João Baptista Herkenhoff
A palavra é talvez a mais expressiva forma de comunicação humana. As palavras, para cumprir seu destino ético, deveriam sempre traduzir mensagens verdadeiras. Entretanto, com muita frequencia, hoje como ontem, as palavras escondem, enganam, ludibriam.
Os mais idosos lembram-se certamente de uma expressão de largo curso em outros tempos: mundo livre. O que era o mundo livre? Era o conjunto dos países que estavam sob a influência, ou a batuta, dos Estados Unidos. Uma das mais sanguinárias ditaduras latino-americanas integrava o mundo livre porque estava alinhada aos interesses, principalmente aos interesses econômicos, da matriz do Norte. Não obstante a propaganda em massa, muitos conseguiam questionar: essa ditadura que tortura, que coloca serpentes nas celas das presas políticas, que mata os opositores e os enterra clandestinamente de modo que nem os corpos das vítimas deixem rastros, essa ditadura também faz parte do abençoado mundo livre? A propaganda respondia: Claro que sim. Essa ditadura é circunstancial, passageira. Assim, o ditador ficava a salvo porque fazia o dever de casa, reverenciava a Estátua da Liberdade.
Outra palavra de grande impacto naquela época: Cortina de Ferro.
O que era a Cortina de Ferro? Era o conjunto dos aparatos que cobriam os países da antiga União Soviética. Esses países não tinham a possibilidade de conhecer a verdade, pois a verdade era privilégio dos países que compunham o Mundo Livre. Pobres países da Cortina de Ferro! Não idolatravam Hollywood, não podiam contemplar a grandeza do capital financeiro, não aprenderam que se mede a felicidade de alguém pelos indices de consumo desse alguém.
Eu me refiro, neste artigo, ao uso da palavra como expediente para submeter as grandes massas ao domínio politico. Não me refiro aos slogans comerciais porque estes são inocentes, ou quase inocentes. O mundo não fica pior, nem melhor, porque o Sabonete Lever é o Sabonete das Estrelas. Já na propaganda da Coca-Cola vai embutida uma filosofia de vida: “Tudo vai melhor com Coca-Cola”; “Onde há Coca há hospitalidade”; “Coca-Cola dá mais vida”.
O uso da palavra, como instrumento de dominação política, é coisa do passado, dos tempos da Guerra Fria? Nada disso. Nos tempos atuais a palavra continua desempenhando o papel de falsear os fatos, de subtrair a versão correta dos episódios.
Certas figuras que, com todos os seus erros, são óbice ao domínio do País do Norte, infalivelmente recebem o carimbo de ditador. Raramente uma notícia refere-se apenas ao nome dessa pessoa deixando a cargo de quem ouve ou lê a notícia colocar o epíteto de ditador. Outros ditadores, da mesma região, igualmente donos absolutos da vontade dos súditos, vizinhos do ditador abominável, nunca são apelidados de ditadores porque não incomodam a Pátria da Liberdade e dos Direitos Humanos.
A lavagem cerebral é muito poderosa. Não se pode negar sua capacidade de submeter milhões de pessoas à condição não pensante. É possível reagir? Sim, é difícil mas é possível, principalmente através do debate. O debate provoca a dúvida, a inquietação, o questionamento.
João Baptista Herkenhoff, 74 anos, magistrado aposentado, trabalha presentemente na Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES). É escritor. Faz palestras pelo Brasil afora. Autor do livro Mulheres no banco dos réus – o universo feminino sob o olhar de um juiz (Editora Forense, Rio).
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
Homepage: www.jbherkenhoff.com.br
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