domingo, 6 de maio de 2012

Depor ou calar?



               João Baptista Herkenhoff
 
Há pessoas que nunca falam sobre si mesmo, sobre coisas que fizeram ou deixaram de fazer. Entendem que o recato é virtude.
Outras pessoas não se importam em relatar suas aventuras ou desventuras. Fazem-no com naturalidade.
Diante da decisão de depor ou calar creio que haja uma circunstância fundamental: essa pessoa que vai falar, ou ficar quieta no seu canto, é uma pessoa jovem ou idosa?
Se é um jovem talvez o melhor seja mesmo guardar sigilo, como os mineiros, daquela forma genialmente descrita pelo mineiro Carlos Drummond de Andrade: “As montanhas escondem o que é Minas. Ninguém sabe Minas. Só os mineiros sabem. E não dizem nem a si mesmos o irrevelável segredo chamado Minas.”
Se é idoso tudo muda: até quando estará vivo para depor?
Daí que, a meu ver, um dos mais importantes deveres das pessoas mais velhas é o de prestar depoimento, não importando a profissão que exerceram ou ainda estejam exercendo.
Fundamental, para que o depoimento seja válido, é que seja sincero, ainda que possamos incorrer em falhas ou omissões por lapso de memória. Aliás, ter alguns esquecimentos é um dos direitos das pessoas de Terceira Idade.
O depoimento que presto a refere-se a um aspecto da vida, a uma atividade desempenhada.
Fui membro da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória, convidado para esse encargo pelos bispos Dom João Baptista da Mota e Albuquerque e Dom Luís Gonzaga Fernandes. Naqueles tempos, em inúmeras situações concretas, a palavra oficial da Igreja foi expressada pela Comissão Justiça e Paz, por entenderem os Bispos que, diante de algumas matérias, a palavra mais apropriada devia ser dita por um organismo eclesial leigo.
Depois de convocado para a CJP pelos Bispos, fui eleito presidente pelos companheiros que integravam referida Comissão.
Pelo fato de estar exercendo a presidência da Comissão de Justiça e Paz respondi a processo perante o Conselho Superior da Magistratura.
Interpretando literalmente a lei, concluíam os desembargadores que magistrado da ativa não podia presidir associações. Não entenderam, ou não quiseram entender, que a Comissão de Justiça e Paz não era uma associação, mas um organismo de Igreja.
Quando recebi a intimação para a audiência, telefonei para Dom Luís Fernandes pedindo que me aconselhasse sobre como eu deveria me defender. Ele foi direto, como era do seu feitio. Abra o Evangelho e leia aquela passagem: Quando fordes chamado a tribunal por causa do meu nome, não vos preocupeis com o que haveis de dizer. O Espírito vos soprará. Obedeci.Veio a inspiração na hora. Invoquei a inviolabilidade de consciência para me isentar de punição. Graças à opinião do Desembargador Homero Mafra, o processo foi arquivado.
O Brasil estava então sob ditadura. A CJP posicionou-se contra todos os abusos que então eram praticados. Os membros da Comissão enfrentamos perigos. O maior sofrimento pessoal que tive foi a ameaça de sequestro de meu filho único.
Um dos heróicos membros da Comissão foi o Dr. Ewerton Montenegro Guimarães, que lutou bravamente contra o Esquadrão da Morte. Certo dia o Dr. Ewerton me disse que tinha dúvida de Fé, não tinha certeza da existência de Deus. Respondi: meu caro Ewerton, a Fé não é uma proclamação verbal. Você é um homem de Fé porque sua vida é uma vida de luta pela Justiça e a Justiça é manifestação de Deus. Tem Fé quem ama o próximo, mesmo sem proclamar o nome de Deus. Não tem Fé quem bate com a mão no peito e ignora o sofrimento dos irmãos.
 
João Baptista Herkenhoff, Juiz aposentado, professor da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.brHomepage: www.jbherkenhoff.com.br

Um comentário:

  1. Nas culturas antigas como Grécia e Roma, os idosos tinham um espaço próprio pra dar esses depoimentos, e os jovens faziam fila pra ouví-los falar desde os assusntos de casa mais comezinhos, até os financeiros, onde os jovens buscavam encurtar o caminho pra fazer fortunas, ou simplesmente maneiras de conquistar ou manter suas familias da melhor forma possivel. Hoje em dia infelismente eles são relegados aos depositos de gente chamados de asilo.

    Vinicius Daher

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