sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

O cisto

O ano não é possível precisar, mas seguramente aconteceu no fim da década de 70 ou início da de 80. O médico novato numa comunidade carente, norte do estado do Espírito Santo, fazia parte de uma equipe coordenada por um experiente e importante médico do Município, que inclusive chegou a ser eleito prefeito da cidade.

Ao chegar na localidade, vindo da cidade grande onde fez o curso e a residência em grandes hospitais, o médico novato se deparou com um caso, digamos, inusitado. Ao atender uma senhora, que reclamava de dores provenientes de um “cisto” que a incomodava já a algum tempo, o jovem médico concluiu (só de olhar) que na realidade não se tratava de um cisto, mas, de um bebê. Ao dizer isto para a paciente, sua reação foi a das mais surpreendentes possível para o jovem médico:

– O senhor me respeite, eu sou viúva e além do mais sou evangélica! Disse a paciente bastante alterada, saindo do consultório garantindo que o insulto não iria ficar barato.

Apesar da surpresa do médico, vendo a reação da senhora que ao invés de alegrar-se com a notícia, saíra revoltada do consultório, o jovem médico continuou sua missão - árdua diga-se de passagem - considerando sobretudo as péssimas condições locais para o pleno exercício da medicina.

No dia seguinte – ou no mesmo dia, não se sabe ao certo – entra de porta-a-dentro do consultório médico, o Pastor da igreja a qual a citada senhora era membro, cobrando explicações pelo tão “desaforado” diagnóstico apresentado à “irmã” que, viúva, não se conformara com o que disse o médico acerca do seu problema.

O jovem médico, na tentativa de amenizar o constrangimento, porém, convicto de que se tratava de uma gravidez mesmo, disse que sua suspeita só poderia se comprovada com exames apropriados e que a encaminharia para a sede do Município, onde o chefe da equipe médica local, experiente e com mais recursos, poderia apresentar um diagnóstico mais preciso. Assim sendo, encaminhou a paciente para a sede do Município com um bilhete ao colega médico que dizia mais ou menos assim:

“Doutor, encaminho este caso para que o senhor avalie se realmente trata-se de um cisto, uma vez que a paciente não concorda com o meu diagnóstico apontando para uma gravidez”.

Dias depois, o jovem médico recebe o retorno de seu bilhete, com as seguintes palavras:

“Doutor, avaliamos o caso e concluímos que o “cisto” da sua paciente possui bracinhos, perninhas, olhinhos, boquinha... e espero que de sua parte possa ajuda-la nos exames pré-natais que são fundamentais para esse tipo de caso.”

A história que acabei de contar, pode até não ser exatamente como eu narrei. Pode ser que eu tenha omitido algum detalhe. Mas é real e demonstra o quanto até nos dias de hoje, há muita dificuldade em conseguir fazer com que as pessoas possam se desvencilhar de alguns conceitos, ou até pré-conceitos, em nome da “moral e bons costumes”, o que, efetivamente, tem levado muitos ao sofrimento e impedindo por exemplo que um determinado tratamento de saúde não seja realizado, por conta desses empecilhos atrelados, sobretudo, à falta do CONHECIMENTO.

Doenças tais como “câncer de próstata”, só para exemplificar, tem seu diagnóstico retardado e por conta disso, um tratamento com complicações ampliadas, em razão da dificuldade que tem os homens, especialmente os mais idosos, de se submeterem em tempo hábil ao desconfortável mas fundamentais exames especialmente o de toque.


Como dizem por aí: Fica a dica!

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