João Baptista Herkenhoff
Quando eu era Juiz de Direito, em atividade, era chamado por algumas
pessoas, pejorativamente, com o codinome de jurista marginal. O epíteto não me
era atribuído pelos leigos em Direito, o que seria menos doloroso, mas por
profissionais que integravam o universo jurídico
Isto acontecia porque, seguindo a consciência e por uma questão de foro
íntimo, eu dava sentenças que, naquela época, não guardavam sintonia com o
pensamento dominante e a jurisprudência dos tribunais superiores.
Na década de 1960 – esclareça-se esta data porque é essencial – preferia
absolver a condenar. Optava por dar penas leves, quando era obrigado a
condenar, do que aplicar pesadas penas. Acreditava na palavra e dialogava com
acusados e réus, tratando-os como seres humanos, portadores de dignidade porque
tinham na alma, ainda que trangressores da lei, o selo de Deus. Confiava em
acusados e réus, firmando com eles pactos de bem viver. Emocionava-me porque
nenhuma lei ou código de ética proíbe o juiz de ter emoções. Colocava nos
despachos e decisões a Fé que recebi na infância. Assim agia por entender que o
Estado é laico mas o magistrado, embora integrando um dos Poderes estatais,
pode revelar sua crença, sem ferir a laicidade do Estado. Esforçava-me por
obter acordos, no juízo cível, evitando que as partes prolongassem as
contendas.
Esta visão do Direito não era, de forma alguma, partilhada, naqueles
tempos distantes, pelos magistrados do andar de cima. Não fosse o apoio
entusiástico e a compreensão integral principalmente de três desembargadores –
Carlos Teixeira de Campos, Mário da Silva Nunes e Homero Mafra – teria sido
muito difícil resistir às pressões.
Porque tudo que eu fazia, era feito com retidão de propósito, o apelido
de jurista marginal me magoava muito.
Certo dia veio-me a inspiração. Por que eu não transformava a alcunha
ofensiva em arma de defesa, de modo a desarmar os opositores?
Havia, dentre os que se opunham à conduta judicial adotada, pessoas de
espírito nobre, que nada tinham de pessoal contra o juiz marginal, mas apenas
discordavam de seus métodos.
Em homenagem a estes era preciso dar uma resposta racional e elegante
aos questionamentos.
Tudo ponderado, como se diz no final das sentenças, escrevi um livro,
defendendo a orientação adotada nos decisórios que estavam sendo atacados. Dei
ao livro este título: Escritos de um jurista marginal.
Atribuindo a mim mesmo o adjetivo nada elogioso, dava nos adversários
mentais um dribe decisivo.
A obra foi publicada pela Livraria do Advogado Editora, de Porto Alegre.
Procurei, de caso pensado, uma editora localizada bem longe do Espírito Santo.
Lá das plagas gaúchas, eu lançaria o livro. Pareceu-me bastante adequado
escolher o sul do Brasil para dar início ao périplo pretendido.
João
Baptista Herkenhoff é magistrado aposentado, palestrante e escritor. Acaba de
publicar Encontro do Direito com a Poesia – crônicas e escritos leves (GEditora,
Rio de Janeiro).
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