eu dava, hoje eu jogo fora.

Os porcos eu não tenho mais, pois veio outro homem e disse que a distância do chiqueiro para o riacho não podia ser só 20 metros . Disse que eu tinha que derrubar tudo e só fazer chiqueiro depois dos 30 metros de distância do rio, e ainda tinha que fazer umas coisas para proteger o rio, um tal de digestor.. Achei que ele tava certo e disse que ia fazer, mas só que eu sozinho ia demorar uns trinta dia para fazer, mesmo assim ele ainda me multou, e para poder pagar eu tive que vender os porcos as madeiras e as telhas do chiqueiro, fiquei só com as vacas. O promotor disse que desta vez, por esse crime, ele não vai mandar me prender, mas me obrigou a dar 6 cestas básicas para o orfanato da cidade. Ô Luis, aí quando vocês sujam o rio também pagam multa grande né ?

Agora pela água do meu poço eu até posso pagar, mas tô preocupado com a água do rio. Aqui agora o rio todo deve ser como o rio da capital, todo protegido, com mata ciliar dos dois lados. As vacas agora não podem chegar no rio para não sujar, nem fazer erosão. Tudo vai ficar limpinho como os rios ai da cidade. A pocilga já acabou, as vacas não podem chegar perto. Só que alguma coisa tá errada, quando vou na capital nem vejo mata ciliar, nem rio limpo. Só vejo água fedida e lixo boiando para todo lado.

Mas não é o povo da cidade que suja o rio, né Luis ? Quem será ? Aqui no mato agora quem sujar tem multa grande, e dá até prisão. Cortar árvore então, Nossa Senhora !. Tinha uma árvore grande ao lado de casa que murchou e tava morrendo, então resolvi derrubá-la para aproveitar a madeira antes dela cair por cima da casa.

Fui no escritório daqui pedir autorização, como não tinha ninguém, fui no Ibama da capital, preenchi uns papéis e voltei para esperar o fiscal vim fazer um laudo, para ver se depois podia autorizar. Passaram 8 meses e ninguém apareceu para fazer o tal laudo ai eu vi que o pau ia cair em cima da casa e derrubei. Pronto ! No outro dia chegou o fiscal e me multou. Já recebi uma intimação do

Promotor porque virei criminoso reincidente. Primeiro foi os porcos, e agora foi o pau. Acho que desta vez vou ficar preso.

Tô preocupado Luis, pois no rádio deu que a nova lei vai dá multa de 500 a 20 mil reais por hectare e por dia. Calculei que se eu for multado eu perco o sítio numa semana. Então é melhor vender, e ir morar onde todo mundo cuida da ecologia. Vou para a cidade, ai tem luz, carro, comida, rio limpo. Olha, não quero fazer nada errado, só falei dessas coisas porque tenho certeza que a lei é para todos.

Eu vou morar ai com vocês, Luis. Mais fique tranqüilo, vou usar o dinheiro da venda do sítio primeiro pra comprar essa tal de geladeira. Aqui no sitio eu tenho que pegar tudo na roça. Primeiro a gente planta, cultiva, limpa e só depois colhe para levar para casa. Ai é bom que vocês e só abrir a geladeira que tem tudo. Nem dá trabalho, nem planta, nem cuida de galinha, nem porco, nem vaca é só abri a geladeira que a comida tá lá, prontinha, fresquinha, sem precisá de nós, os criminosos aqui da roça.

Até mais Luis.

Ah, desculpe Luis, não pude mandar a carta com papel reciclado pois não existe por aqui, mas me aguarde até eu vender o sítio.


(Todos os fatos e situações de multas e exigências são baseados em dados verdadeiros. A sátira não visa atenuar responsabilidades, mas alertar o quanto o tratamento ambiental é desigual e discricionário entre o meio rural e o meio urbano.)

sábado, 12 de março de 2011

A aranha e as moscas mutiladas

Decidi usar este meu precioso espaço para fazer mais uma das minha reflexões sobre a política e a sua "delicada teia de aranha em que lutam inúmeras moscas mutiladas". Não citarei o autor desta frase porque, no momento, não me lembro seu nome, mas tenho plena certeza de que quando a escreveu, estava sentindo mais ou menos o que sinto agora.

Como combateremos o mal que vem destruindo paulatinamente a essência de tão maravilhosa invenção grega, a política, se não temos disposição para "remar contra a maré"? As mudanças necessárias estão todas a um palmo dos nossos narizes, mas aqueles que se julgam (e são mesmo, segundo a vontade popular) donos do poder, ao invés de vir a público para defendê-la, pagar para ver mesmo, apenas surgem com mais um discurso demagogo e que só serve para aumentar a nossa decepção diante de tanta falta de coragem, justificada muitas vezes pela lógica capitalista.

Será que não há mais espaço para sonhar na política? Não temos mais o direito de acreditar que através da política colaboraremos para um país e um mundo melhor? É possível que as pessoas que estão sempre defendendo o "modelo que aí está" também queira o melhor para a coletividade, entretanto, em sua expressiva maioria, preferem que a população continue acreditando que não há alternativas, a não ser as que aí estão e que por sinal, apresentam resultados, parcos, mas apresentam.

Temos o direito de participar, de escolher o modelo que achamos melhor para a nossa cidade, estado e país, entretanto, somos literalmente engodados pelos tais "resultados" como se não fosse possível algo melhor.

No caso do meu estado, o Espirito Santo, havia uma grande possibilidade de uma disputa super-saudável entre duas propostas de governo que com toda certeza, resultaria em debates edificantes para toda a sociedade. Porém, por conta de uma estratégia da qual tenho restrições, fomos levados a "escolher" a única alternativa possível, tendo em vista que as forças políticas que convenceram a massa de que não havia outra forma melhor de governar o estado, se uniram em uma só voz, e então homologamos uma candidatura (um ótimo candidato diga-se de passagem), mas que poderia ter feito muito mais para o estado, se tivesse escolhido ir para o confronto das ideias, ao invés de aceitar o jugo do modelo já implantado.

Francamente não sei se o que penso será considerado por alguém nas próximas eleições mas, no caso específico das eleições municipais, gostaria que tudo fosse diferente... que as pessoas procurassem entender as razões da política e compreendesse que o debate, a discussão de ideias, é o que verdadeiramente justifica uma democracia. Não podemos simplesmente aceitar uma determinada proposta sem que haja a possibilidade de conhecer a alternativa e discutí-la num nível elevado, sem as rugas das questões pessoais que estão sempre permeando a política em todos os níveis, sem exceção.

Assim como a moeda, a democracia pressupõe dois lados, quando isso não acontece, está estabelecida a ditadura e isto, quem viveu ou já leu a respeito, sabe que é a pior escolha para todos.

Tenho feito a minha parte. Com a ajuda do projeto da Fundação Ulysses Guimarães, entidade ligada ao PMDB, estou levando para as pessoas, através de cursos de formação política à distância (EAD) a possibilidade de fazer com elas compreendam o seu papel na sociedade e percebam se realmente querem ser comandadas, direcionadas como um tropeiro que conduz a manada, ou ser protagonista de um governo no qual a vontade popular, baseada sobretudo no conhecimento que ela absorveu, seja o norteador para as políticas públicas que serão implementadas pelo governo que o povo escolheu, conscientemente.

Faça você também a sua parte! Busque o conhecimento, contribua para que o seu voto nas eleições não seja apenas a homologação de uma situação criada de forma ditatorial e que só foi possível porque você não estava no contexto para opinar e dizer que tem uma alternativa melhor para o que foi apresentado. Não se preocupe se você será uma "mosca mutilada", pense que é melhor lutar para se livrar da teia do que ficar admirando a aranha prevalecer sobre as outras moscas.


sexta-feira, 11 de março de 2011

A lição das Cinzas

João Baptista Herkenhoff

Creio que a lição das Cinzas transpõe o horizonte católico e até mesmo o horizonte cristão. Há uma grande pedagogia na imposição das cinzas. As cinzas não nos lembram apenas que somos pó e em pó nos converteremos, segundo a frase latina de grande impacto: “Memento homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris.” A advertência das cinzas vai além, como tentaremos demonstrar neste artigo.

À face das cinzas, o Padre Antônio Vieira mostrou-se perplexo, num dos seus mais belos e famosos sermões, justamente aquele proferido na Quarta-Feira de Cinzas de 1670, na Igreja de Santo Antônio dos Portugueses, em Roma. Disse Vieira: “O pó futuro, o pó em que nos havemos de converter, vêem-no os olhos; o pó presente, o pó que somos, nem os olhos o vêem, nem o entendimento o alcança.”

A fim de provar que o pó presente é verdadeiro, não obstante de difícil apreensão, ou seja, que já somos pó, Vieira desenvolve rigorosa argumentação, vazada num estilo límpido e elegante. Não foi sem razão que Rui Barbosa deu três conselhos a todos aqueles que pretendam, não apenas aprender Português, mas descobrir as riquezas e maravilhas da Língua Portuguesa. Primeiro conselho: ler Vieira. Segundo conselho: reler Vieira. Terceiro conselho: ler mais uma Vieira.

Voltemos à questão que colocamos no primeiro parágrafo deste texto: por que a lição das cinzas ultrapassa o horizonte cristão? Creio que as cinzas não são apenas um ensino de Fé, mas também uma lição de vida, endereçada às mais diversas situações diante das quais nos defrontamos. As cinzas revelam a transitoriedade das coisas, motivo pelo qual as vaidades são ilusórias.

Lembra-te, jovem, de que és jovem hoje, mas não serás jovem sempre. Respeita o idoso, presta tributo à velhice. Lembra-te, tu que estás usufruindo de perfeita saúde, és sadio hoje mas poderás ser enfermo amanhã. Visita os que estão doentes, comprometa-te com a defesa da saúde pública exigindo dos governos que esse item tenha prioridade na agenda política. Lembra-te, tu que estás no apogeu da fama ou da riqueza, que o brilho de que desfrutas não é eterno. Procura ser humilde. Lembra-te, tu que exerces função pública de destaque e deténs uma cota de poder, tua função é transitória, os que hoje te bajulam amanhã te desprezarão, procura servir com devotamento à causa pública pois o que fizeres de bom será consolo e alimento de tua alma quando a penumbra chegar. Lembra-te, tu que estás a produzir tesouros no domínio das ciências, das artes ou das letras, os dotes do espírito podem fenecer e nem mesmo tens a garantia de desfrutar para sempre de lucidez intelectual. Foge do orgulho e da empáfia. Lembra-te, tu que estás vivo e fulgurante, que o túmulo é o teu destino final. Respeita a reverencia a morte, cultiva a memória dos que partiram.

As cinzas dizem a todos, cristãos ou não cristãos, crentes ou incrédulos, que tudo é passageiro porque realmente somos pó e em pó haveremos de nos tornar. Não é uma lição de pessimismo, um convite ao desânimo, mas uma advertência para coibir o egoísmo e apontar para a solidariedade, a simplicidade e a virtude.

João Baptista Herkenhoff é professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES), palestrante e escritor. Autor de Ética para um mundo melhor(Thex Editora, Rio). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage:www.jbherkenhoff.com.br

quarta-feira, 9 de março de 2011

Cidade, morada dos homens

João Baptista Herkenhoff

A cidade é a morada de grande parte dos seres humanos, neste início de novo milênio. Naqueles países onde as forças mais conservadoras tiveram poder para impedir a reforma agrária, o problema das cidades tornou-se ainda mais dramático. Mas a cidade não é uma entidade abstrata, fora do conflito de classes e alheia às injustiças estruturais que massacram grande parte da humanidade. Não existem grandes problemas na cidade para os que podem habitar uma residência condigna, locomover-se de carro ou em transporte coletivo de qualidade, ter acesso aos serviços essenciais – educação, saúde etc. O problema das cidades é o problema dos que são excluídos da cidade.

A cidade é a síntese das negações de humanismo que, escandalosamente, dão a tônica do nosso tempo. O advérbio “escandalosamente” não está neste texto por acaso. A situação de escândalo ocorre porque a humanidade alcançou padrões de tecnologia que poderiam assegurar a todos os seres humanos, sem exceção, o direito de reclinar a cabeça num leito, ao final de cada dia, habitando uma morada digna da grandeza infinita do homem. Quem está fora da cidade? Quem foi expulso dos espaços nobres ou de razoável conforto para as periferias longínquas? Quem convive com o lixo e vive do lixo? São pessoas sem nome e sem face, com direitos negados, marginalizadas, embora portadoras da mesma substância espiritual que nos irmana a todos.

Milhões de crianças estão abandonadas nos guetos das grandes cidades do mundo, especialmente no Hemisfério Sul. Essa anomalia acontece, não obstante afirme a “Declaração Universal dos Direitos da Criança” que a criança, por falta de maturidade física e mental, necessita de proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção da lei, tanto antes do nascimento, quanto depois, a fim de que possa desfrutar dos direitos inerentes ao ser humano e inerentes a ela, criança.

Qualquer estudo estatístico que se faça vai revelar presença maior de mulheres do que de homens, nas favelas. Uma simples visita a elas estampa, ao vivo, essa realidade. Isto porque, além de todas as desigualdades vigentes, pesa sobre a mulher discriminações específicas. No entanto, a Assembléia Geral das Nações Unidas, em declaração solene aprovada no dia 7 de novembro de 1967, afirma que a discriminação contra a mulher, a limitação de seus direitos, o não reconhecimento de sua igualdade com o homem, tudo isso é fundamentalmente injusto e constitui uma ofensa à dignidade humana. Também as discriminações raciais desenham o quadro geográfico de uma cidade. Exceções à parte, não se reserva aos brancos o pior espaço urbano. Não obstante a brutal realidade da exclusão pela raça, a Conferência Geral da UNESCO aprovou, em 27 de novembro de 1978, uma "Declaração sobre a raça e os preconceitos raciais". No seu primeiro artigo, essa Declaração diz que todos os seres humanos pertencem à mesma espécie e têm a mesma origem. Nascem iguais em dignidade e direitos e formam parte integrante da Humanidade. Todos os indivíduos e grupos, - prossegue a Declaração da UNESCO, - têm direito às suas diferenças. Mas o direito à diferença e à diversidade não pode, em caso algum, servir de pretexto a preconceitos raciais, nem pode legitimar qualquer prática discriminatória. Ainda são habitantes preferenciais dos lugares imprestáveis, no conjunto do espaço urbano, outras espécies de oprimidos e marginalizados:

a - o apátrida, o refugiado, o que vive em terra estranha, o migrante;

b - os portadores de retardamento mental;

c - os portadores de deficiências em geral.

O fenômeno da exclusão não é casual, nem resulta de uma suposta seleção que um caduco darwinismo social teima em sustentar ainda hoje. O fenômeno da exclusão resulta do aniquilamento do Direito, da negação da Justiça, da desumanização das condutas, do esmagamento da Ética.

João Baptista Herkenhoff, 74 anos, professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES), palestrante e escritor. Autor do livro Mulheres no banco dos réus – o universo feminino sob o olhar de um juiz (Editora Forense, Rio de Janeiro). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage:www.jbherkenhoff.com.br

segunda-feira, 7 de março de 2011

Cultivo das letras e cultura da paz

João Baptista Herkenhoff

A cultura da paz e da cidadania suplanta o acolhimento constitucional e legal dos valores “paz” e “cidadania”.

A paz e a cidadania, como valores, alimentam a Constituição brasileira de 1988, como também as Constituições dos países latino-americanos e de países do mundo.

A paz e a cidadania são valores presentes na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem.

A paz e a cidadania estão consagradas nos pactos internacionais firmados pelo Brasil e firmados também por vizinhos da América Latina.

Mas a cultura da paz e da cidadania suplanta a força dos pactos que sejam firmados pelas nações.

A cultura da paz e da cidadania é mesmo mais efetiva que os mecanismos de fiscalização e controle que sejam estabelecidos para fazer que vigore a paz e seja a cidadania respeitada.

Consagração constitucional e legal, celebração de pactos, instituição de mecanismos de controle – tudo isso é importante na defesa da paz e na luta pela cidadania.

Entretanto, a nosso ver, uma cultura da paz e da cidadania é decisiva para a vigência efetiva e plena desses valores, no mundo, na vida concreta dos povos. Ou dizendo de outra forma: Constituição, leis, pactos, mecanismos controladores exigem como pressuposto uma “cultura da paz e da cidadania”.

Essa cultura da paz e da cidadania planta-se na consciência dos seres humanos, resulta de uma busca da inteligência e da vontade.

Cultura da paz, devotamento à paz, absorção da idéia da necessidade da paz, disseminação do sentido de paz em todo o organismo social, em nível nacional e em nível internacional – este é o desafio que cabe enfrentar.

Como condição e conseqüência de uma “cultura da paz” cabe, igualmente, lutar pela instauração e solidificação de uma “cultura da cidadania”.

A meu ver, uma cultura da paz e da cidadania pede um imenso esforço de educação. Trata-se de uma empreitada específica, direcionada a um objetivo escolhido, ou seja “educar para a paz e a cidadania”, educar para o florescimento, a manutenção e a defesa da paz, educar para a conquista da cidadania e pelo zelo na preservação da cidadania. Ou de maneira ainda mais incisiva – o que se deve pretender é a educação para plasmar na alma das pessoas, dos grupos sociais, dos povos uma cultura da paz e da cidadania radicada no inconsciente coletivo.

Esse esforço educacional terá, necessariamente, diversas fronteiras de militância: na escola, na família, nas igrejas, nas organizações da sociedade civil, nos meios de comunicação social.

Creio que o cultivo das letras e o ambiente acadêmico possam contribuir para a construção da paz. Academia de letras é, na sua essência, espaço de acolhimento, boa vontade, diálogo, cooperação.

Esta é a razão pela qual suponho apropriado exaltar a Paz numa revista da Academia Cachoeirense de Letras.

P. S. Este texto, publicado originariamente na Revista da Academia Cachoeirense de Letras, pode ser livremente republicado ou reproduzido, em qualquer veículo e por qualquer meio. O autor ficará honrado se o artigo vier a ser abrigado por jornais ou revistas editados por academias de letras, em qualquer ponto do território nacional.

João Baptista Herkenhoff é professor da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES) e escritor.

E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

Cidadania: um olhar na direção do futuro

João Baptista Herkenhoff

A cidadania há de ser conquistada através da luta individual e através da luta coletiva.

Há situações concretas onde o cidadão tem de travar uma luta individual para conquistar seus direitos.

Esta luta individual, solitária, que o cotidiano da vida às vezes exige, é sempre dura e difícil.

A luta individual é mais penosa, mais longa, com possibilidade de êxito menor. Porém, se uma situação concreta reclama a luta individual, não devemos recuar diante dos obstáculos.

Podemos renunciar a um direito por generosidade, jamais por comodismo ou apatia. Dou o exemplo: posso rasgar um documento de crédito, de que sou titular, se o devedor encontra-se numa situação aflitiva, porque o homem não pode ser lobo de outro homem. Neste ponto discordamos, humildemente, de Rudolf von Ihering, jurista mundialmente conhecido, que, na sua obra clássica “A luta pelo Direito”, não admite a renúncia a direitos.

Sempre que for possível, devemos recorrer à luta coletiva.

Imaginemos uma situação na qual várias pessoas têm um mesmo interesse a defender perante a Justiça. Ora, será muito mais prático que se juntem para uma ação em comum do que cada um lutar separadamente.

Pela Constituição de 1988, os sindicatos, as entidades de classe, as associações, os partidos políticos podem ingressar coletivamente em Juízo em favor de centenas ou milhares de pessoas.

Para a luta coletiva, em seus diversos níveis, a sociedade tem de aprender a organizar-se. Os pleitos que se formulam de maneira atabalhoada não são vitoriosos. O planejamento, a discussão, a partilha dos problemas, a montagem de uma estratégia de luta – este me parece ser o caminho para o bom encaminhamento das causas que envolvem muitos.

Se a organização autônoma da sociedade é indispensável aos avanços sociais e às pugnas em prol da Cidadania, nem por isso o Poder Público está dispensado de fazer sua parte.

Numa sociedade democrática, os Poderes Públicos estimulam, encorajam e apoiam todo o esforço que se desenvolva no sentido da consolidação da Cidadania. Daí a importância da criação de Conselhos de Cidadania e Direitos Humanos, por iniciativa governamental, no âmbito federal, estadual ou municipal.

Também quando se trata de uma luta extrajudicial (isto é, uma luta fora da Justiça), será sempre mais eficaz a luta coletiva.

Um provérbio popular resume tudo isto que estamos dizendo:

“Uma andorinha só não faz verão”.

As classes dominantes desencorajam as lutas coletivas. Com frequência, os líderes das lutas coletivas são perseguidos, presos e até mesmo assassinados.

O povo tem de aprender a vencer seus desafios, com suas próprias forças. Mesmo que o ambiente envolvente seja adverso, mesmo que a luta coletiva não seja valorizada e enaltecida, é a união que faz a força.

João Baptista Herkenhoff, 74 anos, é Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha, palestrante e escritor. Autor do livro Ética para um mundo melhor (Thex Editora, Rio).

E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

terça-feira, 1 de março de 2011

Caricatura do Islã

João Baptista Herkenhoff

Um debate ocorrido em aula que dei, no Mestrado da Universidade Federal do Espírito Santo, inspirou a primeira versão deste texto. Discutíamos a questão dos Direitos Humanos no mundo muçulmano. O ponto central da reflexão foi este: o Islamismo é incompatível com os Direitos Humanos? Publicada como artigo, a matéria suscitou alguns pronunciamentos favoráveis e um só pronunciamento contrário. Dentre os aplausos destaco o que veio assinado por Saad Mahmmoud Al Bakr, nestes termos:

Li seu brilhante texto. Somente uma pessoa com sua formação e sensibilidade poderia tê-lo escrito da maneira correta como o fez, sem a visão deturpada de pessoas preconceituosas e desconhecedoras dos princípios que regem o Islã. Apenas, com sua licença, gostaria de fazer um reparo. Nós, muçulmanos, orientamos que as pessoas não-muçulmanas denominem o honrado Profeta Mohammad – Sallah Allahu Alleihi Wa Salaam – pelo seu verdadeiro nome que é Mohammad Bin Abdallah Bin Abdel Al Muttailib e não pela corruptela Maomé, que não nos agrada e é profundamente desrespeitosa. Atenciosamente, Salaam, Saad Mahmmoud Al Bakr”.

Para início da reflexão na UFES, propus que pousássemos nossos olhos sobre a seguinte passagem do Profeta:

“Eu não sou senão um homem. Se eu vos ordeno qualquer coisa de vossa Religião, segui-me. Se eu vos ordeno qualquer coisa que revela minha opinião, eu sou apenas um homem. O que diz respeito à Religião cabe a mim. No que diz respeito aos negócios do mundo, nisto vós sabeis mais do que eu”.

Com frequência, nas mais diversas religiões e filosofias, os respectivos seguidores, no decurso do tempo, distanciam-se da pregação original. O Fundamentalismo, ou seja, a pretensão de deter toda a verdade, a intolerância para com o divergente, o carimbo de herege aposto aos que discordam não é monopólio do Islã. Também entre os cristãos existem fundamentalistas. Mais do que o que li em livros, tenho sobre esta matéria um depoimento pessoal. Tive a oportunidade de participar, na França, de um Congresso Internacional Islâmico-Cristão. Foi uma das mais belas e importantes experiências que esta vida, já alongada, me proporcionou. Naquele encontro fraterno, marcado pela tolerância e pelo despojamento, homens e mulheres portadores de crenças diferentes procuramos descobrir nossas identidades, em vez de realçar nossas divergências.

Que doçura para a alma de um cristão ouvir, face a face de um muçulmano, que o Islamismo prescreve a fraternidade; adota a idéia da universalidade do gênero humano e de sua origem comum; ensina a solidariedade para com os órfãos, os pobres, os viajantes, os mendigos, os homens fracos, as mulheres e as crianças; estabelece a supremacia da Justiça acima de quaisquer considerações; proclama a liberdade religiosa e o direito à educação; condena a opressão e estatui o direito de rebelar-se contra ela; estabelece a inviolabilidade da casa.

Há uma forte incidência da herança judaico-cristã no arcabouço do Islamismo.

Este abismo, que tantas vezes se fomenta, entre o Ocidente e o mundo islâmico tem muito mais razões políticas e econômicas do que base na verdade. Atrás de tudo está o petróleo. Hoje Satã é o Islã, como no passado historicamente recente, Satã era a Alemanha e a Itália. A propósito de alemães e italianos, a propaganda era feita com tal malícia e capacidade técnica que brasileiros supunham ser um dever patriótico perseguir imigrantes que descendiam desses povos europeus. Meus ancestrais, de origem germânica, experimentaram esse sinete. É preciso estar atento a rótulos e a lavagem cerebral. A tolerância é condição de sobrevivência da Humanidade. Não apenas em plano internacional, mas também no Brasil, buscar o aperto de mãos, construir pontes, celebrar o diálogo – é o caminho da Paz.

João Baptista Herkenhoff é professor da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES) e escritor. Autor, dentre outros livros, de Gênese dos Direitos Humanos (Editora Santuário, Aparecida, SP). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

Homepage: www.jbherkenhoff.com.br