terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Relato contra o Esquecimento



Por Bernadette Lyra

E assim, depois de muitas e muitas horas em um aeroporto paulista fatiado de empurrões e apertos, você consegue se aboletar no avião e esperar até que a voz impessoal do piloto avisa que somos o número cinco na fila de espera da decolagem e, portanto, tudo vai bem. É que lá na frente, sentado em sua cabine, ele não vê o que vai acontecendo aqui atrás. Tem quem suspire, quem se inquiete, quem reze, quem manifeste em altos brados sua determinação em processar a companhia. A aeromoça já passou a bandeja com as balas, ajeitou as maletas que ameaçavam cair, acalmou os que entraram em pânico, exauriu sua cota de sorrisos. Quando finalmente o pássaro decola, acontece um silêncio de alívio. Pelo menos até que o bebê do assento vizinho resolva que é hora de fazer sua entrada no show, seguido pela manifestação de mais uns dez bebês espalhados pela aeronave.

De repente é aquela corrente pra frente de choros e gritos, como só bebês esfomeados sabem organizar. Você faz o possível para não ceder à vontade de sacudir o pequeno iniciador do tumulto, que a mãe embalança com cara de quem pede desculpas à plateia. Pensa que é natural que os bebês se exasperem. Bota a culpa de sua própria exasperação no estresse, e se vira de lado, tentando ver além da janelinha que lhe coube no bojo daquele cilindro de asas. Mas só o que vê é uma maçaroca de nuvens que vão engolindo e balançando a nave, impedindo que você desfrute a paisagem, lá embaixo.

Nada de apreciar a beleza dos rios e as cidades que se encaixam como brinquedinhos entre montanhas e beiras de praia. Nada de se encantar com a coloração azul do mar que vai se raiando da cor de esmeralda. Só a escuridão em pleno dia. Nem mesmo se vê a longa fita de areia da Praia da Costa, o Morro do Moreno, o Convento da Penha ainda diminuto, o contorno da ilha que sempre se delineia toda cheia graça. O que você vê pela janelinha é um nunca acabar de gigantescas massas carregadas de chuva, é uma corrente grossa, escura e ameaçadora que se estende como traiçoeira serpente de leste a oeste, é uma aterrorizante amorfa camada em que o avião se engolfa aos sacolejos até que, de repente, mergulha em direção ao pouso.

Os passageiros se entreolham como cúmplices em alguma coisa que os deixa assustados. Nada de encantamentos com a descida, a porta aberta, o solo tão desejado, tão aberto à luz e à brisa da cidade amada. Você sai, desce a escada, patina no asfalto coberto de água e caminha em direção à sala de restituição da bagagem. No saguão, lá estão os que esperam por você, suportando o mau tempo, os inconvenientes e o atraso. E depois é um nunca acabar de notícias que roem seu coração.

Todo o Espírito Santo está debaixo da carga pesada de uma tempestade sem fim. Por todos os lados, enchentes, perdas, desabamentos. Por todos os lados, dor, morte, privações. O Natal se foi engolfado nesse pesadelo. Você bem que tentou escutar os sininhos, cantar Jingle Bells, elevar o astral. Porém festa nenhuma tem suporte para tanta amargura.

Agora, correram alguns dias. O sol apareceu uma manhã, de repente. Começou a brilhar. O pior já passou, dizem para você. Mas você nunca vai esquecer. É bom que não esqueça. É bom que ninguém esqueça. Para que não se acredite que tudo está resolvido, apenas porque o sol começou a brilhar e foi se estendendo, lambendo telhados, varandas e vidraças com uma bondade suspeita. E para que um pacto de solidariedade se faça em volta deste ano novo, circulando a terra capixaba como uma interminável cerimônia de garras de coral e espumas.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Mandela e a política



Por Paulo Hartung - Ex-governador do ES

“Líder sul-africano não se apegou ao rancor,
consolidando-se com suas atitudes de estadista
como um líder global do século XX”

O ano de 2013 está chegando ao fim. É tempo de olhar em retrospectiva, mas também de focar a visão na perspectiva de uma nova jornada a ser iniciada. Nesse sentido, vou falar de uma personalidade cuja morte marcou este ano que finda, mas que se manterá como um farol na caminhada civilizatória que empreendemos sem descanso.

Trata-se de Nelson Mandela, líder que honrou os fundamentos da verdadeira política. Ao falar desse tema, sempre recorro ao saudoso geógrafo Milton Santos, para quem a política é “a arte de pensar as mudanças e torná-las efetivas”.

Mandela foi e sempre será lembrado como um símbolo da ação política em favor da mudança, rumo ao avanço da civilização. Mandela foi um guerreiro das ideias, valores e palavras. Nas prisões do apartheid durante inacreditáveis 27 anos, no comando da África do Sul como primeiro presidente negro da nação, e na militância pós-presidência, constituiu trajetória de posições firmes contra a segregação e a injustiça, mas sempre pautado pela crença conciliatória.

No poder, foi o artífice da reconciliação num dos mais ilustres exemplos da capacidade política de promover transformações históricas emancipatórias. Eleito pela maioria, não se apegou ao rancor, consolidando-se com suas atitudes de estadista como um líder global do século XX. Conforme relatou a imprensa, em 1964, diante de um tribunal em Pretória, o líder sul-africano disse: “Eu lutei contra a dominação branca e lutei contra a dominação negra. Eu valorizo o ideal de uma sociedade livre e democrática na qual todas as pessoas vivem juntas em harmonia e com as mesmas oportunidades. É um ideal pelo qual eu espero viver para ver realizado. Mas, se for necessário, é um ideal pelo qual eu estou pronto para morrer”.

Uma sociedade livre, democrática e fraterna, com acesso igualitário às oportunidades é o ideal que move a política democrática e republicana. Mandela não viveu para testemunhar a plena transformação desse ideal em realidade na sua África Sul, nem no mundo como um todo. Mas Mandela ajudou seu país e o mundo a avançar nessa direção, deixando um exemplo de que os ideais fazem movimentar a história e de que vale a pena lutar por eles.

Prestes a se iniciar um novo ano, vale lembrar que a batalha pelo avanço civilizatório se mantém aqui e ao redor do planeta. A iluminar o dia a dia de todos aqueles que acreditam e trabalham por um mundo cada vez melhor está o exemplo de Mandela, que dedicou a vida à política naquilo que ela tem de mais essencial, a potência de realizar mudanças.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Pescadores e o impasse nas eleições da Colônia Z1



As eleições para a diretoria da Colônia de Pescadores Z1 de Conceição da Barra, a mais antiga do Estado, realizada em 20 de janeiro deste ano, está sendo questionada por um grupo de pescadores que não concordaram com os procedimentos adotados pelo atual presidente reeleito. 

Segundo o grupo, liderado pelo ex-vereador Aroldo Paranaguá (foto) muitos associados da Colônia Z1 não foram comunicados sobre a eleição e o edital não teria sido divulgado conforme estabelece o Estatuto da Entidade: “O edital foi afixado apenas na Colônia e atrás de uma janela, o que me parece que não havia interesse que os associados soubessem da realização da eleição”, afirma Aroldo.

Já o presidente reeleito da Colônia, Davi Claudiano, diz que fez tudo exatamente como prevê o Estatuto e que tanto a lista de presença dos votantes, quanto a ata (foto) que legitimaram a eleição, estão devidamente registradas em cartório.

“Alguns dos interessados em impugnar as eleições da Colônia, sequer está em situação regular em relação às contribuições anuais com a Entidade, portanto, nem votar e nem ser votado eles poderiam”, disse Davi reiterando que a eleição foi limpa, legítima e que foi reconduzido ao cargo porque a categoria aprovou o seu trabalho a frente da Colônia.

Para Aroldo Paranaguá este argumento não procede pois “a regularização de contribuições para com a Colônia pode ser feita até 5 dias antes da eleição”, disse. Paranaguá diz que não contribui com a Entidade há muitos anos por não concordar com o modelo de administração que a mesma vem tendo ao longo dos anos, mas que regularizaria sua situação caso pudesse ter sido candidato, o que acabou não ocorrendo.

O grupo que discorda das eleições realizadas em Janeiro passado diz que fará uma solicitação de Assembléia Geral, com as assinaturas de quase 200 pescadores, e aguardará qual será o procedimento do presidente. Caso não haja nova eleição, tomarão outras medidas.

Já o presidente Davi diz estar tranquilo e que as pessoas podem procurar o seu direito, se acharem que o tem, contudo, está certo de que os procedimentos para a eleição da Colônia Z1 foram exatamente como estabelece o Estatuto da Entidade.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Livros e pessoas




                                              João Baptista Herkenhoff

          Livros e pessoas, imortalidade e morte, ideias que se confundem mas que tentaremos separar.

          Comecemos pelo registro de um livro que acaba de ser publicado: “Os anos dourados da vida cultural de Vitória – 1946 / 1952”. O autor é o Desembargador aposentado Rômulo Salles de Sá. Ao reconstruir a fundação e o trajeto da Academia Capixaba dos Novos, Rômulo ultrapassou em muito o objetivo proposto. Na verdade ele traçou o panorama de uma época, fez o inventário de um tempo.

Como é importante resgatar a história, reagir contra o imediatismo e o materialismo que dão o traço das sociedades modernas. Com razão o Desembargador Eurípedes Queiroz do Valle via na Academia Capixaba dos Novos a porta de entrada para vôos maiores nas viagens do intelecto. Para confirmar o acerto do prognóstico de Eurípedes basta relembrar os jovens que integraram o sodalício juvenil. Vieram a ter destacada presença na Literatura, no magistério, nas profissões liberais, na política, na vida pensante do Espírito Santo.

Citemos: Renato José Costa Pacheco, José Carlos Oliveira, Christiano Dias Lopes Filho, Orlando Cariello, Antenor de Carvalho, Setembrino Pelissari, Mário Gurgel, Durval Cardoso, Joaquim Beato, José Luiz Moreira Cacciari, José Carlos da Fonseca, Nélio de Faria Espíndula, José Cupertino Leite de Almeida, José Garajau da Silva, Guilherme José Monteiro de Sá, Renato Bastos Vieira, José Wandervaldo Hora, Hermínio Blackman, Waldir Ribeiro do Val e o próprio Rômulo Salles de Sá.

Vamos agora reverenciar pessoas que seguiram no rumo do Eterno. A proximidade entre a data de duas perdas faz com que este artigo exalte duas mulheres de grande valor.

A primeira que partiu foi a Professora Zoira Viana de Resende, que era casada com o Professor Wilson Lopes de Resende. Wilson foi Diretor do Liceu Muniz Freire durante muitos anos e Zoira sempre esteve do seu lado, de modo que a vida de ambos se confundia sob a luz de um mesmo ideal. Em Cachoeiro o Liceu e a Escola de minha família eram rivais. Nas pugnas esportivas a competição chegava ao extremo. Só recentemente fumei o cachimbo da paz com Mara Rezende, filha de Wilson. O armistício ocorreu por ocasião de um seminário de Ética, na Faculdade de Direito de Cachoeiro, quando Mara me convidou para fazer uma palestra.

A segunda homenagem desta página é dirigida a Maria Antonieta Queiroz Lindenberg, presidente da Reda Gazeta. Maria Antonieta foi uma das fundadoras do núcleo capixaba da Legião Brasileira de Assistência (LBA), instituição que tantos serviços prestou ao povo, principalmente às pessoas mais humildes. Maria Antonieta foi casada com o ex-Governador e Senador Carlos Lindenberg.


João Baptista Herkenhoff, Juiz de Direito aposentado, Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo e escritor.