quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Fim de ano, tempo de refletir

João Baptista Herkenhoff

Fim de ano é tempo para refletir e iniciar novos caminhos. Os mais velhos têm o dever de ajudar os mais jovens a buscar o sentido essencial das coisas. Seguem-se dez dicas que me parecem úteis para o cotidiano:

1 – Não ser avaro da palavra. Falar com as pessoas que estão a nosso redor. Uma palavra de estímulo, no momento preciso, pode valer mais que um tesouro. Disse certa vez a um preso ao qual concedi liberdade mediante condições: Eu confio em você. Apenas essas quatro palavras. Dez anos depois, o preso voltou a minha presença para mostrar a medalha de Honra ao Mérito que havia conquistado no seu trabalho, como operário exemplar.

2 – Na vida do Direito, uma coisa é a lei abstrata e geral. Outra coisa é o caso concreto, dentro do qual se situa a condição humana. É sábio o juiz que tempera a lei com um olhar de ternura.

3 – Para as pessoas, na sua vida particular, o mesmo princípio é aplicável quando se trata da lei moral. A Moral não existe para escravizar, mas para libertar.

4 – É bom que os cidadãos em geral conheçam um pouquinho de Direito porque todas as pessoas, de alguma forma, acabam envolvidas no "universo jurídico".

5 – Conselhos aos advogados – Comprometer-se com a defesa da dignidade humana; ser fiel ao cliente para salvaguardar o contraditório; enfrentar todos os obstáculos e perigos a fim de manter-se independente à face dos Poderes e dos poderosos.

6 – Conselho aos que estão em dúvida se ingressam com um processo na Justiça – Se for possível, evite a demanda. Um acordo razoável é quase sempre melhor que o litígio incerto e caro.

7 – Conselho aos Poetas – Visitem os tribunais. Tentem convencer os juristas para que coloquem Poesia no Direito. O Direito e a Poesia são vizinhos, a Poesia engrandece o Direito.

8 – Conselho ao Povo organizado – Exigir que os magistrados tirem as vendas de seus olhos, quando essa venda impedir de ver o sofrimento dos jurisdicionados. O juiz está de olhos vendados para não favorecer por simpatia ou perseguir por animosidade. Se por olhos vendados se entende a Justiça incapaz de perceber as dores humanas, pobre do povo que tem essa justiça.

9 – Conselho aos legisladores municipais, estaduais e federais – Sejam cuidadosos na feitura das leis. Boas leis são importantes para que o país progrida e o povo seja feliz.

10 – Conselho a mim mesmo – Não esquecer o rosto de Edna, a grávida que eu libertei. Que a lembrança desse rosto me socorra nos momentos de desânimo ou tristeza. Que eu guarde sempre sua lição de generosidade, ao prometer que seu filho, se fosse homem, teria o nome do juiz, promessa que não se cumpriu porque deu à luz uma menina que se chamou Elke, em homenagem a Elke Maravilha.

João Baptista Herkenhoff, magistrado aposentado, professor na Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage:www.jbherkenhoff.com.br

domingo, 25 de dezembro de 2011

Cidadania em nível nacional, estadual, municipal e nas escolas

João Baptista Herkenhoff

A cidadania é exercida em nível nacional, estadual, municipal e também nos bairros, nas associações, nas escolas. É importantíssimo o exercício da cidadania em plano nacional. Cite-se, como exemplo, o vigor de uma eleição presidencial. Que coisa expressiva e séria é o próprio povo escolher, por via direta, o Presidente da República. Por ocasião das eleições presidenciais, todas as grandes questões nacionais podem e devem ser debatidas.

Não obstante a importância do exercício da cidadania, em plano nacional, é sobretudo no âmbito das relações mais próximas da pessoa que se efetiva a cidadania. O Brasil é uma República Federativa. Isto quer dizer que o Brasil é um Estado federal. Estado federal é aquele que é constituído pela união de Estados, tendo cada um autonomia política e administrativa. Essa autonomia consiste no seguinte: cada Estado da Federação Brasileira é regido por uma Constituição votada dentro do próprio Estado. No âmbito de cada Estado da Federação existem os três Poderes independentes e harmônicos entre si.

O povo tem o direito de acompanhar, fiscalizar e cobrar a ação das autoridades que integram os Poderes e a administração do Estado. Nessa cobrança e nessa participação, o povo cumpre seus deveres e exerce seus direitos de cidadania. O Poder Executivo, no nível dos Estados, é exercido pelo Governador, eleito pelo povo. O Governador é auxiliado por Secretários de Estado que ele escolhe. Também integram o Poder Executivo Estadual órgãos da administração indireta: fundações, sociedades de economia mista etc. Com o Governador é eleito um Vice-Governador.

O Poder Legislativo Estadual é exercido pela Assembleia Legislativa, composta de deputados eleitos pelo povo. Quando vota num deputado o eleitor vota também no partido a que ele pertence. As cadeiras de deputados são, em primeiro lugar, distribuídas segundo os votos que cada partido obtém. Se um partido teve, por exemplo, votos para obter três cadeiras, vão ocupar essas cadeiras os três candidatos mais votados dentro daquele partido. Os eleitores devem cobrar dos partidos a fidelidade aos programas que apresentam.

O Poder Judiciário Estadual tem como seu mais alto órgão o Tribunal de Justiça. O território de cada Estado é dividido em comarcas. Cada comarca tem um Juiz de Direito. Às vezes a Comarca tem mais de um Juiz de Direito. Isto acontece com as comarcas maiores, onde a função jurisdicional (função de distribuir Justiça) é desdobrada em varas especializadas: Vara Cível, Vara Criminal, Vara de Família etc. A comarca pode abranger um ou mais de um município.

O Tribunal de Contas não integra o Poder Judiciário, embora tenha este nome de “tribunal”. O Tribunal de Contas tem como missão julgar as contas dos administradores e zelar pela correta destinação do patrimônio e dos recursos públicos. Existe também, em cada Estado da Federação, o Ministério Público. Este órgão é formado por Procuradores, Promotores de Justiça etc. Há Procuradores de Justiça, junto aos Tribunais, e Promotores de Justiça, nas diversas Comarcas. Os integrantes do Ministério Público não estão subordinados nem ao Poder Executivo, nem ao Poder Judiciário. Por esta razão o Ministério Público é considerado, de certo modo, como um quarto poder. Compete ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Podemos dizer, sem temor de errar, que a Cidadania começa nos municípios. Neste sentido: antes de ser um cidadão brasileiro consciente (ou uma cidadã brasileira consciente), a pessoa tem de ser um munícipe consciente. O município é a base da vida política. Prefeitos e Vereadores têm contato direto e diuturno com o povo, bem mais que governadores e deputados estaduais e bem mais ainda que os titulares de funções públicas no plano federal. O povo pode exercer pressão direta sobre o poder público municipal. É muito mais fácil fiscalizar os titulares de função pública no plano municipal do que no plano estadual ou federal. O aperfeiçoamento da Democracia exige o fortalecimento dos Municípios, o aprimoramento da vida política municipal. Os Municípios têm autonomia política e administrativa. Da mesma forma que os Estados são regidos por Constituições Estaduais, os Municípios são regidos pelas Leis Orgânicas Municipais. Cada Município vota sua Lei Orgânica, da mesma maneira que cada Estado vota sua Constituição.

O Poder Executivo, no plano municipal, é exercido pelo Prefeito. O Prefeito escolhe seus auxiliares diretos (Secretários Municipais) e também os dirigentes dos órgãos descentralizados da administração municipal (fundações municipais, autarquias municipais etc.) Ao eleger diretamente o Prefeito Municipal o eleitorado escolhe também o Vice-Prefeito.

O Poder Legislativo Municipal é exercido pelas Câmaras Municipais. As Câmaras Municipais são compostas de Vereadores escolhidos pelo eleitorado local. O sistema de eleição dos Vereadores é semelhante ao dos deputados.

O Município não tem Poder Judiciário. Os Juízes de Direito que atuam nas comarcas fazem parte do Poder Judiciário Estadual. No que se refere à formação político-social, não é tradição brasileira a influência da escola nessa matéria. Durante longo período de nossa História, a Política era tema proibido ou considerado de somenos importância na formação do jovem. A Educação para a Cidadania ficava fora dos currículos e da preocupação das escolas.

O Governo João Goulart, pouco antes do golpe que depôs o Presidente, criou nas escolas de grau médio (antigos ginásios) a cadeira de “Organização Social e Política Brasileira”. Muito bem projetada, essa disciplina tinha a finalidade de contribuir para a formação político-social do jovem, de modo que se tornasse um cidadão consciente e prestante. Tenho a alegria de ter sido, no país, um dos primeiros professores de Organização Social e Política Brasileira. Escrevi mesmo um livro sobre a didática dessa disciplina que recebeu este título: O ensino de Organização Social e Política Brasileira na escola de grau médio. Esse livro foi publicado em Cachoeiro de Itapemirim, no ano de 1963, antes portanto do Golpe de 1964. A obra, não obstante seu pioneirismo, saiu em modestíssima edição mimeografada. Eu doei exemplares que produzi a alguns professores. Entretanto, para que ficasse registrada e provada a publicação, mandei exemplares para a Biblioteca Nacional e para a Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo.

Superada a fase do regime ditatorial instaurado em 1964, votada uma nova Constituição (1988), iniciado um novo caminho na vida brasileira, a educação para a Cidadania, a formação democrática integra hoje a pauta dos grandes temas nacionais. A escola tem um papel valioso na construção do perfil do verdadeiro cidadão.

João Baptista Herkenhoff, 75 anos, magistrado aposentado, Professor da Faculdade Estácio do Espírito Santo, escritor. Autor de: Escritos de um jurista marginal (Livravia do Advogado, Porto Alegre); Dilemas de um juiz – a aventura obrigatória (Editora GZ, Rio); Como Aplicar o Direito (Editora Forense, Rio); Filosofia do Direito (Editora GZ); Curso de Direitos Humanos (Editora Santuário, Aparecida, SP).

E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

sábado, 24 de dezembro de 2011

O poder da solidariedade


Convencido de que o melhor a fazer era aceitar a oferta, afinal, estávamos a 270 quilômetros de casa, eu e a minha paciente – momentaneamente acometida por um câncer – em tratamento no Hospital Santa Rita, em Vitória, seguimos para um tal “albergue”, onde ficam hospedados aqueles (e aquelas) que por razões diversas, não podem pagar por um quarto de hotel.

Lá chegando, umas 3 horas da tarde mais ou menos, minha primeira surpresa: O local é lindo! Jardim bastante florido na entrada da “casa” e uma pessoa muito cordial recebendo os recém-chegados. Após as orientações de praxe, naturais para um local onde as pessoas que irão ficar necessitam de cuidados médicos - não sendo permitido, por exemplo, fumar e/ou beber no ambiente - fomos informados sobre o quarto e as camas que iríamos ocupar.

Por volta das 18h30m, temos um jantar simples mas feito com muito carinho pelos funcionários da “casa”. Após um breve descanso, somos convidados pelos responsáveis da hospedagem a participar de uma dinâmica, cuja finalidade é fazer com que nos conheçamos e passemos a conviver familiarmente, mesmo que a estada seja curta como a nossa, que precisamos apenas pernoitar no albergue. Outras pessoas, contudo, necessitam ficar a semana inteira.

O horário de dormir, embora não esteja escrito em nenhum lugar, é normalmente às 22h, quando os pacientes do Hospital Santa Rita e seus acompanhantes, vão se recolher para no dia seguinte, seguir para o Hospital onde passarão por mais uma sessão de quimioterapia, radioterapia ou outros exames.

Esta rotina é de quem vive nos municípios distantes da capital (Vitória) e precisam de tratamento contra o câncer. Mas o que me levou a escrever o presente texto, além de passar uma idéia de como é a vida de quem está com câncer e tem na hospedagem mais um fator de dificuldade, é registrar o quanto o ser humano pode ser bom e através da solidariedade, promover a esperança para aqueles que estão em condições tão difíceis, do ponto de vista físico e emocional.

O albergue que me refiro é uma entidade sem fins lucrativos chamada “Associação Albergue Martim Lutero”, existente há mais de 10 anos no bairro Tabuazeiro, em Vitória, e foi concebida através dos dízimos, ofertas e outros mecanismos de arrecadação, tais como rifas e similares, realizados pelos membros da Igreja Luterana da região Centro-Serrana do Estado.

Quando fomos convidados a participar de uma reunião onde a responsável pelo local daria explicações sobre o funcionamento da “casa”, as fontes que a mantém, entre outras informações, soubemos que os convênios existentes são mínimos, inclusive apenas quatro prefeituras (até o momento) se dispuseram a ser parceiras no projeto, além, é claro, do Hospital Santa Rita que mantém fielmente o convênio permitindo que pessoas que não sejam dos municípios não-conveniados, possam ficar no albergue, embora, é preciso torcer para que não esteja lotado no momento em que se solicita a hospedagem.

Um detalhe que me chamou a atenção é que a filosofia da Entidade é a de não fazer propaganda. A responsável pelo local chegou a dizer que se “evita” inclusive ajuda de políticos para que não queiram fazer disso um meio de angariar votos. Isto, talvez, explique o reduzido número de convênios com Prefeituras, sendo que as quatro que aceitaram tais condições, nunca tiveram os nomes dos respectivos prefeitos mencionados em nenhum lugar no albergue, ou fora dele.

A “obra” é da Igreja Luterana e os descendentes alemães dos municípios da região Centro-Serrana, tais como Itarana, Santa Leopoldina, Santa Maria de Jetibá, Domingos Martins entre outros, levam muito a sério esse trabalho e é de lá, desta região mencionada, que surgiu e surgem os recursos para a construção de tão abençoado lugar, bem como doações de alimentos, material de limpeza, etc... doações que o albergue aceita de qualquer pessoa que queira colaborar com o trabalho da Entidade.

Torçamos para que outras Prefeituras Municipais, empresas e pessoas físicas mesmo, despertem para esse tipo de trabalho e procurem a Associação Albergue Martim Lutero para oferecer qualquer ajuda. A mínima possível, já ajudará bastante a manter uma “casa” tão maravilhosa e que tanto bem faz às pessoas que estão necessitando de ajuda num momento tão difícil de suas vidas e longe, muito longe de casa!

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Escola para vestibular?

João Baptista Herkenhoff

O projeto de escolas destinadas a formar jovens para exames vestibulares revela e denuncia um projeto de sociedade do qual se extirpou uma visão universal da vida. As escolas para vestibular são sintoma de uma organização social que perdeu os referenciais justificadores de nossa passagem por este mundo. Aboliu-se a educação humanística, que era a inspiração dos antigos ginásios.

A formação escolar não é mais lastreada pelo objetivo de abrir horizontes, desenvolver o espírito crítico, favorecer a criatividade, apostar na dúvida, pois que a dúvida é o grande caminho do pensamento. Não se lêem mais, com o devido realce e interesse, as grandes obras da Literatura Brasileira e Universal, mas resumos dessas obras, porque em exames vestibulares o que conta é saber marcar “x” na opção apontada como correta. Os resumos dão conta desse recado. É possível o candidato alcançar nota máxima numa prova de Literatura, sem jamais ter lido uma obra literária integralmente. Não se formam mais jovens que encontrem seu papel no mundo, independente de eventual aprovação em exames vestibulares.

Mesmo quando se estuda Filosofia, em tais escolas, não se pretende com esse ensino preparar a mente do jovem para o questionamento porque o questionamento não cabe em exames vestibulares. O ensino da Filosofia é dirigido para o enquadramento. Jamais saberão pensar com independência, grandeza e senso ético jovens egressos de escolas para vestibular, a menos que esses jovens encontrem em outros espaços sociais a oportunidade que tais escolas lhes negaram.

A fixação em exames vestibulares é tão grande que escolas circunscritas a esse papel chegam a disputar a concorrência com suas congêneres apresentando cifras de aprovação. Quando conquistam para suas clientelas colocações em “primeiro lugar” nas provas, toda uma massa publicitária exalta o feito. Jovens aprovados em primeiro lugar serão, necessariamente, os melhores profissionais no futuro? Ou ampliando a indagação: jovens campeões serão os mais felizes, os mais integrados, ou se despedaçarão em conflitos e frustrações porque aprenderam a supor que nossa existência é uma corrida de Fórmula Um? Não se trata apenas de questionar as “escolas para vestibular”. Atrás dessa questão visível há um debate muito mais importante e profundo.

A que se destina a educação? Quais são as finalidades de uma escola? Que diretrizes deveremos propor aos jovens para que lhes sirvam como itinerário da existência? O grande valor que deve alimentar nossas vidas particulares e a vida das sociedades é a competição ou a cooperação? Trata-se de matéria para longas discussões. Este texto apenas propõe quesitos elementares que suponho sejam úteis à reflexão.

João Baptista Herkenhoff, 75 anos, magistrado aposentado, professor na Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo. Autor de: Dilemas de um juiz, a aventura obrigatória (GZ Editora, 2009); Filosofia do Direito (GZ, 2010); Curso de Direitos Humanos (Editora Santuário, 2011).

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A Poesia das Cartas


João Baptista Herkenhoff

Da mesma forma que proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos e aDeclaração Universal dos Direitos da Criança, a ONU também proclamou aDeclaração Universal dos Direitos do Idoso. É um documento da maior importância, não tão conhecido quanto merece ser. Nele se afirma que o idoso tem direito de continuar a viver em sua própria casa, cidade e ambiente social. Tem o direito de decidir que tipo de assistência prefere. Ainda a Carta de Direitos dos Idosos determina que cabe ao Governo o dever de assegurar a eles uma renda adequada à sobrevivência digna. Concordo com tudo isto, mas acho que se omitiu a proclamação de um dos direitos do idoso: o direito à saudade. No elenco da Declaração de Direitos das Pessoas de Terceira Idade penso que deveria ter sido contemplado expressamente o saudosismo como direito fundamental.

Nestes tempos em que vivo os altos e baixos da Terceira Idade, fui surpreendido por um sentimento intenso de saudosismo. A primeira saudade que me acudiu foi a saudade das cartas.

Sou do tempo das cartas por via postal, que carregavam um certo mistério.

Aderi à internet, aos e-mails, pela praticidade deste tipo de comunicação, mas tenho saudade das cartas de antigamente. Os e-mails também podem ter muita força de comunicação, mas as cartas tinham um sabor especial.

A primeira beleza das cartas é que dependiam da entrega e o carteiro era muitas vezes esperado com ansiedade e alegria. Não foi à toa que a alma de Pablo Neruda atingiu culminâncias em “O Carteiro e o Poeta”. Numa perdida ilha do Mediterrâneo, um carteiro recebe a ajuda do poeta Pablo Neruda para, através da Poesia, conquistar o amor de Beatrice, sua eleita. O carteiro, que era o mediador da correspondência do Poeta, aprende, aos poucos, a traduzir em palavras seus sentimentos pela amada. Em troca, Mário, o carteiro, foi o interlocutor do Poeta, mostrando-se capaz de ouvir suas lembranças do Chile e compreender as dores do exilado.

Guardo todas as cartas que recebi de minha esposa quando éramos namorados. Como ela também guardou as que eu mandei, temos em nosso arquivo todas as cartas que trocamos. Hoje estou vivendo a década dos setenta. Eu a conheci quando tinha dezessete anos.

Tenho também saudade do flerte. Hoje já não se flerta mais. Flerte, que coisa linda! Mulher objeto? De forma alguma... Mulher destinatária... da admiração, do encantamento, do discreto desejo. Suprimiram-se as etapas do amor. Numa sociedade capitalista não se perde tempo. O tempo destinado à poesia, numa sociedade de consumo, escrava do ter, desalmada, é tempo perdido.

Mas temos de reagir. Salvaguardar a Poesia porque Poesia é Humanismo.

Que mundo triste seria este mundo se desaparecessem os poetas.
“Mãos, cabelos, corpo, músculos, seios, extraordinário milagre de coisas suaves e sensíveis, tépidas, feitas para serem infinitamente amadas. Mas o seu belo braço foi num instante para mim a própria imagem da vida, e não o esquecerei depressa.”(Rubem Braga).

“Pode teu seio roçar de leve em meu braço,
podes ficar em silêncio, olhando longe – não me torturo;
uma grande, uma total serenidade desceu sobre nós
na noite leve leve, clara clara, clara e leve.” (Newton Braga).

“Trancou-se no quarto, olhou-se no pequeno espelho, reparou que o rosto estava afogueado, considerou demoradamente o seu corpo, apalpou com complacência os seios rijos, cujos bicos ficaram intumescidos, imaginou, pela centésima vez, as carícias, os abraços, os beijos do namorado, que já não tinha mais o que esperar”. (Aylton Rocha Bermudes).

“No silêncio da noite houve um frufru nervoso.
Apenas minha mão que, abrindo ala entre rendas,
Buscou teu seio como um pássaro medroso.
Foi tão leve a carícia que te fiz,
Tão medrosa, tão cheia de segredos,
Que foi surpreso que senti, feliz,
Teu corpo estremecer ao toque dos meus dedos.” (Athayr Cagnin).

“Sejam-me frutos os teus seios verdes,
quando a fome do amor pulsar em mim.
Sejas o vinho em hálito odoroso,
que me vem antes e depois do sono”. (Evandro Moreira).

“Os meus seios redondos são quais flores
Quais rosas em botões intumescidos,
Que te causam o desejo de sabores,
Alertando-me os múltiplos sentidos.” (Renata Cordeiro).

“Amar, jovem, é pouco, e ainda que doam
As palavras nos lábios, ao dizê-las,
esquece os teus cantares. Já não soam.
Cantar é mais. Cantar é um outro alento.
Ar para nada. Arfar em deus. Um vento.” (Rainer Maria Rilke, tradução de Augusto de Campos).

“O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só as que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.” (Fernando Pessoa).

João Baptista Herkenhoff, 75 anos, magistrado aposentado, é professor da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo, conferencista e escritor. Autor do livroOs novos pecados capitais (Editora José Oympio, Rio). E-mail:jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Não apedrejem a moça nua

João Baptista Herkenhoff
A respeito de fato rumoroso, que aconteceu no Espírito Santo, faço uma reflexão que me parece pertinente em qualquer lugar e a qualquer tempo. Desejo partilhar com os leitores os pensamentos que me assaltaram e que ainda repercutem em minha consciência. A hipocrisia da sociedade é, às vezes, revoltante.

Não vejo nenhuma reação social à exibição de atrizes nuas, rodopiando sensualmente em canais abertos de televisão, em horários franqueados a todas as idades. Interesses comerciais altíssimos estão em jogo nesses casos. O lucro é franquia para qualquer comportamento, mesmo aqueles que agridem nossos filhos, nossas filhas, nossos netos, nossas netas.

Os artigos da Constituição Federal que determinam tenha a televisão finalidade educativa, com a criação de um Conselho Nacional de Comunicação Social, formado por representantes da sociedade civil, ainda dependem de efetivação honesta, não obstante a Constituição tenha ultrapassado vinte anos de vigência. A regulamentação séria e a execução independente desses artigos reduz o lucro e ai de quem queira mexer com o “deus lucro”.

Não se vê qualquer relação (ou se vê, mas se finge não ver) entre a cena da atriz nua que rodopia com luxúria diante de milhões de pessoas e a cena da pobre Leidiane, que também rodopia, igualmente nua, diante de um público de, quando muito, duas centenas de pessoas. O fato, que aconteceu em Vitória, teve repercussão nacional. Leidiane rodopiou para ganhar setecentos reais. Viúva, com três filhos, tendo ainda sob responsabilidade a Mãe, foi tentada pela promessa de recompensa. Quem são os responsáveis por esses bailes que propiciam clima para essas coisas? Quais os interesses econômicos que estão atrás de tudo? A sociedade está preocupada em exaltar valores positivos, em formar a juventude, em assegurar escola pública de ótima qualidade para todos? A sociedade está engajada no esforço de formar cidadãos e cidadãs que encontrem seu lugar no mundo? A sociedade está abrindo canais de esperança e de futuro para milhões de pessoas que suplicam por uma oportunidade de trabalho? Ou a sociedade só sabe levantar o braço pedindo que Madalena seja apedrejada? No dia mesmo em que estourou o caso pela imprensa, eu supliquei: Não apedrejem Leidiane.

Eu me solidarizo com essa moça e com sua família. Eu me solidarizo com a Mãe de Leidiane, que teve uma crise nervosa na Delegacia, vendo a filha ser fotografada e filmada. Não pode um gesto impensado destruir a vida de uma jovem, comprometendo inclusive o sossego de seus filhos, ainda pequenos. Temos de defender valores morais, sim. Temos de velar para que o sexo não seja banalizado. Mas temos de ter misericórdia também. A lei não existe para ser interpretada friamente. Em alguns momentos é preciso que o intérprete pouse sobre a lei um olhar de ternura.

João Baptista Herkenhoff, 75 anos, magistrado (aposentado), professor (em atividade) na Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo. Autor de: Curso de Direitos Humanos (Editora Santuário, Aparecida, 2011).

sábado, 10 de dezembro de 2011

Dez de Dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos

João Baptista Herkenhoff

A Carta das Nações Unidas, que criou a ONU, estabeleceu como um dos propósitos desse organismo internacional promover e estimular o respeito aos Direitos Humanos.
Em atendimento a esse objetivo, o Conselho Econômico e Social, órgão responsável por esta matéria no seio da ONU, criou a Comissão de Direitos Humanos.

A Comissão de Direitos Humanos, como sua primeira empreitada, discutiu e votou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, submetida depois à Assembléia Geral.A Assembléia Geral da ONU aprovou e proclamou solenemente a Declaração no dia 10 de dezembro de 1948. A cada passagem do 10 de Dezembro, em todo o mundo, a Declaração é celebrada ou, o que é ainda melhor, a Declaração é discutida.

A passagem do aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de uma forma ou de outra, tem provocado sempre um sadio debate mundial em torno da Declaração. No Brasil o clima de interesse pela questão dos Direitos Humanos tem crescido muito. Tanto a discussão teórica e geral, sempre importante, quanto a discussão concreta, dirigida à realidade de Estados, Municípios, regiões.

As Comissões de Direitos Humanos e órgãos similares multiplicam-se por todo o território nacional: comissões ligadas às OABs, às Igrejas, a Assembléias Legislativas, a Câmaras Municipais, Comissões de origem popular que testemunham o grito da sociedade no sentido da construção de um Brasil mais justo e digno para todos. Em muitos Estados da Federação (São Paulo, Pernambuco, Espírito Santo e outros), a partir das Comissões “Justiça e Paz”, que surgiram em plena ditadura militar, por inspiração da Igreja Católica (mas numa abertura ecumênica), quantos frutos e sementes advieram.

O trabalho da ONU, em favor dos Direitos Humanos, não tem sido realizado pelo Conselho de Segurança, um esdrúxulo organismo no qual as nações poderosas têm “poder de veto”, em radical oposição ao princípio da igualdade jurídica das Nações. A igualdade jurídica das nações, postulado da mais profunda radicação ética, foi defendida por Rui Barbosa, na Conferência de Haia, em 1907.

A luta da ONU pelos Direitos Humanos deve ser creditada a suas agências especializadas e à Assembléia Geral, um organismo democrático onde se assentam, com igualdade, todas as nações.
Temos muitas reservas a recentes decisões da ONU, autorizando e decretando intervenções militares em diversos países.

Não obscurecemos as falhas e impropriedades que marcam certas posições adotadas por esse organismo internacional, ao aprovar a geografia do poder presentemente reinante e o instrumento bélico de sua imposição a todos os povos do mundo. Essa política injusta, sob a chancela da ONU, tem sido adotada por pressão das potências que detêm a hegemonia econômica, política e militar no mundo de hoje, mas não tem respaldo na opinião pública mundial. Muitas críticas têm sido feitas à face militarista de uma organização que nasceu sob o signo da Paz.

Se a voz da ONU não tem efetividade, em muitas situações, porque nações poderosas recusam obediência a suas determinações, a força moral de suas deliberações pacifistas é muito grande.
Exaltamos os esforços da ONU, em prol dos Direitos Humanos, no decorrer de sua existência.

João Baptista Herkenhoff, 75 anos, magistrado (aposentado), professor (em atividade) na Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo, palestrante Brasil afora, escritor. Autor do livro Direitos Humanos – uma idéia, muitas vozes (Aparecida, SP, Editora Santuário). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Sal-gema e Royalties: A história não se repete...


Há cerca de 9 anos, quando o município de Conceição da Barra foi governado pelo PMDB (2001-2004), o então prefeito Chico Donato estimulou a Secretaria Municipal de Meio Ambiente a proceder ações em conjunto com o Instituto Estadual de Meio Ambiente (IEMA) e a Petrobrás no sentido de fazer estudos sobre impactos ambientais da possível exploração do mineral sal-gema em nosso território, haja visto, tratar-se da maior jazida da América Latina, segundo não cansa de noticiar o jornalista Cacau Monjardim, o mesmo que criou o slogan mais famoso do Espírito Santo, “moqueca é capixaba, o resto é peixada”.

Ocorre que antes de finalizar os procedimentos de impacto ambiental, um check list infindável – diga-se de passagem – a ministra de Minas e Energia à época, hoje, presidente do Brasil, Dilma Rousseff, determinou que a Petrobrás cancelasse os estudos feitos no Espírito Santo, relativos ao sal-gema, argumentando que em audiência com a então governadora do Rio Grande do Norte, Vilma de Faria, esta lhe relatou que a exploração do mineral em solo capixaba, inviabilizaria o seu Estado, tendo em vista que boa parte de sua economia baseava-se na exploração do sal-gema.

Evidentemente que o fato da governadora do Rio Grande do Norte, por ser de um partido aliado, o PSB, não poderia ficar desassistida, justificando até que o Governo Federal recusasse explorar mais riquezas no subsolo brasileiro, e neste caso, solo capixaba, para que não prejudicasse o governo potiguar. Contudo, o que me surpreende neste momento é que essa mesma leitura não está sendo feita no nosso caso no que diz respeito aos royalties do petróleo. A hoje presidente da República Dilma Rousseff, que no passado foi quem determinou que a Petrobrás paralisasse os estudos relativos à exploração de sal-gema em Conceição da Barra, ignora o Espírito Santo que por sinal, também é governado por um partido aliado, e para ser mais exato ainda, o próprio PSB, do governador Renato Casagrande.

Se o protecionismo partidário funcionou no passado, interrompendo um processo legítimo de impacto ambiental que poderia resultar na viabilidade da exploração desse importante mineral em Conceição da Barra para uso, sobretudo, na região sudeste que detém a maior parte das indústrias brasileiras, por que não funciona agora, em relação aos royalties e o fundap, quando a alteração de ambos pode resultar na falência do nosso Estado? O Espírito Santo pode falir e o Rio Grande do Norte, não?

Se realmente há preocupações por parte do Governo Federal em relação ao Estado do Espírito Santo em ser compensado com as prováveis perdas, tanto dos royalties do petróleo, quanto do fundap, é preciso considerar a idéia de que a jazida de sal-gema em Conceição da Barra, se os estudos da Petrobrás não estão errados, é uma riqueza que neste momento seria muito bem vinda para o nosso Estado, com a geração de impostos, além de estirpar a estupidez de negar-se a explorar algo, sob o argumento de que este procedimento faria outro estado da Federação falir.