João Baptista Herkenhoff
Dura lex, sed lex – a lei é dura, mas é lei. Esta expressão advém da Roma Antiga não se sabendo exatamente sua origem. Uma das hipóteses possíveis é a de que teria resultado da decisão de um General romano, em pleno campo de batalha. Determinou a morte do próprio filho que praticara um ato que, à face da lei, era punido com a pena capital. Pronunciara então a frase “Dura lex sed lex” que simboliza o império universal da lei, sem distinguir as pessoas envolvidas num caso particular.
Em face da concreta desigualdade na aplicação da lei, interpreta-se a máxima dizendo que a lei é dura sim – para os pobres, – porém maleável e elástica para os ricos.
Quando se pretende que o dístico romano sirva de condenação ao favoritismo, protecionismo, nepotismo, compadrio na aplicação da lei, merece sem dúvida pleno acatamento.
É este desvio ético que se verbera, de maneira fulminante, quando a Justiça é representada pela imagem do juiz com os olhos vendados.
Olhos vendados sim, que o proíbem de proteger os amigos e perseguir os inimigos. Olhos vendados sim para exercer a judicatura com dignidade e não a prostituir com o tráfico de influência.
Se por olhos vendados se entende a Justiça sem alma, a Justiça insensível, a Justiça incapaz de perceber as dores humanas, a Justiça cega diante da viúva miserável, surda ao grito de socorro do desvalido, se por olhos vendados se entende a Justiça-mecânica, creio que essa visão da Justiça deforma e destrói o sentimento de Justiça.
Um artista, um dos maiores de todos os tempos, e não um jurista, lançou um anátema decisivo contra a Justiça cega: "Juízes, não sois máquinas! Homens é o que sois!" (Charles Chaplin).
Um teólogo, e não um jurista, deu as diretrizes para a boa interpretação das leis: “A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender, é essencial conhecer o lugar social do outro: como vive, com quem convive, que experiências tem, em que trabalha, que desejos alimenta, como assume os dramas da vida e da morte e que esperanças o animam.” (Frei Leonardo Boff).
Um poeta, e não um jurista, produziu estes versos que são um convite à resistência permanente contra a injustiça:
“Morder o fruto amargo e não cuspir / mas avisar aos outros quanto é amargo, / cumprir o trato injusto e não falhar / mas avisar aos outros quanto é injusto, / sofrer o esquema falso e não ceder / mas avisar aos outros quanto é falso; / dizer também que são coisas mutáveis… / E quando em muitos a noção pulsar / - do amargo e injusto e falso por mudar - / então confiar à gente exausta o plano / de um mundo novo e muito mais humano.”(Geir Campos).
Uma pensadora, uma pesquisadora colocou no seu livro “Fundamentos do Direito, da Razão e da Sensibilidade”).m dignidade e npara a boa interpretaos se entende a Justi exercer a judicatura com dignidade e n: “o ato de “conjugar a Razão e a Sensibilidade não descaracteriza o ato judicial”. (Suzete Habitzreuter Hartke).
A autora ilustra seu trabalho com casos judiciais colhidos em Santa Catarina. São hipóteses nas quais o Ministério Público pretendeu a prevalência da Sensiblidade, mas o magistrado rendeu-se à onipotência da Razão. Num processo que correu na Comarca de Curitibanos, o Ministério Público, representado por uma mulher Promotora de Justiça, pleiteou a proteção de uma deficiente física, sem se ater a uma interpretação rígida da lei. O pedido foi negado. Em Florianópolis, é arrolada uma hipótese na qual o Ministério Público quis obrigar o Estado a fornecer, gratuitamente, remédios a um paciente para lhe reduzir o sofrimento. O juiz negou a pretensão lamentando que não houvesse dispositivo legal atinente que lhe permitisse deferir o apelo.
Vê-se assim que, no cotidiano das varas e tribunais, há um conflito permanente entre Lei e Direito, interpretação rígida e elástica, fronteiras demarcadas do Direito e horizonte infinito da Sensibilidade.
O que deve prevalecer?
A meu ver, a Sensibilidade, na lição imortal de Chaplin: os juízes não são máquinas.
João Baptista Herkenhoff é professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage:www.jbherkenhoff.com.br Autor de Dilemas de um juiz – a aventura obrigatória (GZ Editora, Rio de Janeiro).
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