quinta-feira, 29 de março de 2012

Semeadores de livros

João Baptista Herkenhoff

Em 14 de março comemoramos o Dia do Vendedor de Livros.
A propósito desse profissional, Monteiro Lobato escreveu: “Suprima-se o livreiro e estará morto o livro.”

Ainda Lobato, exaltando o livreiro, doutrinou para a posteridade:
”Embora sua mercadoria seja a base da civilização, pois que é nela que se fixa a experiência humana, o livro não interessa ao nosso estômago nem a nossa vaidade. Não é portanto compulsoriamente adquirido. O pão diz ao homem: ou me compras ou morres de fome. O batom diz à mulher: ou me compras ou te acharão feia. E ambos são ouvidos. Mas se o livro alega que sem ele a ignorância se perpetua, os ignorantes dão de ombros, porque é próprio da ignorância sentir-se feliz em si mesma, como o porco com a lama.”

A meu ver, os três maiores semeadores de livros são os livreiros, os bibliotecários e os professores.
Os três trabalham em comunhão e faltando qualquer deles o livro naufraga. Se o professor indica aos alunos livros que vale a pena ler, mas se não há livreiros para vendê-los ou bibliotecários para colocá-los nas mãos dos leitores, o conselho do professor torna-se inútil. Se uma cidade tem livrarias e bibliotecas mas não tem professores que impulsionem o gosto de ler, ficarão vazias tanto as bibliotecas, quanto as livrarias.

Castro Alves exaltou em versos imortais todos os semeadores de livros:
“Oh! Bendito quem semeia livros, 
Livros à mão cheia, 
E manda o povo pensar! 
O livro caindo n’alma, 
É germe que faz palma, 
É chuva que faz o mar!”.
Confessando sua paixão juvenil pelo livro, poetou Clarice Lispector:
“Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.”
Homenageio todos os livreiros do Espírito Santo e do Brasil relembrando o grande livreiro que foi Nestor Cinelli.
Cinelli não foi um comerciante de livros. Cinelli foi, na verdade, um apóstolo do livro.
Muitos estudantes compraram livros fiado na Livraria Âncora e só saldaram suas contas depois que se tinham tornado profissionais. Advogados, membros do Ministério Público, juízes, médicos, dentistas podem dar este testemunho. Nem juros Nestor cobrava. Devia ser pago o que estava anotado na sua caderneta (eu diria santa caderneta) e a conta estava liquidada. Promissória? Esta palavra não existia no vocabulário desse livreiro ínvulgar.
A exaltação dos bibliotecários e professores fica para um artigo futuro.
João Baptista Herkenhoff é professor da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage:www.jbherkenhoff.uol.com.br Autor de Curso de Direitos Humanos (Editora Santuário, Aparecida, SP, 2011).

quinta-feira, 22 de março de 2012

Discriminação racial

João Baptista Herkenhoff

Em vinte de um de março celebramos o Dia Internacional para Eliminação da Discriminação Racial. A data foi instituída pela ONU, para expressar a repulsa universal ao massacre ocorrido em Joanesburgo, na África do Sul, em 21 de março de 1960. Vinte mil negros protestavam pacificamente contra a lei do passe, que restringia os locais onde podiam circular. O Exército atirou contra a multidão matando sessenta e nove pessoas e ferindo cento e oitenta e seis.

No Brasil, o racismo foi rechaçado de forma intransigente. Nossa Constituição repudia essa prática abjeta. Também não se tolera o racismo camuflado, aquele que existe na prática mas tem vergonha de apresentar-se com este nome.

A discriminação racial não humilha apenas aqueles que são discriminados. Todos somos vilipendiados, não importando nossa raça, quando alguém sofre discriminação.
Votada pelo Congresso foi promulgada pelo Presidente da República, em 13 de maio de 1997, a Lei n. 9.459. Definiu os “crimes de racismo” e estabeleceu penas para os mesmos.

Não bastava que a Constituição tivesse condenado o racismo, embora isso fosse importante. Para que houvesse processo e punição contra os autores de crimes de racismo era preciso uma lei que definisse tais crimes, em suas diversas modalidades, e que estabelecesse a respectiva pena para cada crime definido. Assim, por exemplo, injuriar alguém recorrendo a elementos referentes a raça, cor, etnia ou origem passou a ser crime mais grave que a injúria comum.

Outro avanço significativo foi a sanção e promulgação, pelo Presidente da República, do Estatuto da Igualdade Racial, em 20 de julho de 2010. O Estatuto prevê a criação de programas e medidas específicas para reduzir a desigualdade racial no país. Obriga as escolas a inserirem, no currículo, o ensino da história da África e da população negra no Brasil. O Estatuto definiu como crime a conduta de dificultar, por preconceito, a promoção funcional de pessoa negra no setor público ou privado. Para esse crime foi cominada pena de até cinco anos de reclusão.

Dois presidentes da República, de dois partidos competidores, promulgaram, num lapso de treze anos (1997 e 2010), duas leis que se completam e guardam absoluta sintonia.

Certos princípios suplantam os atores políticos que se encontravam em cena, quando o princípio foi consagrado. O eventual titular do Poder passa porque o Poder é, por natureza, passageiro. O princípio, a ideia, a causa permanece porque a História se constrói através das gerações.
João Baptista Herkenhoff é professor da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo e escritor. Acaba de publicar Curso de Direitos Humanos (Editora Santuário, Aparecida, SP). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

sábado, 10 de março de 2012

A agonia da Escola “Joaquim Fonseca” e o autismo da gestão municipal


Quando não temos o altruísmo como fundamento para a vida em sociedade, o mais comum é ficar alheio aos problemas e afirmar que a busca por soluções não é da nossa alçada, e, para ser mais claro ainda, dizemos que “este problema não é meu.”

É assim que vejo a postura do município em relação à Escola de Ensino Médio Professor Joaquim Fonseca, localizada na sede de Conceição da Barra. O único estabelecimento de ensino voltado aos alunos que concluem o Ensino Fundamental, a escola JF sofre pelos dois flancos: O governo estadual, que por não contemplar a escola no orçamento (pelo menos até o momento) vai adiando intervenções estruturais importantes no prédio, e, por outro lado, o município, que se utiliza da justificativa de que a escola é de responsabilidade do governo estadual, e faz vistas grossas aos problemas que atingem a todos nós, tendo em vista que os jovens que ali estudam, ou melhor, tentam estudar, serão a geração que também vai buscar em outras cidades o espaço para evoluir intelectualmente e conquistar o mercado de trabalho. E, aos que não conseguem ter a mesma sorte, perambulam pela cidade, sujeitos a todos os tipos de influência, em muitos casos enveredando para o consumo de álcool e drogas.

É preciso haver uma compreensão correta do que é dever do “Estado” e efetivamente o que é “Estado”. Para conveniência de alguns, tratam Estado como se fosse simplesmente o governo estadual, ignorando que tal nomenclatura representa Município, Estado e a Nação. Se os problemas envolvendo uma importante Instituição de Ensino, que por sinal este ano completa 60 anos de existência – e aqui aproveito para parabenizar a mais antiga escola de Conceição da Barra – não se resolve por quem formalmente tem o dever de fazê-lo, nada mais óbvio e natural que a parte prejudicada, a sociedade representada pela gestão pública municipal, assuma o problema para si e canalize recursos municipais para resolver aquilo que amenizará a agonia de tantos pais que se vêem obrigados a mandar seus filhos para outras cidades assim que concluem o Ensino Fundamental. Se é legal fazer isto? Não sei. Mas sei que quando se quer resolver, descobre-se os caminhos.

Não vou citar os problemas que a JF tem. Visitem-na e vejam com seus próprios olhos. Contudo, o que posso afirmar é que existe lá um corpo funcional que podem ser classificado como heróis, pois que apesar de todas as dificuldades, ainda conseguem fazer com que alguns dos nossos jovens consigam a proeza de se classificar em concursos para o ingresso em Instituições Federais da região.

Não resta dúvida de que quando queremos e temos boa vontade, conseguimos - se não resolver - amenizar em muito as nossas mazelas. Porém, quando o foco está voltado para aquilo que é pessoal, reduz-se consideravelmente a probabilidade da assertividade. Se ainda não temos a maturidade política para tratar o contraditório com o devido respeito, preferindo atraí-lo para o seu campo de visão, numa receita conhecida, criada pelo filósofo italiano Nicolau Maquiavel, que se observe então o quanto é prejudicial para toda a sociedade barrense ficarmos reféns de um aparelho educacional muito aquém daquele que merecemos, mesmo considerando o esforço hercúleo que fazem a direção, professores e demais profissionais daquele educandário.

O papel do gestor público vai muito além de gerir os recursos públicos. O prefeito, e também os vereadores, devem se colocar como guardiães do bem-estar do povo e ir em busca da solução, sem medir esforços. Quando se escuta o clamor das pessoas, o que parece improvável, acontece. Apoiar a Escola Joaquim Fonseca, mesmo sendo de responsabilidade do governo estadual, não poderá ser objeto de rejeição de contas por parte do Tribunal de Contas, e, se for, terá valido a pena, porque a própria sociedade confirmará isto.

Espero que este texto sirva de reflexão para um município, cuja gestão, tem foco na beleza de grandes obras e ignora o quão fundamental é a educação e como conseqüência a dignidade da pessoa humana, conforme preconiza a nossa Constituição.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Ética da vida e da morte

João Baptista Herkenhoff

Próximo da morte, o papa João Paulo II optou por morrer dentro dos muros do Vaticano, e não em Roma. Nos limites do território do Vaticano as possibilidades de prolongamento da vida eram restritas. Em Roma, um grande centro médico, a vida do papa seria prolongada indefinidamente. João Paulo preferiu que a morte seguisse seu curso.

O grande e saudoso arcebispo capixaba Dom João Baptista da Motta e Albuquerque, à face da morte, aceitou que tinha chegado ao fim. Não quis que esforços extraordinários fossem realizados, numa insubmissão à finitude da vida. Em Paz, entregou sua alma a Deus.

Tanto à luz da Ética, quanto sob a ótica do Direito, não se pode impor a ninguém a obrigação de recorrer a uma técnica que, embora já em uso, ainda não esteja isenta de perigos ou é demasiado onerosa. A recusa de tais técnicas não equivale a um suicídio. Significa, antes, a aceitação da condição humana ou a preocupação de evitar dispositivos médicos desproporcionados com os resultados que deles se podem esperar. O Direito brasileiro não acolhe a eutanásia, prática que é admitida por algumas legislações do mundo. Nunca é permitido ao médico ou outro profissional da saúde praticar um ato que produza a morte de um paciente, mesmo que o paciente peça sua morte. Nestes casos, o ato é considerado “homicídio privilegiado”, ou seja aquele praticado por motivo de relevante valor social ou moral. A pena do homicídio – 6 a 20 anos de reclusão – pode ser reduzida de um sexto a um terço, nessas circunstâncias. Entretanto, se o doente já teve morte cerebral, nem a lei, nem a ética médica exigem procedimentos para prolongar artificialmente a vida.

Note-se a diferença: num caso, pede-se um ato para pôr fim à vida (é crime). Noutro caso, trata-se de abter-se de atos que prolongam a vida artificial (essa abstenção não é crime).

Assim, em face de um doente terminal, com morte cerebral, o médico, com o consentimento da família, pode desligar os aparelhos que prolongam artificialmente a vida. Esse ato não configura um crime, nem constitui atentado à ética.

A interrupção da sustentação vital, uma vez estabelecida a morte encefálica, não se confunde com a eutanásia ou eventual "direito de morrer", no sentido de precipitar o evento "morte", o qual, efetivamente, já ocorreu. Por respeito à dignidade humana o médico deve evitar que o paciente em estado de morte encefálica seja submetido a terapêutica desnecessária, não só inútil como fútil. No caso da eutanásia (morte por piedade), a competência para julgamento será do Tribunal do Júri. Como o Tribunal do Júri é um tribunal leigo, que se compromete a julgar “de acordo com a consciência”, esse Tribunal não está preso à lei. Pode o Tribunal do Júri, num caso de “morte por piedade”, praticada por médico, enfermeiro ou outra pessoa, absolver o agente (isto é, a pessoa que praticou o ato). Essa decisão dependerá da consciência dos jurados e, naturalmente, das circunstâncias do caso que os jurados devam julgar.

João Baptista Herkenhoff é Supervisor da Coordenação Pedagógica da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo, palestrante Brasil afora e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

sexta-feira, 2 de março de 2012

Missão do Avô

João Baptista Herkenhoff

Neste mundo em que se exalta a juventude como um estado eterno, o vigor e a beleza como referências existenciais, a pouca idade como síntese de todos os valores, nesta época, neste mundo de hoje, algum papel existe para ser desempenhado pelo Avô? Num tempo que se alicerça no materialismo, terá sentido cultuar essa figura que, antigamente, era mítica? Dentro de uma economia de mercado, que tem no pragmatismo a sua diretriz, é cabível consumir recursos públicos com um grupo etário que pouco produz?

Numa quadra da História em que se fala, de peito aberto e sem qualquer pudor, em reduzir direitos dos aposentados, numa quadra como esta, Avô não é reminiscência de uma tábua moral ultrapassada? Suponho que três respostas negativas e somente uma afirmativa (para o ultimo quesito) serão dadas, quase que mecanicamente, por inúmeras pessoas, mesmo pessoas bem intencionadas e de caráter. Isto porque a ideologia dominante inoculou no subsconsciente coletivo as respostas equivocadas que supomos serão oferecidas. Essa ideologia despreza a Ética. Quer resultados e não reflexão filosófica.

Mas devemos remar contra a maré e fazer Filosofia.

Os Avós têm um duplo papel: na Família e na Sociedade. Na Família os Avós são conselheiros dos pais e dos netos. Podem transmitir ao vivo a experiência que nenhum livro, ou programa radiofônico, ou televisivo, é capaz de traduzir. Os Avós são apoio em inúmeras situações e emergências. Integram a Família. Feliz da Família na qual comparecem os Avós.

Na Sociedade, os Avós transmitem ao presente a herança do passado. São depositários da Sabedoria acumulada através de milênios. A Bíblia aponta horizontes que merecem ser seguidos por crentes e não crentes. Esse Livro Sagrado exalta a missão dos avós. Lóide converteu-se ao Cristianismo durante a primeira viagem missionária de Paulo. Graças ao ensino e ao exemplo de Lóide tivemos, no seu neto Timóteo, um dos maiores apóstolos dos primeiros tempos.

Até os pequenos gestos revelam a atitude respeitosa ou desrespeitosa para com os idosos. Ceder o lugar ou a passagem ao idoso, mostrar-se disponível para ajudar nas mais comezinhas situações, tudo isto demonstra o nível de educação de uma comunidade no relacionamento com os avós.

Ao escrever este texto penso nos jovens que são os sucessores das gerações que partem. Precisam esses jovens de orientação, para escolher caminhos que contrastam com o modelo social imperante, vazio, sem alma, desumano.

João Baptista Herkenhoff é professor da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage:www.jbherkenhoff.com.br