sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Conceição da Barra renasce com a conclusão das obras da Orla


Após 20 anos de luta, a população do município de Conceição da Barra, localizada a 260 km da capital do estado do Espírito Santo (Vitória), vive o seu momento de glória. Com a conclusão das obras de contenção marítima, o município está envolto a uma atmosfera de otimismo que reflete no número de pessoas que escolheram o balneário para passar os feriados de natal e ano novo, bem como, o período de verão que embora com chuvas, não tem tirado o brilho dessa cidade acolhedora e que está sempre pronta para receber turistas de todas as partes do Brasil.

Por isso, para você que ainda não decidiu aonde gozar dias de muita paz, tranqüilidade e também de muitas festas nesses dias de verão, não precisa pensar mais. Conceição da Barra é o lugar onde você encontrará uma infra-estrutura adequada para você e sua família curtirem um verão maravilhoso. Temos mais de 1200 leitos disponíveis nos hotéis e pousadas, casas para alugar, campings, padarias e lanchonetes, água tratada, hospital, e muito mais.

Venha para Conceição da Barra e compartilhe conosco dessa alegria em ver a nossa cidade renascendo diante de tanta adversidade pela qual passamos todos esses anos.

Sejam bem vindos! Abaixo, a programação de lazer durante todo o verão para você e sua família:


Programação de Reveillon de Conceição da Barra

SEDE

Dia 31 de dezembro – Réveillon
Flavinha Mendonça
Bomd Kama
Agitus

Dia 1° de janeiro
Andrés Lelis
Praktum
Evandro e Raniery
Banda D’ Luar

Dia 02 de Janeiro
Banda AUE (tarde)


DISTRITO DE BRAÇO DO RIO

Dia 1° de janeiro
Banda Pegada
Banda Black Out

Dia 02 de Janeiro
Banda Metamorfose
Ases do Forró

DISTRITO DE ITAUNAS


Thiago Aranha - Praça da Igreja à partir das 23h.


PROGRAMAÇÃO DO MÊS DE JANEIRO 2011


Dia 07 de janeiro
Arere
Metrópolis
Ases do Forró


Dia 08 de janeiro
Fernanda Pádua
Cerradus
Planeta Banana
Praktum


Dia 14 de janeiro
Agitus
Netinho


Dia 15 de Janeiro
Praktum
D’Luar
Manogueto


Dia 21 de janeiro
Showcan’t
Arere


Dia 22 de janeiro
Evandro e Raniery elétrico
Vixe Mainha
Praktum
Cerradus


Dia 28 de janeiro
Via Marte
Agitus


Dia 29 de janeiro
Flavinha Mendonça
D’Luar
Praktum
Swing Batifum


O Verão Barra+Legal retorna para o centro da cidade, no tradicional Circuito da Folia, com shows no palco e no trio elétrico. Os shows começam a partir das 21h, com Trio Carreta no verão e Trio Truck no Carnaval. O Rock da Tarde será realizado em todos os sábados a partir das 16h.

A Tenda Jovem funcionará de quinta a domingo na Orla de Conceição da Barra com atrações musicais e ginástica aeróbica. Na Tenda da Cultura diversas apresentações folclóricas, oficinas, shows de Sarau garantem a diversão.


Fonte: Ascom (Prefeitura Municipal)

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Quando o Natal não for um dia

João Baptista Herkenhoff

Via-se que era um homem rico. Pelos trajes, pela postura, pela maneira como olhava tudo ao redor. A impressão que transmitia era justamente essa: tudo posso, sou senhor e sou dono. Eu olhava de longe, como simples observador.

Era difícil enxergar com profundidade, naquele ambiente de compras apressadas, de barulho ensurdecedor. Prefiro a quietude, mas não posso fugir do burburinho, em algumas situações especiais. A criança, rompendo as normas de segurança, penetrou naquele lugar, sem portar no rosto e nos trajes a senha exigida: “sou um consumidor em potencial”. O homem rico baixou os olhos e viu a criança pobre. Havia tristeza no olhar do menino. Tirou da carteira uma nota de 50 reais e disse ao garoto: “Tome, compre um presente de Natal.”

O pirralho apanhou a nota, um sorriso de satisfação estampou-se em seu semblante. Saiu correndo com a nota bonita por entre os dedos pequeninos.
Observei o rosto daquele homem que olhava para tudo como senhor e dono. Pude captar seu pensamento: “Que coisa maravilhosa! Sinto-me feliz. Esse sorriso de criança deu-me mais satisfação, mais contentamento do que as festas a que vou, do que os empregados que me servem, do que os automóveis de que me sirvo, do que os amigos que me bajulam.”

Dialoguei em silêncio com o homem rico:

“Sim, meu caro. Os homens fogem da felicidade. O mundo é triste porque o Natal é apenas um dia. Quando toda noite for semelhante à noite em que Jesus nasceu, quando toda manhã for manhã de Natal, nossa vida mudará. Ah, se fôssemos uma corrente contínua de amor, se não fôssemos egoístas, avaros, competidores, fera junto ao irmão, construiríamos um mundo novo. Se praticássemos a Caridade, como o Apóstolo Paulo a descreveu numa epístola imortal, que bom seria viver neste mundo, então transformado em morada fraterna. A Caridade é a ajuda que ninguém testemunha, é a palavra de carinho, o conselho amigo, o sorriso e o aceno, a disponibilidade completa, a humildade contínua. A Caridade é a luta pela transformação das estruturas sociais, é o combate permanente para construir a Justiça e a Paz. A Caridade é a pugna incessante contra todas as formas de opressão, marginalização e discriminação, pugna que muitas vezes cobra, como preço, a própria vida dos lutadores, mártires da edificação de uma outra sociedade. Quando o Natal não for apenas um dia, até o Dia de Natal será diferente. Ninguém estará fora da celebração, não haverá muros, não haverá divisões.”

João Baptista Herkenhoff, magistrado aposentado, 74 anos, é professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES). Autor do livro Mulheres no banco dos réus – o universo feminino sob o olhar de um juiz (Editora Forense, Rio, 2009).
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

sábado, 11 de dezembro de 2010

Seminário da FUG em Brasília encerra ano do PMDB


Nos dias 07 e 08 de dezembro, o Seminário "Estradas e Bandeiras - Rumo aos Municipios-2012", realizado pela Fundação Ulysses Guimarães, em Brasília, encerrou com chave de ouro o trabalho desenvolvido nos últimos três anos pela Fundação, no tocante aos Cursos de Formação Política (EAD), que vem sendo oferecidos GRATUITAMENTE em vários estados brasileiros. Além dos debates em torno do sucesso dos cursos, e as dificuldades para fazê-los chegar a todos, as palestras ministradas pelo deputado Eliseu Padilha, presidente da FUG nacional; o professor Gervásio Neves, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; o senador Ronan Tito, do PMDB de Minas Gerais, entre outros, foram importantes pronunciamentos que nortearam as dicussões sobre o que pretende o PMDB para os próximos anos: O fortalecimento das bases partidárias, a efetivação de candidaturas próprias a prefeitos, vice-prefeitos e vereadores, já em 2012, e em 2014, uma postura bem mais arrojada que inclui a possibilidade de apresentar a sociedade, uma legítima candidatura à Presidência da Republica.

Durante o Seminário, que reuniu representantes da Fundação Ulysses Guimarães de diversos estados brasileiros, incluindo o estado do Espirito Santo, o Conselho Curador da FUG propôs a publicação, já no inicio do próximo ano, de obras literárias contendo o "pensamento político" de diversas personalidades brasileiras, ficando a cargo dos peemedebistas as sugestões dos nomes. Nomes como Ulysses Guimarães, Juscelino Kubtshek, Getúlio Vargas, Castro Alves e muitos outros, fazem parte da seleta lista. O material tem por finalidade oferecer aos estudantes e sociedade em geral, a oportunidade de observar a importância do pensamento político na construção do futuro da sociedade brasileira. Particularmente, sugeri o nome do senador João Calmon, por sua importância como cidadão e sobretudo, enquanto Senador da República, pela dedicação à Educação no Brasil, sendo o autor da Lei que obriga União, Estados e Municípios a aplicarem, no mínimo, 25% do Orçamento em Educação.

Representando o estado do Espirito Santo, o presidente do PMDB capixaba deputado federal Lelo Coimbra; o presidente da FUG/ES Chico Donato e os coordenadores Cely Dutra, de Baixo Guandu, e eu, de Conceição da Barra, saímos do seminário renovados para dar continuidade ao trabalho no estado e com a certeza de que os cursos de formação política da FUG, é um importante alicerce para a formação das bases do partido em nível nacional. As palavras do ilustre vice-presidente eleito do Brasil, Michel Temer, presente ao evento, de que a Fundação poderá ser a norteadora das políticas a serem discutidas no âmbito da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos, comandada pelo PMDB na pessoa do ex-governador do Rio de Janeiro, Moreira Franco, nos deu a exata dimensão da importância do trabalho que temos pela frente na formatação de ideias com as bases do partido, e, sobretudo, com o povo brasileiro.

Na foto, que tenho a honra de exibir neste singelo canal de comunicação, estamos eu, Carlos Quartezani, presidente do PMDB de Conceição da Barra-ES; o vice-presidente da República Michel Temer e Chico Donato, presidente da Fundação Ulysses Guimarães do Espirito Santo.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O vendedor de amendoim

João Baptista Herkenhoff

Leio em A Gazeta, de Vitória, a notícia de que o menino Diogo Estevam Wesley, de 13 anos, foi o ganhador do concurso nacional “Causos do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)”, promovido pela Agência de Notícias “Direitos da Infância” (ANDI), com apoio da Fundação Telefônica. Entro no site de “A Gazeta On Line” para ler a história premiada, cujo título é “O ex-vendedor de amendoim”, e que começa com este parágrafo:

“Meu nome é Wesley e essa é minha história. Nasci numa família de poucas condições e não tinha pai vivo desde os 3 anos de idade. Aliás, nem bem o direito de saber o que aconteceu com ele eu tive. O que sei é que foi assassinado, que eu tinha somente minha mãe e cinco irmãos, e por isso não tive uma infância como a das outras crianças, que podem brincar, ter muitos amigos e situações melhores do que a minha.

Aos 10 anos de idade, não sabia o que era brincar, tinha de ajudar minha mãe a vender amendoim em uma praia da capital do Espírito Santo a fim de conseguir dinheiro para o sustento dos meus irmãos mais novos do que eu. Essa situação me deixava muito envergonhado, pois observava outras crianças brincando e eu não podia brincar também.”

Vejamos como termina a história deste menino:

“Hoje muita coisa mudou, acredito mais em mim, o que antes não ocorria porque sempre me diziam que eu fazia tudo errado. Sei que sou capaz de muitas coisas, estou me desenvolvendo bem na escola. Já fiz música, apresentação de dança, estou me relacionando bem com meus colegas e até aprendi a brincar.

Foi assim que minha história ocorreu até aqui. E, dando continuidade a ela, me convidaram para escrevê-la para vocês, encerrando assim um capítulo de muitos outros alegres que vou continuar a escrever na vida real.”

No miolo da história, Diogo Wesley narra ainda que neste ano de 2010 saiu da casa de sua Mãe e passou a morar com sua tia Penha, em Colatina. A tia acolheu o sobrinho, matriculou o menino numa escola pública próxima de sua casa e o inscreveu no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). Lá Diogo participa da Oficina de Esporte e do Programa Brincando e Aprendendo.

Confesso que, ao ler a reportagem e o texto de Diogo Wesley, lágrimas rolaram de meus olhos. Homem não chora por medo, homem não chora diante da morte. Permanece válido o anátema de Gonçalves Dias: “Tu choraste em presença da morte? Na presença de estranhos choraste? Não descende o covarde do forte; Pois choraste, meu filho não és!”

O homem que não chora à face do perigo, segundo os versos do poeta maranhense que morreu num naufrágio pouco antes de aportar na sua terra natal, chora diante da grandeza ética, vai às lágrimas pela emoção.

A notícia de A Gazeta diz ainda que é sonho de Diogo estudar Medicina. Que empresa capixaba terá a glória de conceder uma bolsa de estudos para fazer deste menino um médico?

João Baptista Herkenhoff, 74 anos, magistrado aposentado, é professor da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES), palestrante e escritor. Autor do livro: Filosofia do Direito (GZ Editora, Rio de Janeiro). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

terça-feira, 30 de novembro de 2010

A Lei e os dramas humanos

João Baptista Herkenhoff

Em outros tempos o cidadão comum supunha que o território do Direito e da Justiça fosse cercado por um muro. Só os iniciados – os que tinham consentimento dos potentados – poderiam atravessar a muralha. O avanço da cidadania, nos últimos tempos de Brasil, modificou substancialmente este panorama.

O mundo do Direito não é apenas o mundo dos advogados e outros profissionais da seara jurídica. Todas as pessoas, de alguma forma, acabam envolvidas nisto que poderíamos chamar de "universo jurídico". Daí a legitimidade da participação do povo nessa esfera da vida social.

Cidadãos ou profissionais, todos estamos dentro dessa nau. De minha parte foi como profissional que fiz a viagem. Comecei como advogado, integrei depois o Ministério Público. Após cumprir o rito de passagem, vim a ser Juiz de Direito porque a magistratura era mesmo o meu destino. Eu seria juiz no Espírito Santo, como juiz foi, não no Espírito Santo, meu avô pernambucano – Pedro Carneiro Estellita Lins. Esse avô, estudioso e doce, exerceu tamanho fascínio sobre mim que determinou a escolha profissional que fiz.

Meu caminho, nas sendas do Direito, foi marcado de sofrimento em razão de conflitos íntimos. Sempre aprendi que o juiz está submetido à lei. E continuo seguro de que este princípio é verdadeiro. Abolíssemos a lei como limitação do poder e estaria instaurado o regime do arbítrio. Não obstante a aceitação de que o "regime de legalidade" é uma conquista do Direito e da Cultura, esta premissa não deve conduzir à conclusão de que os juízes devam devotar à lei um culto idólatra.

Uma coisa é a lei abstrata e geral. Outra coisa é o caso concreto, dentro do qual se situa a condição humana.

À face do caso concreto a difícil missão do juiz é trabalhar com a lei para que prevaleça a Justiça. Não foram apenas os livros que me ensinaram esta lição, mas também a vida, a dramaticidade de muitas situações. Há uma hierarquia de valores a ser observada.
Não é num passe de mágica que se faz a travessia da lei ao Direito. Muito pelo contrário, o caminho é difícil. Exige critério, sensibilidade e ampla cultura geral ao lado da cultura simplesmente jurídica. O jurista não lida com pedras de um xadrez, mas com pessoas, dramas e angústias humanas. Não é através do manejo dos silogismos que se desvenda o Direito, tantas vezes escondido nas roupagens da lei. O olhar do verdadeiro jurista vai muito além dos silogismos.

Da mesma forma que os cidadãos em geral não podem fechar os olhos para as coisas do Direito, o estudioso do Direito não pode limitar-se ao estreito limite das questões jurídicas. O jurista que só conhece Direito acaba por ter do próprio Direito uma visão defeituosa e fragmentada.

Estamos num mundo de intercâmbio, diálogo, debate. Se quisermos servir ao bem comum, contribuir com o nosso saber para o avanço da sociedade, impõe-se que abramos nosso espírito a uma curiosidade variada e universal.

João Baptista Herkenhoff, 74 anos, magistrado aposentado, é Professor da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES) e escritor. Autor do livro Dilemas de um juiz: a aventura obrigatória (Rio, GZ Editora, 2009). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O juiz e o poeta

João Baptista Herkenhoff

Em Cachoeiro de Itapemirim (ES) o povo ergueu na praça principal o busto de um poeta. E esculpiu nesse busto versos do poeta. O poeta chama-se Newton Braga, tão universal e humano quanto seu irmão, o cronista Rubem Braga, embora menos conhecido do que este porque escolheu residir na sua terra natal.

O primeiro aspecto a realçar é que a homenagem máxima da cidade foi fruto de uma subscrição popular. Centenas de pessoas assinaram a lista de doações tendo havido contribuições minúsculas, algumas destas sumamente expressivas porque os signatários colocaram toda a força da alma ao assinar. Destaque-se ainda que não se tributava honra a um homem de poder, como é bem mais comum ocorrer.
Os versos esculpidos no granito são os versos finais do poema “Fraternidade”:

“Esta sensibilidade, que é uma antena delicadíssima,
captando pedaços de todas as dores do mundo,
e que me fará morrer de dores que não são minhas.”

Vejo uma identidade entre o juiz e o poeta. O juiz também morre de dores que não são suas. Deve ser capaz de viver o drama dos processos, descer às pessoas que julga, incorporar na alma a fome de Justiça do povo a que serve. O juiz haverá de ser um misto de juiz e poeta, não com o sentido pejorativo que se desse a essa fusão. Mas com o verdadeiro sentido que há em ver como atributos da Justiça a construção da Beleza, obra do artista, e a construção do Bem, obra do homem que procura trilhar o caminho da virtude.

Diverso e oposto desse paradigma de juiz seria o juiz distante, distante e equidistante, cuja pena se torna para ele um peso, não por sentir as dores que não suas, mas pelo enfado de julgar, pela carência do idealismo e da paixão que tornariam seu ofício uma aventura digna da dedicação de uma existência. A lei como instrumento de limitação do poder é um avanço da cultura humana, caracteriza o Estado de Direito. Mas a tábua de valores de um povo não está apenas na lei. Está sobretudo no estofo moral dos aplicadores da lei. Não há arquitetura política, sistema de freios do poder, concepção de instâncias superpostas a permitir a utilização de recursos, não há enfim engenharia processual que assegure a um povo tranquilidade e Justiça se os juízes forem corruptos, preguiçosos, egoístas, estreitos, sem abertura para o social, ciosos apenas de suas vaidades.

O juiz-poeta será aberto ao universal porque a Poesia descortina os horizontes do mundo e rompe com as estreitezas. Aberto ao universal, terá do Direito uma visão sistêmica, percebendo a relação do Direito com os outros saberes humanos. Portador de cultura ampla, impulsionado pela Poesia a ver sempre além, terá consciência de seu papel social, mediador de culturas num Brasil plural.

O juiz-poeta cultivará o estudo, o trabalho intelectual, os livros. Seguirá o conselho de Olavo Bilac: “Longe do estéril turbilhão da rua, Beneditino escreve! No aconchego do claustro, na paciência e no sossego, trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!”
O juiz-poeta não se fechará no estreito mundo do jurídico e menos ainda no estreito mundo de códigos e leis interpretados literalmente. Abrirá as janelas para enxergar toda a complexidade dos problemas humanos, pensará sempre nas consequências sociais de suas decisões. Nunca lavará as mãos, como Pilatos, jogando sobre o legislador a culpa por sentenças que, a seu próprio critério, sejam profundamente injustas, sem o esforço de buscar caminhos de interpretação para que prevaleçam, nos julgados, os valores éticos que a própria Constituição Federal coloca como parâmetros da organização social brasileira, como muito bem analisou em livro o jurista gaúcho Juarez Freitas.

Um juiz e uma Justiça que participem do esforço de superação das injustiças estruturais, isto é o que se espera como programa de ação de um Judiciário sensível e vigilante. Em síntese: juízes-poetas que se desdobrem para fazer da Justiça uma obra de Poesia e de Grandeza.

João Baptista Herkenhoff é professor da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES), autor do livro Dilemas de um juiz – a aventura obrigatória (Rio, GZ Editora, 2009). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Direito Ambiental: seus fundamentos éticos.

João Baptista Herkenhoff

O zelo pelo meio ambiente insere-se dentro de uma específica visão de mundo e de homem. A partir desta ideia básica desenvolvo as considerações desta página.

Se temos uma concepção hedonista da vida, se nosso horizonte de preocupações fecha-se nos limites de nossa própria casa, se o prazer pessoal e ilimitado é nossa referência – não há razão para que pensemos sobre meio ambiente. Se, ao contrário, nós nos vemos como partícula do universo, se nosso destino como pessoa projeta-se no destino comum dos seres, se raciocinamos numa perspectiva de futuro – gerações sucedem gerações, então, nesta compreensão do papel que desempenhamos no Universo – meio ambiente é tema que nos toca profundamente.

O Direito não está alheio às questões ambientais. Há um ramo do Direito que se debruça justamente sobre o desafio de preservar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade, quer para as gerações presentes, quer para as futuras gerações. Trata-se do Direito Ambiental.

A Constituição Federal estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Este é considerado bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida. Cabe ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo. Miguel Reale escreveu muito inspiradamente em suas “Memórias”:

"A civilização tem isto de terrível: o poder indiscriminado do homem abafando os valores da Natureza. Se antes recorríamos a esta para dar uma base estável ao Direito (razão de ser do Direito Natural), assistimos hoje a uma trágica inversão, sendo o homem obrigado a recorrer ao Direito para salvar a natureza que morre".

O “Direito Ambiental” constitui parte da educação para a Cidadania e os Direitos Humanos. Em primeiro lugar porque a proteção do ambiente é a segurança da sobrevivência sadia das gerações futuras. Em segundo lugar porque a Ciência do Direito tende a ampliar a ideia de Direitos Humanos para além da espécie humana consagrando autênticos direitos da natureza.

Muitas Faculdades de Direito incluem o “Direito Ambiental”, no currículo acadêmico, seja como disciplina obrigatória, complementar ou eletiva. Devido à importância desse estudo, o interesse por ele transpõe os muros do espaço jurídico, alcançando profissionais de várias áreas. A consciência ambiental disseminada na opinião pública assume especial relevância na atualidade, para que todos sejamos guardas da natureza, defendendo-a de agressões e esbulhos. A preservação ambiental convoca as três esferas de governo – federal, estadual e municipal. Igualmente, o compromisso com a defesa do ambiente reclama a atuação dos três poderes – legisladores que façam leis protetoras, autoridades do Executivo que estejam vigilantes, magistrados preparados para aplicar, com descortino, o Direito Ambiental nas suas decisões.

João Baptista Herkenhoff, 74 anos, magistrado aposentado, é Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha e escritor. Autor do livro Dilemas de um juiz: a aventura obrigatória (Rio, GZ Editora). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Uma boa ação

João Baptista Herkenhoff

A força das palavras no contexto é que dá o timbre do que seja uma boa ação, como veremos no correr deste texto.

A professora prescreveu o tema sobre o qual os alunos deveriam discorrer: “Uma boa ação”. Recomendou que os meninos dessem asas à criatividade. Que o texto tivesse grandeza e procurasse comover.

Augusto, sempre cioso de ser um bom aluno, pôs-se a meditar: “Eu já sei muito bem o que vou escrever, não tenho a mínima dúvida sobre a boa ação que proporei aos meus colegas. Só não sei como vou fazer para comover, pois é isto que a professora quer.”

Lembrou-se então o menino de uma frase que, dias antes, sua Mãe falou baixinho, no ouvido do Pai: “Marido, quando suas ações sobem, você é um outro homem, você me emociona”. Augusto então concluiu; “ação que emociona é ação que sobe”. Entretanto, há ações que não sobem, mas que são boas. Foi o que seu Pai falou dia desses na hora do jantar: “As ações que temos caíram, com essa crise financeira internacional, mas quando a empresa é forte, como o Banco do Brasil, podemos ficar tranquilos. A ação cai hoje, mas sobe amanhã.”

Depois de todas essas reflexões, Augusto decidiu sobre o rumo a tomar e iniciou solenemente sua redação: “Uma boa ação é a do Banco do Brasil. Tudo quanto é empresa pode falir, mas o Banco do Brasil sempre estará garantido. O Banco do Brasil só haverá de falir se o Brasil cair em falência. Por esta razão, não existe ação melhor que a do Banco do Brasil.”

O Augusto releu o parágrafo e achou que estava ótimo. Entretanto, atento às recomendações da professora, viu que seu trabalho estava incompleto, pois não tinha emoção. E perguntou a si mesmo: como uma ação do Banco do Brasil pode comover?
Imaginou então a história de um homem que tinha colocado todo o dinheiro que economizou na compra de ações do Banco do Brasil. Essas ações, como todas as outras, caíram muito na bolsa. Embora sabendo que o Banco do Brasil era muito forte, ele ficou desesperado, teve um enfarte e morreu.

No dia em que os trabalhos foram entregues, a professora comentou os textos para todos os alunos ouvirem. “Augusto, meu querido aluno. Você é muito inteligente. Sua redação está perfeita, não tem um só erro de português. Mas uma boa ação que eu dei como tema não é isso. Veja as boas ações que seus colegas apontaram: ajudar uma pessoa idosa a atravessar a rua; defender um colega que sofre uma injustiça; visitar uma pessoa doente”.

Esse é o lamentável epílogo do insucesso escolar do Augusto.Cabe um acréscimo, à margem. Triste sociedade onde até as crianças, de tanto ouvirem falar em queda da bolsa, supõem que uma boa ação seja a do Banco do Brasil.

O mundo seria melhor, se estivesse liberto da onipotência do capital e do seu mais nefasto vértice, o capital financeiro. Afinal quem é mais útil ao convívio humano: o banqueiro que manipula o dinheiro e pede socorro ao tesouro público quando seu negócio fracassa, ou o agricultor que trabalha de sol a sol, lavra a terra e produz alimentos?

João Baptista Herkenhoff, 74 anos, Professor da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES), palestrante Brasil afora e escritor. Autor do livro Filosofia do Direito (Editora GZ, Rio de Janeiro, 2010). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

É livre a divulgação deste texto por qualquer meio, sem necessidade de consentimento do autor que, entretanto, gostaria de ser cientificado das publicações que ocorram.

Depois das eleições

João Baptista Herkenhoff

Este artigo a ser publicado nos jornais, a partir de três de novembro, foi mandado para alguns dos veículos de comunicação na semana anterior, conforme critério combinado com os editores de Opinião.

No dia em que este texto foi produzido, as pesquisas previam a vitória de um dos postulantes à Presidência. Contudo só a apuração dos votos é que definiria quem realmente obteve a preferência do eleitorado. Se as pesquisas fossem infalíveis, poderiam substituir a boca da urna, com economia de tempo e dinheiro.
Como se portar o articulista em face desta situação? Como escrever o artigo, se não é profeta? Talvez a solução fosse cuidar das generalidades, abordar pontos apropriados indepentemente do resultado eleitoral. Foi o que tentei fazer, como o leitor verificará no correr do escrito.

A primeira coisa a dizer, rigorosamente certa, é isto: o povo brasileiro foi vitorioso quando exerceu o direito de eleger o Presidente da República. Esta franquia não foi dada ou concedida por quem quer que seja, foi conquistada pela opinião pública ao exigir “diretas já”, e foi consolidada com as sucessivas eleições presidenciais.
A segunda palavra, também oportuna: a Democracia não se concretiza pelo exercício do voto apenas. Democracia é muito mais do que isso. É educação de boa qualidade, condições de saúde, habitação decente, segurança, vida digna para todos os brasileiros. Os dois candidatos prometeram satisfazer essas aspirações. É direito do povo cobrar de quem venceu o rigoroso cumprimento das promessas.

A terceira palavra propõe o alargamento de um tópico referido no parágrafo anterior: habitação decente. Quem foi expulso dos espaços de razoável conforto, nas cidades, para as periferias? Quem foi condenado a conviver com o lixo? São pessoas sem nome e sem face, marginalizadas, não obstante detentoras da mesma substância espiritual que nos irmana. Esta situação tem de ser mudada. O Governo federal, em aliança com governos estaduais e municipais, tem de assegurar morada sadia e confortável, ainda que simples, para todas as pessoas, para todas as famílias deste país.

A quarta palavra é uma reflexão para todos nós, eleitores. Nosso dever cidadão não se esgotou no ato de votar. É necessária a mobilização popular para fazer um balanço geral do nosso modelo democrático. Há vícios profundos, alguns deles históricos. Como prevenir e coibir a corrupção, por exemplo? Não será razoável exigir que os tribunais de contas sejam mais ativos? Se esses tribunais fossem vigilantes, onipresentes, não seria mais difícil a prática da corrupção? Corrupção sempre houve, disso não se tenha dúvida. Nos períodos ditatoriais houve igualmente corrupção, apenas não era denunciada por falta de liberdade de imprensa. Entretanto, o fato de ser a corrupção um pecado ancestral não deve conduzir a uma atitude de conformidade ou de condescendência. Corrupção é inaceitável, tem de ser extirpada da vida nacional.

A quinta palavra que proponho como provocação é a de discutir a estrutura partidária. Partido tem de ter programa, compromissos. A existência de partidos tem de representar um leque de escolhas para o eleitorado. Do jeito que está atualmente, o sistema de partidos não cumpre sua finalidade. Não se trata de abolir os partidos, mas de chamá-los à ordem, um puxão de orelhas, destes que fazem acordar.

Nossa sexta palavra quer acenar para o tema “discriminações contra a mulher”. Independente de ganhar o candidato homem, ou a candidata mulher, há muito para ser feito a fim de eliminar da vida brasileira as discriminações que relegam a mulher a um plano secundário dentro da sociedade. A luta pelo respeito à mulher, pela dignificação da mulher, não é uma luta isolada do tradicionalmente chamado sexo frágil. Todos os seres – homens e mulheres – têm alguém a que chamam de Mãe. Basta isso – todos nascerem de uma mulher – para que os “direitos da mulher” sejam direitos que convoquem todas as pessoas para uma vigilância contínua.

Nenhuma das empreitadas propostas neste texto alcançará efetivação através da luta individual. Só a luta coletiva permite obter avanços. Há situações concretas onde o cidadão tem de travar uma luta individual para conquistar seus direitos. Esta peleja solitária, que o cotidiano da vida exige, é penosa, longa e a possibilidade de chegar a bom termo é sempre menor. Porém, se uma situação específica convoca a luta individual, não devemos recuar diante dos obstáculos.

Sempre que for possível, entretanto, devemos recorrer à luta coletiva. Para a luta coletiva a sociedade tem de aprender a organizar-se. Os pleitos confusos, atrapalhados, sem método, podem ser perdidos e aí geram desânimo. Celebremos as eleições presidenciais, merecem palmas e louvores, mas estejamos certos de que há veredas a percorrer. Que a realização deste certame eleitoral nacional seja convite para as rotas a serem ainda trilhadas.

João Baptista Herkenhoff é professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES), magistrado aposentado, palestrante e escritor. Autor de Dilemas de um juiz – a aventura obrigatória. Editora GZ, Rio de Janeiro, 2009.
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

N. B. – A divulgação deste texto, por qualquer meio ou veículo, é livre, sem necessidade de autorização do autor que, entretanto, agradece ser cientificado das divulgações feitas.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

A escola que queremos

Existem temas que são recorrentes nas campanhas eleitorais. Outros, recentemente, surgiram com mais veemência nos debates por tratar de questões que permeiam os valores morais e, numa sociedade como a nossa, ainda jovem no sentido da observação e compreensão dos “princípios regentes da democracia”, esses assuntos causam um verdadeiro terremoto, obrigando muitos a dizerem o que não pensam, para não perderem a popularidade, mesmo sabendo que do ponto de vista da democracia, é necessário debater e expor o seu pensamento sobre o tema.

Mas o que vou tratar nesse artigo, não diz respeito a “valores morais”, embora também seja recorrente, tanto nas campanhas eleitorais, quanto no cotidiano das pessoas. Falo de educação.

A vontade de se sentir incluído e de participar de um assunto que é inerente ao universo intelectual, estimula muitos a falarem desse assunto, sem, de fato, entendê-lo. Aliás, quero ressaltar que também não sou especialista da área, porém, me atrevo a compartilhar o pouco que entendo com aqueles que, porventura, se dispuserem a ler o presente artigo.

Ocorre que conquistar requer sacrifício e muitas vezes, mesmo com muito sacrifício, não se consegue um resultado no tempo e espaço que desejamos. Melhorar a educação, pressupõe uma mudança de comportamento, o que não se restringe apenas a educadores ou aqueles que os remuneram. É evidente que as mazelas existem e são difíceis de serem combatidas no curto prazo. Há muitos culpados de não haver em nosso país uma atitude de combate radical ao analfabetismo, e não me refiro apenas aos que não sabem ler, mas aos que não compreendem o que lêem. No entanto, o trabalho para identificar culpados, é inócuo. Não soluciona absolutamente nada. Mas se as pessoas que são direta ou indiretamente atingidas pela catástrofe provocada pela “educação deficitária” no país, decidirem participar desse movimento, poderemos sim vislumbrar uma geração futura com grandes possibilidades de construir um Brasil de primeiro mundo.

Todos temos um papel a cumprir neste contexto. Governo, sociedade, profissionais da educação, família, meios de comunicação, enfim, se não compreendermos, definitivamente, que a nossa participação na busca por soluções para os problemas da educação não terminam quando apertamos algumas teclas na urna eleitoral eletrônica ou, simplesmente, quando os nossos filhos deixam a escola, sempre teremos jovens frustrados, sem uma profissão e enveredando para o mundo do crime, ou, ansiosos para terminarem o ensino médio e abandonarem a escola como se até ali, tivesse sido o maior fardo que já carregou por toda a sua vida.

O povo deve continuar acompanhando os movimentos políticos dos eleitos, sobretudo aqueles que receberam o seu voto. Atuando como um cidadão que se preocupa com o coletivo e não há nada que afete mais o coletivo do que a oferta de um ensino público de qualidade, que contemple a formação de um indivíduo que pense e não apenas que cumpra sua “obrigação” de concluir os estudos. Na outra ponta, as famílias devem continuar acompanhando o desenvolvimento da sua escola, mesmo que os seus filhos não estejam mais lá. A escola é da comunidade, portanto, o que acontece nela diz respeito a todos.

É preciso quebrar paradigmas, mudar o que for preciso para que a educação aconteça de fato e não seja um “eu finjo que te ensino, e você finge que aprende”. Não podemos misturar um tema de tamanha relevância para o futuro das crianças e jovens brasileiros, com a dinâmica da politicagem mesquinha que serve apenas como alicerce para incompetentes pousarem de rei com um olho só, numa terra de cegos. Não é justo que se promova a ignorância para a pavimentação do caminho dos medíocres.

Educação é muito mais do que prédio, materiais escolares, computadores com internet, praças esportivas. Sim, tudo isso faz parte de uma estrutura que contribui na qualidade da educação, mas se não houver um esforço contínuo e um compromisso real de profissionais, dos que remuneram esses profissionais e acima de tudo, o comprometimento da família em participar do processo educacional dos seus filhos, de nada adiantará ter prédios maravilhosos que só servirão para abrigar, lamentavelmente, futuros jovens marginalizados e despreparados para uma atividade profissional digna e que lhe proporcione sonhar com uma vida melhor do que teve a geração que lhe antecedeu.

Precisamos pensar nisso, porque a escola que queremos sempre será a escola que teremos.

sábado, 23 de outubro de 2010

Comunidade elaborando Projeto de Lei

A parceria que firmamos com a Fundação Ulysses Guimarães - FUG/ES - para oferecer aos cidadãos de Conceição da Barra-ES e região norte do estado, a oportunidade de aprender através dos cursos de formação política à distância (EAD), tem sido para mim um enorme incentivo à compreensão do quanto as pessoas realmente querem participar do processo de mudança na política brasileira. Ontem, 23/10/10, no distrito de Braço do Rio, onde estou trabalhando uma turma de cursistas interessados em conhecer a metodologia da Gestão Pública Municipal, promovemos um "momento pedagógico" para a assimilação dos conhecimentos da Aula "Processo Legislativo", cuja tarefa era a criação de um Projeto de Lei Municipal.

Não posso dizer que fui surpreendido, porque a turma sempre me deu um retorno muito positivo quando lançava o desafio do "momento pedagógico" em todas as aulas que ofereci. Digo ofereci, mas é bom lembrar que sou um mediador, e a aulas são ministradas de fato por professores do IBAM (Instituto Brasileiro de Administração Municipal) e o complemento é sempre feito por políticos conhecidos e com a experiência de gestão acumulada em governos municipais, tanto no Poder Executivo, quanto no Legislativo, são os responsáveis por palestras que despertam os cursistas para o entendimento real de como funciona, na prática, a máquina pública e a complexa tarefa de administrar um município, considerando, sobretudo, as Leis que o regem.

O fato é que ao apresentar o trabalho, pude verificar que os cursistas elaboraram um Projeto de Lei que "Cria, delimita e ordena os bairros da Zona Urbana do distrito de Braço do Rio", com toda a argumentação pertinente, incluindo mapas das ruas dos referidos bairros, conseguidos junto ao setor competente da Prefeitura Municipal de Conceição da Barra. Além disso, os cursistas simularam uma "Câmara Municipal de Braço do Rio", onde os "vereadores" puderam discutir o Projeto de Lei, levantar as questões polêmicas e dirimi-las, encaminhando o Projeto de Lei, posteriormente às "Comissões" para os devidos pareceres finais.

Bem, se alguém me perguntar por que faço isso, saio de casa numa sexta-feira, à noite, e me dirijo ao interior do município para fazer a mediação de um curso de formação política (EAD) e acompanho 20, 30 pessoas que mesmo não sendo mais crianças, querem entender como funciona o universo de onde são produzidas as decisões que interferem diretamente à sua vida, eu respondo que "isso é cidadania, é a vontade de fazer com que a realidade mude, não por decreto ou porque uma ou outra pessoa quer, mas porque nós, todos juntos, queremos essa mudança".

Meus parabéns aos meus conterrâneos de Braço do Rio (Conceição da Barra-ES), por terem entendido que a solução para os nossos problemas, inclusive os problemas coletivos, não caem do céu. É preciso buscar, batalhar, conquistar e tudo isso com a força que já temos, mas que alguns tentam nos convencer do contrário. Se olharmos para o horizonte e entender que tudo nos pertence, dependendo apenas de nosso esforço para alcançar, não mais ficaremos reclamando da vida e apontando os culpados pelos nossos fracassos.

Os cursos de formação política da EAD/FUG, tem promovido, sobretudo, elevação da auto-estima e isso vai ajudar a tirar o nosso país da mesmice, do atraso e da falta de confiança em si, eu creio!

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Sentença muda a rota de uma vida

João Baptista Herkenhoff

Dentre as milhares de decisões que proferi na carreira de juiz, há uma que me traz especial alegria e feliz lembrança porque, com a ajuda de Deus, mudou a rota de uma vida. Veio a se tornar muito conhecida porque pessoas encarregaram-se de espalhá-la: por xerox, primeiramente; depois por mimeógrafo; depois por e-mail; finalmente, veio a ser estampada em sites da internet através de primorosos trabalhos de arte com som e imagens, produzidos por pessoas que não conheço pessoalmente: Odair José Gallo e Mari Caruso Cunha.Hoje, aos 74 anos, a memória visual me socorre.

Sou capaz de me lembrar do rosto de Edna, a protagonista do caso, e do ambiente do fórum, naquela tarde de nove de agosto de 1978, há trinta e dois anos portanto. Uma mulher grávida e anônima entrou no fórum sob escolta policial. Essa mesma mulher grávida saiu do fórum, não mais anônima porém Edna, não mais sob escolta porém livre. Após ouvir, palavra por palavra, o despacho que a colocou em liberdade, Edna disse que se seu filho fosse homem ele iria se chamar João Batista. Mas nasceu uma menina, a quem ela colocou o nome de Elke, em homenagem a Elke Maravilha.Edna declarou no dia da sua liberdade: poderia passar fome, porém prostituta nunca mais seria.

Passados todos estes anos, perdi Edna de vista. Nenhuma notícia tenho dela ou da filha. Entretanto, Edna marcou minha vida. Primeiro, pelo resgate de sua existência. Segundo, pela promessa de que colocaria no filho por nascer o nome do juiz. Era o maior galardão que eu poderia receber, superior a qualquer prêmio, medalha, insignia, consagração, dignidade ou comenda. Lembremo-nos de Jesus diante da viúva que lançou duas moedinhas no cesto das ofertas: “Eu vos digo que esta pobre viúva lançou mais do que todos, pois todos aqueles deram do que lhes sobrava para as ofertas; esta, porém, na sua penúria, ofereceu tudo o que possuía para viver.” (Lucas, 21, 1 a 4).

Edna era humilde e pobre. Sua maior riqueza era aquela criança que pulsava no seu ventre. Ela não me oferecia assim alguma coisa externa a ela, mas algo que era a expressão maior do seu ser. Se a promessa não se concretizou isto não tem relevância, pois sua intenção foi declarada. O que impediu a homenagem foi o fato de lhe ter nascido uma menina. Em razão do que acabo de relatar, se eu encontrasse Edna, teria de agradecer o que ela fez por mim. Edna me ensinou a ser juiz. Edna me ensinou que mais do que os códigos valem as pessoas. Isso que eu aprendi dela tenho procurado transmitir a outros, principalmente a meus alunos e a jovens juízes.Segue-se a íntegra da decisão extraída da folha 32 do Processo número 3.775, da Primeira Vara Criminal de Vila Velha:

A acusada é multiplicadamente marginalizada: por ser mulher, numa sociedade machista; por ser pobre, cujo latifúndio são os sete palmos de terra dos versos imortais do poeta; por ser prostituta, desconsiderada pelos homens, mas amada por um Nazareno que certa vez passou por este mundo; por não ter saúde; por estar grávida, santificada pelo feto que tem dentro de si, mulher diante da qual este juiz deveria se ajoelhar, numa homenagem à Maternidade, porém que, na nossa estrutura social, em vez de estar recebendo cuidados pré-natais, espera pelo filho na cadeia. É uma dupla liberdade a que concedo neste despacho: liberdade para Edna e liberdade para o filho de Edna que, se do ventre da mãe puder ouvir o som da palavra humana, sinta o calor e o amor da palavra que lhe dirijo, para que venha a este mundo tão injusto com forças para lutar, sofrer e sobreviver.

Quando tanta gente foge da maternidade; quando milhares de brasileiras, mesmo jovens e sem discernimento, são esterilizadas; quando se deve afirmar ao mundo que os seres têm direito à vida, que é preciso distribuir melhor os bens da Terra e não reduzir os comensais; quando, por motivo de conforto ou até mesmo por motivos fúteis, mulheres se privam de gerar, Edna engrandece hoje este Fórum, com o feto que traz dentro de si. Este Juiz renegaria todo o seu credo, rasgaria todos os seus princípios, trairia a memória de sua Mãe, se permitisse sair Edna deste Fórum sob prisão.

Saia livre, saia abençoada por Deus, saia com seu filho, traga seu filho à luz, que cada choro de uma criança que nasce é a esperança de um mundo novo, mais fraterno, mais puro, algum dia cristão.

Expeça-se incontinenti o alvará de soltura.

João Baptista Herkenhoff, professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES), palestrante Brasil afora e escritor. Autor de Mulheres no banco dos réus – o universo feminino sob o olhar de um juiz. Rio, Editora Forense, 2008.E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

domingo, 10 de outubro de 2010

Como parei de fumar

A escrita foi inventada para possibilitar àquele que registra os fatos, a sensação de que está prestando um serviço ao seu semelhante. Bem, pelo menos este é o meu pensamento sobre este assunto. Quem entender de outra forma, também poderá não estar equivocado, assim como eu, provavelmente, também não estou.

O fato é que se vou investir alguns minutos do meu tempo em escrever algo que um número de pessoas muito menor do que eu desejaria, irá ler, entendo que devo ser o mais útil possível, embora não tenha capacidade de saber o que é útil para você em todas as áreas de sua vida. Pelo sim, pelo não, decidi escrever sobre como deixei de fumar, há 8 anos, e a satisfação que tenho em dizer que “parar de fumar é muito mais fácil do que podemos imaginar”.

Estabelecer prioridades na vida é a providência mais comum no meio em que vivemos. Você pode ter uma pilha de problemas, mas para resolvê-los você terá que eleger o principal deles, a prioridade zero. Se ele não for o principal problema na opinião de outra pessoa, não importa. O que importa é que você decidiu que, naquele momento, o seu principal problema foi aquele que você elegeu como sendo o principal.

O ano era de 2002, numa tarde não muito ensolarada no outono de Conceição da Barra, minha terra. Ao chegar em casa, encontro minha esposa na sala, já no sexto mês de gravidez do meu primeiro filho, Heitor (existia também o Gabriel, de 5 anos, fruto do primeiro relacionamento dela). Aliás, embora não seja meu filho biológico, Gabriel foi muito importante para mim, mas este é um assunto para uma outra crônica.

Pois bem, ao verificar o desânimo de minha amada, perguntei o que havia acontecido “dessa vez”. Ela me respondeu:

- Cortaram a luz da nossa casa!

Mesmo sem derramar lágrimas, pude perceber a frustração nos seus olhos e a sua impotência para me ajudar a resolver o problema, me parecendo que isto a deixava mais triste do que o próprio fato em si.

Para quem nunca sentiu chegar ao fundo do poço financeiro, saiba que quando não há dinheiro para o pagamento da conta de luz, o sentimento é de que até Deus já não está mais conosco. Mas, eu digo e afirmo: Nesses momentos, é preciso buscar urgentemente uma resposta de Deus, afinal, no meu caso, eu buscava trabalho em minha cidade, depois de uma tentativa frustrada de constituir um negócio próprio, e não conseguia por motivos vários, dentre os quais, minha incapacidade em desenvolver tarefas que demandavam força física. Eu nunca havia trabalhado em nada que demandasse força física. Poderia até tentar fazê-lo, porém, minha estrutura física – sou de estatura baixa e tenho mais de oitenta quilos – não me permitia encarar uma atividade pesada, seja ela qual fosse.

Mas o que quero lhe dizer neste espaço que generosamente a internet me oferece, não tem relação direta com a minha dificuldade financeira naquele momento e muito menos, meus problemas com as contas de energia elétrica. Eu preciso lhe dizer que, quando priorizamos algo em nossas vidas e somos fiéis a essa determinação, Deus conspira ao nosso favor.

Ao verificar através da tristeza de minha esposa, grávida, que nós estávamos incapazes de sequer pagar a conta de energia elétrica da nossa casa, repreendi todo o mal que tentava nos destruir, humilhando-nos e fazendo de nós seres insignificantes. Parti para a ação. Peguei o meio de locomoção disponível para mim (uma bicicleta já não muito nova) e fui ao encontro de pessoas que pudessem me emprestar o dinheiro necessário e assim, pagar as contas atrasadas para resolver o meu problema principal. Assim o fiz.

Ao retornar, um pouco mais tarde, já de noite, a casa estava iluminada e a minha esposa um pouco mais tranqüila por termos, no mínimo, conseguido naquele dia ter vencido mais um gigante: O gigante da falta de luz. Menos angustiado, mas com o desejo muito grande em agradecer a Deus, eis que olho para a mesa de centro da minha casa e visualizo um maço de cigarros (meu, evidentemente), do qual havia fumado apenas um. E, na geladeira, no compartimento que congela os produtos, lembrei-me que havia duas latas de cerveja e que por sinal, ainda não havia perdido a temperatura ideal para o consumo, embora nós tenhamos ficado algumas horas sem energia elétrica.

A sensação de que eu precisava retribuir a Deus algo tão grande que Ele me proporcionou (a falta de energia elétrica foi o problema que eu elegi como nº 1) foi tão forte que eu não pensei duas vezes: As duas latas de cerveja foram lançadas contra o muro do meu quintal e o maço de cigarros, se tornou uma pequena bola de papelão em minhas mãos, e que, ato contínuo, já era parte de minha lata de lixo da cozinha.

Essa atitude, acompanhada da frase dita em alta voz “Deus, em nome de Jesus, nunca mais vou fumar e beber bebidas alcóolicas em agradecimento ao que o Senhor fez por mim neste dia!”, cristalizou o meu compromisso com alguém maior do que eu – Deus – e por esta razão, há mais de 8 anos, não fumo, não bebo e tenho uma vida absolutamente normal, com lutas, algumas vitórias e outras a vencer, mas com a certeza de que quando sabemos estabelecer prioridades e cremos que Deus é soberano e pode nos atender, em qualquer pedido, a nossa vitória estará decretada.

Este relato é real, mas o que é mais real, é que Deus está sempre pronto a atender os nossos pedidos. Não importa o tamanho do pedido e o seu grau de dificuldade. O importante é que sabendo estabelecer qual é a sua prioridade, todos os seus problemas são resolvidos, e não é preciso sequer usar de força para isso. Basta crer e fazer o que lhe cabe. O que não lhe cabe, com toda certeza, caberá a alguém maior que nós: Deus!

A propósito: Desde esse dia, nunca mais a minha luz foi cortada, exceto, uma vez quando por displicência deixei de pagar a conta, mesmo tendo o dinheiro para pagar. E neste caso, até eu, se fosse Deus, também não faria qualquer intervenção.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Ficha suja por engano

João Baptista Herkenhoff

Uma parcela expressiva do eleitorado decidiu não votar em ficha suja. Houve um trabalho de conscientização muito bem feito, pelas Igrejas, pelas organizações populares e por outras instâncias da sociedade civil para que o povo recuse mandato aos fichas sujas. Há um profundo sentimento de civismo na alma do povo brasileiro. Engana-se quem pensa que o povo não tem Civismo e Ética. O povo tem muita Ética, o povo tem abundante Civismo. O que falta ao povo é informação.

Alguns fichas sujas tiveram a candidatura vetada pela Justiça Eleitoral. Estão fora do páreo. Bom para o Brasil. Outros fichas sujas conseguiram driblar o cerco e estão por aí, candidatíssimos, pleiteando o voto popular.Agora cabe ao eleitorado fazer a peneira.

A consciência do eleitor é que vai definir o que é um ficha-suja. Ficha-suja é apenas aquele pretendente a mandato que foi barrado pela Justiça Eleitoral? Sabemos que o veto judicial só se efetiva depois de um longo caminho.

O pai de família daria procuração a um ficha-suja para cuidar dos bens que com muito esforço conseguiu amealhar para segurança da esposa e dos filhos? Para decidir sobre dar ou não dar procuração, nesta hipótese de zelo pelo patrimônio particular, o cidadão exige que o ficha-suja tenha sido condenado por um tribunal, depois de vários recursos? Ou condenado apenas pelo Juiz de Direito da comarca, como corrupto, já é ficha-suja e não merece procuração alguma? É correto que o cidadão negue procuração a um ficha-suja, quando se trata de zelo pelo patrimônio privado, e dê procuração ao ficha-suja para cuidar dos negócios do Estado e do país?

Votar é dar procuração. Ao votar o cidadão transfere a outrem o poder de decidir em seu nome.

Em 3 de outubro próximo, o povo votará em Presidente e Vice-Presidente, Governador e Vice-Governador, Senador. Para esses cargos o sistema é majoritário. No mesmo dia o povo votará também para Deputado Estadual e Deputado Federal, mas neste caso pelo sistema proporcional. Já mencionamos como isto funciona no nosso ultimo artigo, mas convém explicar melhor porque isto é relevante demais.

Vamos contar uma história para simplificar:

O nome do candidato e o nome do partido, nessa história, são fictícios.
Conheço desde criança o cidadão Antônio Feliciano Caçador. É um homem muito digno, honesto. Merece meu voto para Deputado Estadual. Antônio Feliciano Caçador é candidato pelo Partido Mundial da Paz. Ao votar no nobilíssimo Antônio Caçador estarei automaticamente dando legenda ao Partido Mundial da Paz. Então tenho de ver quais são os candidatos que acompanham o nosso Caçador. Se estiver mal acompanhado, se o Partido Mundial da Paz tiver acolhido ficha-suja, não poderei escolher Antônio Feliciano. Terei de encontrar um bom candidato de outro Partido, um partido que não tenha dado guarida a ficha-suja de qualquer espécie.

Com relação a partidos, não basta considerar a existência ou inexistência de fichas-sujas na lista de candidatos. Há um outro ângulo importante. É preciso que o eleitor verifique a linha ideológica que o partido segue. É um partido conservador ou um partido progressista? Se sou conservador, devo votar em partido conservador. Se sou progressista, devo votar em partido progressista.

Mas o que é um partido conservador ou um partido progressista? O nome do partido identifica sua linha ideológica? No exemplo fictício que apresentamos, o Partido Mundial da Paz é, necessariamente, um partido pacifista? De modo algum. Um partido pode ter esse nome apenas de fachada.

O programa adotado oficialmente pelo partido resolve minha dúvida? O programa diz que o partido é a favor de uma melhor distribuição de renda, a favor da reforma agrária, a favor de uma redução dos juros e a favor do controle da atividade bancária. Posso confiar que este é um partido progressista? Ainda não. O partido pode ser infiel a seu programa, também o programa pode ser apenas de fachada.

Então estou num mato sem cachorro? Não, não estou.

É possível verificar: qual tem sido a linha de ação dos principais líderes de um partido; como tem sido o comportamento das respectivas bancadas à face dos temas mais importantes da agenda política. Esses dados reais, e não de fachada, é que traçam o verdadeiro perfil de um partido.

É trabalhoso verificar tudo isso? Trabalhoso é, mas Democracia é assim mesmo, dá trabalho. Temos de construir a Democracia num esforço diuturno, seguros de que o esforço vale a pena.

João Baptista Herkenhoff é professor da Faculdade Estácio de Sá e Vila Velha e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Cidadania Municipal

João Baptista Herkenhoff


No dia oito de setembro, Dia de Vitória, este artigo foi publicado no jornal A Gazeta. Tinha de aparecer mesmo, primeiramente, no território da comuna vitoriense, como homenagem à cidade.

Cumprido esse dever de deferência, o texto vai agora circular amplamente.
Oito de setembro é também o Dia Mundial da Alfabetização. Foi uma benfazeja coincidência de datas porque cabe ao Município, mais que aos Estados e à União, a grande responsabilidade de alfabetizar a totalidade do povo. Que glória para um município levantar este troféu: “neste pedaço de chão brasileiro não temos um único analfabeto”.

A cidadania é exercida em nível nacional, estadual e municipal.
Como é expressivo o povo escolher, por via direta, o Presidente da República.
Este direito foi conquistado. Os muito jovens, que são milhões no Brasil, não presenciaram a luta por eleições diretas. É preciso que busquem informações sobre esse belíssimo episódio de nossa história contemporânea. Por ocasião das eleições presidenciais, todas as grandes questões nacionais são debatidas, como estamos presenciando neste momento.

Não obstante a importância do exercício da cidadania, em plano nacional, é sobretudo no âmbito das relações mais próximas da pessoa que se efetiva a cidadania.
A Cidadania começa nos municípios. Antes de ser um cidadão brasileiro consciente (ou uma cidadã brasileira consciente), a pessoa tem de ser um munícipe consciente.
Prefeitos e Vereadores têm contato direto e diuturno com o povo, bem mais que governadores, deputados estaduais e titulares de funções públicas no plano federal.
O povo pode exercer pressão direta sobre o poder público municipal. É muito mais fácil fiscalizar os titulares de função pública no plano municipal do que no plano estadual ou federal. O aperfeiçoamento da Democracia exige o fortalecimento dos Municípios, o aprimoramento da vida política municipal.

O Poder Executivo, no plano municipal, é exercido pelo Prefeito. Ao eleger o Prefeito Municipal, o eleitorado escolhe também o Vice-Prefeito. Frequentemente o povo não presta muita atenção em quem é o vice, tanto nas eleições municipais, quanto nas estaduais e federais. Entretanto, é muito importante saber sempre em quem estamos votando para vice, não apenas porque o vice é o substituto constitucional do titular do cargo, como também porque o vice tem sempre muita influência no governo. O Poder Legislativo Municipal é exercido pelas Câmaras Municipais que são compostas de Vereadores escolhidos pelo eleitorado local.

Se muitos eleitores não ficam atentos no voto para vice, menos atenção ainda dedicam a seu voto para a pessoa que estão escolhendo para o exercício da vereança. Esta desatenção é grave e deve ser evitada com empenho. O sistema de eleição dos Vereadores é semelhante ao dos deputados. É o sistema proporcional, que é diferente do sistema majoritário.
O sistema majoritário é adotado nas eleições para Presidente, Governador, Prefeito e Senador. Ou seja, ganha o candidato que tiver mais voto. Se o eleitor vota para Fulano ou Beltrano para Governador, o voto é contado apenas para aquele candidato e assunto encerrado. No sistema proporcional a conversa é outra. O eleitor vota no vereador, deputado estadual e deputado federal que escolheu e vota também no partido daquele candidato. O voto no candidato e no partido é inseparável. O Município não tem Poder Judiciário. Os Juízes de Direito que atuam nas comarcas fazem parte do Poder Judiciário Estadual.

Num artigo em que exalto a cidadania municipal, creio que é justo homenagear um grande munícipe. Trata-se do senhor Gustavo José Wernersbach, que vai completar cem anos de idade, lúcido e altaneiro. Ele merece o título de munícipe exemplar por toda uma vida dedicada ao progresso de Domingos Martins e ao bem-estar do seu povo.
Foi Vereador, por sucessivas legislaturas, num tempo em que a Vereança era gratuita.
Foi um dos dirigentes da Campanha Nacional de Educandários Gratuitos, núcleo de Domingos Martins, doando tempo (o trabalho era gratuito) e dinheiro para a construção do ginásio local. Gustavo Wernersbach foi dos primeiros a perceber a importância turística das montanhas capixabas. Por este motivo, convocou a comunidade e através de mutirão liderou o melhoramento da antiga estrada de terra que permitia o acesso à região. Recentemente batalhou para que a rodovia fosse asfaltada e também pelo projeto denominado “trem das montanhas”, percurso ferroviário que proporciona ao visitante paisagens paradisíacas. Além do aspecto turístico, o asfalto facilita o escoamento da exuberante produção agrícola da região.

Todo o esforço de Gustavo José foi alimentado por um grande amor ao torrão natal, ele, um Wernersbach de descendência germânica que amou o Brasil como alguém que tivesse raízes multicentenárias no solo brasileiro.

João Baptista Herkenhoff, 74 anos, é Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha, conferencista e escritor.
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Discriminação do aposentado é injusta

João Baptista Herkenhoff

A discriminação do aposentado não é uma questão técnica, mas uma questão ética. Seria uma questão técnica se envolvesse apenas aspectos contábeis. É questão ética porque ultrapassa os limites de simples considerações de ordem financeira.

Por Ética devemos entender todo o esforço do espírito humano para formular juízos tendentes a iluminar a conduta de pessoas, grupos humanos, povos, sob a luz de um critério de Bem e de Justiça. Esse critério de Bem e de Justiça, que ilumina a Ética, prescreve que as novas gerações sejam gratas às gerações mais velhas.

A idéia de reverência aos velhos esteve presente em muitas culturas, ao longo dos séculos. E mesmo hoje, quando uma cultura capitalista, monetarista, utilitária, desligada de qualquer compromisso ético, pretende impor-se ao conjunto da Humanidade, ainda assim vozes ancestrais teimam em dizer que a terceira idade merece homenagem. Frequentemente surpreendemos aqui e ali situações em que se discrimina o aposentado.

Recorrendo a recortes de jornal verifico dois fatos que ilustram o que estou dizendo.
A primeira notícia registra o caso de uma aposentada que morreu durante a remoção, por ambulância, de um pronto-atendimento para um hospital. A idosa teve um mal estar. Não sendo atendida no plantão do pronto-atendimento, foi levada por familiares para o hospital. Mesmo diante de uma crise de pressão arterial, tardaram os primeiros cuidados. Um auxiliar de enfermagem tentou tirar, sem êxito, a pulsação da paciente. Nem essa situação aflitiva evitou que a idosa permanecesse na maca, sem maior atenção. Após apelos insistentes da filha, a presença da aposentada foi notada, mas aí apenas para constatar que havia falecido. O caso aqui referido, como exemplar, não é, infelizmente, exceção. Acontece com frequência. Apenas nem todas as ocorrências repercutem na imprensa.

Outro caso ilustrativo é o da criação de um auxílio-saúde para determinada categoria de servidores públicos. Em que faixa de idade mais pode ser reclamado, com razão e justiça, um auxílio-saúde? Em que faixa de idade as pessoas gastam mais com medicamentos? Não é preciso convocar especialistas para responder essas duas perguntas. O senso comum dá a resposta. Se considerarmos correto e adequado que servidores percebam auxílio-saúde, os destinatários desse benefício devem ser, em primeiro lugar, os idosos. Mas quem ficou fora do auxílio-saúde acima mencionado? A resposta a essa indagação não é óbvia, como foi óbvia a resposta única das duas indagações anteriores. Muito pelo contrário. A resposta é surpreendente. Os idosos ficaram de fora. Os idosos não precisam de auxílio-saúde.

Os fatos mencionados neste artigo são circunstanciais, episódicos. Foram apresentados como simples exemplo para que a reflexão não ficasse teórica demais. A substância deste texto, entretanto, é o julgamento ético dos fatos. Esse julgamento ético, de peremptória condenação, ajusta-se a quaisquer situações como as descritas, aconteçam onde acontecer, quaisquer que sejam as pessoas envolvidas.

João Baptista Herkenhoff, 74 anos, é Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES). Autor do livro Dilemas de um juiz – a aventura obrigatória. (GZ Editora, Rio de Janeiro). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Leis penais mais severas?

João Baptista Herkenhoff

Sempre que a sociedade fica assustada, em face de episódios criminais que colocam em grande risco a segurança dos cidadãos, repõe-se no debate a tese do endurecimento das leis penais. À primeira vista a solução parece acertada, motivo pelo qual angaria o apoio de parcelas ponderáveis da população. Não nos parece que este seja o caminho. As leis em vigor já punem severamente atos covardes como alguns que têm ocorrido. O que se espera é que crimes que ferem intensamente a consciência ética, e põem em justo sobressalto as pessoas de bem, sejam desvendados e que seus autores, presos na forma da lei, sejam julgados pelos juízos e tribunais comuns, segundo as leis vigentes.
Há que se aperfeiçoar, outrossim, as instâncias responsáveis pela segurança pública e pelo combate ao crime, especialmente o crime organizado. Nesta matéria estão, a meu ver, em boa rota todos aqueles que têm defendido uma integração das instâncias federal, estadual e até mesmo municipal, no enfrentamento da questão, bem como a integração de órgãos em cada esfera de Governo.

Não será através de leis de exceção, ou tribunais de exceção, que se combaterá o crime organizado e os autores de delitos horripilantes, mas sim através do real e eficiente funcionamento da Justiça e demais aparatos legais.

Foi em decorrência da introdução, na Inglaterra, de uma lei que permite aos policiais atirar num momento de ameaça, que o brasileiro Jean Charles, confundido com criminosos, foi assassinado em Londres.

A temática do terrorismo e de uma legislação excepcional que o terrorismo demande, com supressão das liberdades duramente conquistadas na evolução da História, é uma das questões mais preocupantes do mundo contemporâneo. Nos Estados Unidos o ex-presidente Bush defendeu com ardor a ruptura dos direitos civis clássicos, até mesmo com a abolição de pactos internacionais. A diplomacia brasileira não tem, entretanto, apoiado o endurecimento proposto. Nossa posição, no âmbito das Nações Unidas, firma-se na ideia de que não se combate o terror com a adoção do que poderíamos chamar, sem eufemismo, de “terrorismo jurídico”.

A introdução, no Brasil, de leis especiais (leis de exceção), para punir delitos graves, já definidos pela legislação comum, com penas devidamente cominadas, contradiz nossa postura internacional, sustentada com brilho pela exemplar diplomacia de nosso pais.
O equivocado tratamento interno da questão estabeleceria um hiato entre o que dizemos lá fora e o que fazemos aqui dentro.

João Baptista Herkenhoff é Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES), palestrante em várias universidades e escritor. Autor do livro Filosofia do Direito (GZ Editora, Rio de Janeiro).
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
Homepage: www.jbherkenhoff.com.br
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terça-feira, 17 de agosto de 2010

Justiça: da crise à superação

João Baptista Herkenhoff

Frei Leonardo Boff diz que os momentos de crise são a grande oportunidade para os avanços e a superação. Sendo assim, um momento de crise do Poder Judiciário será o mais acertado e próprio para refletir sobre caminhos que permitam uma melhoria da Justiça.

Proponho dez medidas para aprimorar a Justiça. São medidas de realização possível, desde que haja a vontade de mudar.

1) Arejar os tribunais. – Nada de sessões secretas, exceto para questões que envolvam a privacidade das pessoas (casos de família e outros). Nada de exigência de roupas e calçados para ingressar nos recintos judiciais. Nada de vedar o acesso da imprensa aos julgamentos. Que todas as decisões e votos sejam abertos e motivados.

2) Dar rapidez aos julgamentos. – Sem sacrificar o “princípio do contraditório”, é possível fazer com que a Justiça seja mais rápida. Que as partes em conflito aleguem e façam provas, como é certo, mas que se alterem as leis de modo que não se fraude a prestação jurisdictional através de recursos abusivos. Que se acabe com o recurso obrigatório nas decisões contra o Poder Público, pois isso é admitir que todos os procuradores de Estado sejam desonestos. Mesmo que a decisão seja injusta e incorreta deixariam de recorrer, por corrupção. O duplo grau de jurisdição, nessas hipóteses, contribui para sobrecarregar as pautas dos tribunais. Que se mudem também práticas que não estão nas leis mas estão nos hábitos e que entravam a Justiça, transformando-a numa traquitana, como disse Monteiro Lobato.

3) Humanizar a Justiça. – A Justiça não lida com objetos, mas com pessoas, dramas humanos, dores. O contato das partes com o juiz é indispensável, principalmente nos casos das pessoas mais humildes que ficam aterrorizadas com a engrenagem da Justiça. Kafka desenhou com genialidade o sufocamento do ser humano pelas artimanhas do processo judicial. O apelo de ser escutado é um atributo inerente à condição humana. Tratar as partes com autoritarismo ou descortesia é uma brutalidade inaceitável.

4) Praticar a humildade. – O que faz a Justiça ser respeitada não são as pompas, as reverências, as excelências, as togas, mas a retidão dos julgamentos. Na última morada, ser enterrado de toga não faz a mínima diferença. Neste momento final, a mais alta condecoração será a lágrima da viúva agradecendo ao magistrado, em silêncio, a Justiça que lhe foi feita. Por que não se muda a designação dos chamados Poderes para serviços? Serviço Executivo, Serviço Legislativo e Serviço Judiciário. São mesmo serviços, devem ser entendidos como serviços a que o povo tem direito.

5) Democratizar a Justiça. – Começar pala democratização da eleição dos presidentes dos tribunais. Todos os magistrados, mesmo os de primeiro grau, devem poder votar. Um magistrado de primeiro grau pode ser eleito para dirigir a corte, regressando a seu lugar ao completar o mandato. Um presidente de tribunal não é apenas aquela pessoa que preside às sessões, mas é alguém que exerce a presidência de um órgão do Poder.

6) Alterar o sistema de vitaciedade. – O magistrado não se tornaria vitalício depois de dois anos de exercício, mas através de três etapas: dois anos, cinco anos e sete anos. A cada etapa haveria a apreciação de sua conduta, com a participação de representantes da sociedade civil porque não seria apenas o julgamento técnico (como nos concursos de ingresso), mas o julgamento ético (exame amplo do procedimento do juiz).

7) Combater o familismo. – Nada de penca de parentes na Justiça. Concursos honestos para ingresso na magistratura e também para os cargos administrativos. Neste ponto a Constituição de 1988 regrediu em comparação à Constituição de 1946. A Constituição de 1946 proibia que parentes tivessem assento num mesmo tribunal. A Constituição de 1988 proíbe parentes apenas na mesma turma. Se o tribunal tiver cinco turmas será possível que cinco parentes façam parte de um mesmo tribunal, desde que um parente em cada turma.

8) Aumentar a idade minima para ser juiz. – O cargo exige experiência de vida, não demanda apenas conhecimentos técnicos.

9) Fazer da Justiça uma instituição impoluta. – É inadmissível a corrupção dentro da Justiça. Um magistrado corrupto supera, em indignidade moral, o mais sórdido bandido.

10) Colocar os juízes perto dos litigantes. – Se o habitante da periferia tem de subir escadas de mármore, para alcançar suntuosas salas, em palácios ainda mais suntuosos, a fim de pleitear e discutir direitos, essa difícil caminhada leva a uma ruptura do referencial de espaço, que é referencial de cultura, referencial de existência.

João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da UFES e professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES). Autor do livro Filosofia do Direito (Editora GZ, Rio de Janeiro, 2010).
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quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Estação dos debates

João Baptista Herkenhoff

A Primavera só começa no mês que vem, mas a estação dos debates politicos já começou. Debates entre presidenciáveis, entre candidatos a Governo Estadual, com os pretendentes a cadeiras legislativas. Debates na televisão, nas emissoras de radio, através dos jornais, nas associações de moradores, nas igrejas, nas entidades da sociedade civil, nos espaços públicos em geral.

Isto é muito bom. Isto é Democracia. A Democracia tem vícios e pecados, mas a pior Democracia ainda supera a melhor ditadura. Nas democracias os pecados são publicamente exibidos. Nas ditaduras só se conhecem os pecados sob o crivo da História, ou seja, os vícios do ditador de hoje só serão revelados no futuro, depois da queda do ditador. Este é um fenômeno universal, acontece assim em todos os países do mundo.

Os debates entre presidenciáveis e entre postulantes aos Executivos estaduais realçam, a meu ver, um dos aspectos mais positivos do sistema presidencialista de governo. Nos debates confrontam-se teses, ideias e caminhos que possam orientar os destinos do Brasil e de cada um dos Estados da Federação. Assim o eleitor, na verdade, não escolhe apenas um candidato, um nome, mas opta pelo rumo que, segundo sua consciência, deve ser dado ao país e à unidade federativa onde ele reside.

É natural que haja troca de pequenas “alfinetadas” entre os debatedores, desde que se evitem ofensas morais, pois estas descaracterizam o significado do embate.
Nos debates, algumas perguntas ficam sem resposta ou são mal respondidas. A omissão ou a resposta que não convence servem para o eleitor formar opinião, discernir.
É preciso que os debates se multipliquem porque democracia, antes de tudo, é isto: discussão, transparência, oposição de projetos.

É preciso que também os candidatos a vice (Vice-Presidente, Vice-Governador) compareçam aos debates. Não vamos agourar os titulares. Não vamos pensar em morte. Mas devemos considerar que o vice é o substituto eventual em qualquer situação (licenças, viagens), além de ser sempre um ator politico importante, mesmo quando o ocupante efetivo está no exercício da função.

Também os candidatos aos postos do Legislativo deveriam ser sabatinados. Deputados e senadores, além de legislar, têm grande peso politico. Presidentes e Governadores podem ser reféns de corpos legislativos minados pela corrupção. É absolutamente indispensável que o voto popular eleja deputados estaduais, deputados federais e senadores que tenham, pelo menos, uma folha corrida de dignidade moral.

Uma advertência importantíssima. No voto para deputado estadual e deputado federal, o eleitor não escolhe apenas o candidato. Dá seu voto também à legenda do candidato, ou seja, vota no candidato e no partido a que o candidato pertence. Cumpre assim escolher um bom candidato, cuja legenda esteja limpa, sob o aspecto ético. Isto é o mínimo que se pode desejar. Realmente a escolha suplanta este ângulo ético. Na escolha do candidato, o eleitor endossa também o programa partidário. Há partidos conservadores e há partidos progressistas. No voto o eleitor expressa o rumo que deseja para o país ou para o Estado. Mas os tempos estão de tal forma suspeitos que, não obstante a questão programática, salvaguardar um “mínimo ético” faz sentido.

O voto igual, universal, direto e secreto foi fruto de uma longa caminhada histórica.
O voto era restrito às classes dominantes. Exigiam-se posses e uma renda alta para que a pessoa tivesse o direito de participação na vida política. Mulher não podia votar. O voto era aberto, motivo pelo qual a maioria das pessoas não tinha liberdade de escolha, pois o sufrágio era fiscalizado pelos olhos dos donos do poder.
As barreiras e restrições ao voto foram caindo. A ampliação de direitos não foi dádiva dos mandachuvas. Resultou das lutas do povo. As classes subalternas, as pessoas discriminadas, os oprimidos fizeram valer sua voz.

Mas teremos chegado a um regime de voto verdadeiramente democrático?

Creio que não. Ainda há uma enorme influência do poder econômico nas eleições. As campanhas são caras. Sustentadas por pessoas e empresas poderosas, estas cobram o dinheiro “aplicado”. Os compromissos decorrentes do financiamento das campanhas beneficiam grupos econômicos, privilégios, manutenção de estruturas de injustiça.
A corrupção eleitoral, da qual o financiamento de campanhas é uma face, apresenta-se como o mais grave atentado ao “voto cidadão”, na realidade contemporânea do Brasil.
Mas justamente para tentar mudar esse quadro é preciso votar. Nada de votar em branco ou votar “nulo”. Pelo contrário, votar com consciência e com fé nas possibilidades de avanço da cidadania.

João Baptista Herkenhoff, magistrado aposentado, é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Professor da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha e escritor. Autor do livro Ética para um mundo melhor (Thex Editora, Rio).
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
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terça-feira, 10 de agosto de 2010

Dia do Advogado, Dia do Estudante

João Baptista Herkenhoff

Em 11 de agosto de 1827 D. Pedro I criava as duas primeiras Faculdades de Direito do Brasil: a de São Paulo e a de Olinda e Recife. Por esse motivo, o Onze de Agosto veio a ser proclamado Dia do Advogado. Depois a data foi também escolhida para homenagear o estudante, em decorrência da circunstância de formarem os estudantes de Direito, durante muito tempo, a parcela maior e mais expressiva do alunato de ensino superior.

A passagem desse dia comemorativo merece reflexão por parte da sociedade em geral, e não apenas de estudantes e advogados. Primeiramente porque o povo tem fome de Justiça, tanto quanto tem fome de pão. Milhares de pessoas, nesta semana, em todo o território brasileiro, não estão pedindo pão, mas estão bradando por Justiça. Este grito tem de ecoar na consciência nacional.

Na busca e realização da Justiça, papéis relevantes cabem aos profissionais da advocacia, aos membros do Ministério Público e aos magistrados. Mas na semana dos advogados cuidaremos apenas destes.
Destaco três pontos na ética do advogado:

. Seu compromisso com a dignidade humana;
. Seu papel na salvaguarda do contraditório;
. Sua independência à face dos Poderes e dos poderosos.

Creio que é a luta pela dignidade da pessoa humana que faz da Advocacia, não uma simples profissão, mas uma escolha existencial.
Se nos lembramos de Rui Barbosa, Sobral Pinto, Heleno Cláudio Fragoso, qual foi a essência dessas vidas? Respondo sem titubear: a consciência de que a sacralidade da pessoa humana é o núcleo ético da Advocacia.

Esta é uma bandeira de resistência porque se contrapõe à “cultura de massa” que se intenta impor à opinião pública, no Brasil contemporâneo. A “cultura de massa” inocula o apreço “seletivo” pela dignidade humana. Em outras palavras: só algumas pessoas têm direito de serem respeitadas como pessoas.

Há um discurso dos Direitos Humanos que é um discurso das classes dominantes. Nações poderosas pretenderam e pretendem “ensinar” direitos humanos. Esquecem-se essas nações que o imperialismo político e econômico é a mais grave violação dos Direitos Humanos. Propomos os Direitos Humanos como “opção de vida”, mas não são os Direitos Humanos dos poderosos da Terra, dos que fazem dessa causa um instrumento da mentira.

Preferimos buscar noutras fontes a seiva dos Direitos Humanos. E, a nosso ver, a mais rica seiva são os movimentos populares. A apropriação dos Direitos Humanos pelos movimentos populares não significa desprezar a construção da ideologia dos Direitos Humanos a partir de outros referenciais e outras origens. Se o objetivo é a dignidade da pessoa humana, é a ruptura de todas as formas de degradação de homens ou mulheres, as vertentes acabam por encontrar-se e os militantes hão de comungar as mesmas lutas.
Nosso segundo ponto de reflexão lembra que o Advogado salvaguarda o contraditório, isto é, o embate de teses e provas que se defrontam perante o juiz. Já Sêneca, filósofo estóico e autor romano que viveu nos primeiros tempos da Era Cristã, percebeu a necessidade do contraditório quando afirmou que “quando o juiz após ouvir somente uma das partes sentencia, talvez seja a sentença justa. Mas justo não será o juiz”.

Finalmente, vejo a independência em face dos Poderes e dos poderosos como atributo inerente ao papel do Advogado. Não tema o advogado contrariar juízes, desembargadores ou ministros. Não tema o advogado a represália dos que podem destruir o corpo, mas não alcançam a alma. Não tema o advogado a opinião pública. Justamente quando todos querem “apedrejar” aquele que foi escolhido como “Inimigo Público Número 1”, o advogado, na fidelidade à defesa, é o Supremo Sacerdote da Justiça.

João Baptista Herkenhoff, 74 anos, magistrado aposentado, é Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES) e escritor. Autor, dentre outros livros, de “Dilemas de um juiz – a aventura obrigatória” (GZ Editora, Rio). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Combatendo a fanfarrice

Uma prática comum no meio político brasileiro, talvez mais comum do que pedir votos, é a fanfarrice de uma parte dos que se aventuram na política. E são aventureiros mesmo!

Digo isto, não porque a esperança de ver mudada a mentalidade política das pessoas já tenha se dissipado da minha mente, e do meu coração, mas sim por ter uma expectativa de que na medida em que surjam as candidaturas, que tenham como premissa básica nos apresentar uma alternativa de mudar a realidade que aí está, através de uma postura firme, defendendo com veemência a importância da política no contexto social, resgataremos sim, o verdadeiro sentido desta ciência idealizada pelos gregos antigos e tão maltratada por nossa comodidade e desleixo para com o nosso próprio futuro. E esta ciência, digo, a verdadeira política, até hoje não foi estabelecida de fato no nosso glorioso País. Há ainda um enorme hiato entre o que é praticado no Brasil, em termos de política, e o que pressupõe esta ciência.

O “ser político” talvez seja uma das poucas expressões de caráter hibrido em nossa sociedade. Quando queremos falar bem de alguém, no que diz respeito ao trato, à gentileza com as palavras e atitudes, e a incapacidade de dizer “não”, para quem quer que seja, logo o definimos como alguém “político”. Por outro lado, quando queremos desqualificar alguém por fazer parte de um segmento, cuja inserção, requer um comportamento solícito, mas que tal solicitude vem acompanhada da necessidade em lhe pedir um voto, imediatamente torcemos o nariz e, ao dar-lhe às costas, vem a conhecida expressão nos lábios: “Eu detesto política e os políticos”!

Pois bem, vamos combinar então: Não gostamos de política e não queremos mais votar. Ok! Agora vamos ao nosso novíssimo dilema. O que colocaremos no lugar da política? Quais os critérios que utilizaremos para escolher quem nos governará? Primeira sugestão: Que tal escolhermos um empresário de sucesso, cujos lucros de sua empresa, superam em muito todos os outros? Me parece alguém capacitado para nos governar, não é mesmo?! Vejamos... e quanto a sua parcialidade ao tomar uma decisão que irá afetar os seus colegas empresários? Será que ele conseguirá decidir com a imparcialidade necessária numa decisão que implicará, por exemplo, nos direitos dos empregados do setor privado brasileiro? É. Acho melhor escolhermos outro governante não é mesmo!

Segunda sugestão: Que tal um padre, ou até mesmo, um pastor? Sim. O país tem maioria católica, e os evangélicos tem altas taxas de crescimento no Brasil e muitas pessoas tem admiração por alguns desses sacerdotes que são responsáveis por mudanças importantes nas comunidades às quais estão inseridos, etc... mas, há um problema: Como o padre, ou o pastor, poderá decidir diante de interesses que não contemplam aqueles que acreditam em outras teses espirituais? Transformaremos o Brasil numa Faixa de Gaza? Não! Definitivamente, não!

Terceira sugestão: Quem sabe se colocássemos um general do Exército para comandar o país? Será que estaria resolvida a celeuma? Partindo do princípio de que já vivemos esta experiência e o resultado foi tortura e morte, e muitos corpos inclusive, sequer foram encontrados até o dia de hoje... acho que não, um general... não seria uma boa idéia. Mas, quem nos governaria, uma vez que não queremos mais a política? Não lhes parece que o caos estaria estabelecido de fato? “Cada um para si e Deus para todos”, para utilizar uma expressão comum em Conceição da Barra-ES, quando não se consegue chegar a um denominador comum e todos se separam para tentarem vencer sozinhos.

Voltando ao início do tema que me inspirou escrever o presente artigo, insisto em dizer que a fanfarrice verificada, sobretudo nos momentos eleitorais, é estimulada pela certeza de que a política não interessa para nós e que o mais importante é que a pessoa que escolhemos para votar, seja o popular “gente boa” e que, por esta razão, entendendo que “todos são iguais” (e não são!) vota-se na “miss simpatia” ou no “mister universo” do pedaço, para que ela (ou ele) assuma o comando de um barco chamado País (estado ou município) e ficarmos pedindo a Deus para que tudo que, no exercício do poder,ela ou ele resolva fazer, dê certo.

Não! Não é assim que deveríamos proceder. Política é coisa séria e o primeiro passo para nos manifestar, expressar o que sentimos enquanto cidadãos, é entender a política, participar de movimentos cujo objetivo seja o esclarecimento sobre os nossos deveres e direitos, nos quais estão inseridos à capacitação para sermos verdadeiros agentes da cidadania e conhecedores do papel que devemos exercer na sociedade. O fanfarrão, ao qual me refiro, não se combate com o nariz torcido e expressões de desdém tais como “não gosto de política e de políticos”. Este tipo de indivíduo, é combatido com o interesse pela informação de qualidade e fontes variadas para que não sejamos iludidos e levados a avaliar alguém, ou um partido, com base apenas num só ponto de vista.

Nem tudo o que brilha é ouro, portanto, se você quer escolher as pessoas que decidirão o seu destino, o seu bem estar e sobretudo, garantir seus direitos fundamentais através de um mandato, observem o seu passado, suas atitudes e postura diante de temas polêmicos. A incapacidade de se posicionar diante de um tema polêmico, pressupõe incapacidade de defender aquilo que acredita e um indivíduo incapaz de defender o que acredita, consequentemente não servirá para representar as pessoas que depositaram nele confiança, através do voto. E, só para lembrar: “Fanfarrões recusam-se a se posicionar diante de temas polêmicos e não conseguem dizer não, mesmo quando não há outra resposta para a questão proposta”.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Questões angustiantes de Justiça

João Baptista Herkenhoff

Ministros dos altos tribunais, desembargadores federais ou estaduais, magistrados de cortes internacionais são, antes de tudo, juízes.
Há tanta grandeza na função, o ser humano é tão pequeno para ser juiz, é tão de empréstimo o eventual poder que alguém possui para julgar que me parecem desnecessários tantos vocábulos para denominar a mesma função.
Talvez fosse bom que os titulares de altos postos da Justiça nunca se esquecessem de que são juízes, cônscios da sacralidade da missão. O que os faz respeitáveis não são as reverências, excelências ou eminências, mas a retidão das decisões que profiram.
Já no início da carreira na magistratura, mostrei ter consciência de ser “de empréstimo” a função que me fora atribuída. Disse, num discurso, em São José do Calçado, uma das primeiras comarcas onde atuei:
O colono de pés descalços, a mãe com o filho no colo, o operário, o preso, os que sofrem, os que querem alívio para suas dores, os que têm fome e sede de Justiça – todos batem, com respeito sagrado, às portas do Fórum ou da residência do Juiz, confiando na sua ação, na sua autoridade, na sua ciência, na sua imparcialidade e firmeza moral. E deve o Juiz distribuir Justiça, bondade, orientação, confiança, fé, perdão, concórdia, amor.
Como pode o mortal, com todas as suas imperfeições, corporificar para tantos homens e mulheres a própria imagem eterna da Justiça, tornar-se aquele ente cujo nome de Batismo é colocado em segundo plano para ser, até mesmo para as crianças que gritam, carinhosamente, por sua pessoa, na rua o... Juiz?
Só em Deus se encontra a resposta porque, segundo a Escritura, Ele ordenou: “Estabelecerás juízes e magistrados de todas as tuas portas para que julguem o povo com retidão de justiça”.
Outra questão. Uma proposta de emenda constitucional pretende aumentar a idade da aposentadoria compulsória dos magistrados, de 70 para 75 anos. Os interessados na aprovação da matéria são, de maneira especial, aqueles que se encontram à beira da idade-limite.
O empenho de permanecer na função, no que se refere aos magistrados, é tão veemente que o humor brasileiro criou uma palavra para a saída não voluntária – expulsória. Diz-se então assim: “Fulano não vai pedir aposentadoria de jeito nenhum. Só saí na expulsória”.
Sou absolutamente contrário à pretendida alteração constitucional. O aumento da idade da aposentadoria compulsória retira oportunidades de trabalho para os jovens. Mais importante que manter os idosos, nos seus postos, é abrir horizontes para os novos.
Terceiro ponto. Sou a favor do voto aberto e motivado na promoção dos juízes. O voto secreto, por mera simpatia ou antipatia, ou por critérios ainda mais censuráveis, deslustra a Justiça. Quem vota deve sempre declarar pública e limpamente o seu voto. O processo de democratização do país, a que estamos assistindo, com o debate público de todas as questões, não pode encontrar no aparato judicial uma força dissonante.
Em 30 de agosto de 2005, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), acolhendo pedido formulado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), aprovou resolução no sentido de que a promoção dos magistrados, por merecimento, obedeça, nos tribunais, ao princípio do voto aberto e motivado.
Rebelamo-nos contra as promoções arbitrárias, imotivadas, dentro da magistratura, já em 1979, na tese de Docência Livre que defendemos publicamente na Universidade Federal do Espírito Santo. Dissemos então:
As promoções, no quadro, deveriam ser precedidas de concurso público de títulos e de provas. Desses concursos deveria participar, com peso ponderável, a OAB, pelas mesmas razões que justificam a presença da classe dos advogados no processo de recrutamento de juízes. Os concursos buscariam apurar a operosidade do juiz, sua residência na comarca, o cuidado de suas sentenças, sua dedicação aos estudos, seus escritos e publicações, cursos de aperfeiçoamento que tenha frequentado, seu comportamento moral, social e humano etc.
Última questão. Sou contra a realização de audiências criminais por vídeo-conferência. Não me parece de bom conselho que se privem os magistrados do contato direto com indiciados, acusados ou réus. Parece-me que a ausência desse contato desumaniza a Justiça. O acusado – seja culpado, seja inocente – não é objeto, é pessoa. Quantas vezes, na minha vida de juiz, a face do acusado revelou-me o imponderável, a lágrima que rolou espontânea indicou-me o caminho. Não se trata de desprezar os autos, mas de ir além dos autos. O acusado tem direito de ver o juiz, de falar, de expor, de reclamar, de pedir. Se será atendido nos seus pleitos é outra coisa. Mas cassar-lhe o direito de comunicação direta, afastando-o do magistrado através de uma máquina impessoal, parece-me brutal.

João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo e Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha. Autor de Escritos de um jurista marginal (Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Direito e Poesia

João Baptista Herkenhoff

A Poesia e o Direito são vizinhos. A Poesia engrandece o Direito. Só se alcança o Direito pelo caminho da Poesia.
O encontro do Direito com a Poesia nem sempre é fácil. Frequentemente ao Direito pede-se ordem. A Poesia alimenta-se da transgressão. Em muitos casos, entretanto, só se realiza o Direito pelas portas da transgressão. Que são os movimentos de desobediência civil senão a transgressão coletiva das leis? Foi essa a estratégia de que se utilizaram Nelson Mandela e Martin Luther King, na luta contra a segregação racial (na África do Sul e nos Estados Unidos). Que é, no Brasil, o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) senão a busca do direito à terra, ao trabalho, à sobrevivência, rompendo um suposto pacto social. Pacto social apenas suposto, não um pacto efetivo porque representado por leis protetoras de um pretenso direito de propriedade, interpretadas de maneira positivista pelos tribunais. Mesmo quando a propriedade não cumpre sua finalidade social, nas balizas desse pacto mentiroso tolera-se com indiferença o desvio.
Viva a liberdade dos poetas, no seu cântico:
“Nunca haverá fronteira na vida de um poeta. Sua bandeira é de luz, sua justiça é correta. Se errarem ele protesta.” (Silas Correia Leite).
Mas mesmo o Poeta, cuja missão deve ser o anúncio dos mais altos ideais, pode esquecer-se da vida que o rodeia. Quando há esse esquecimento, quando a Poesia não cumpre o seu papel, merece reprovação. E como é belo quando quem reprova o poeta é o Poeta, como nestes versos de um dos maiores a poetar em Língua Portuguesa:
“Ao ver uma rosa branca o poeta disse: Que linda! Cantarei sua beleza como ninguém nunca ainda! E a rosa: - Calhorda que és! Pára de olhar para cima! Mira o que tens a teus pés! E o poeta vê uma criança suja, esquálida, andrajosa comendo um torrão da terra que dera existência à rosa.” (Vinicius de Moraes).
Charles Chaplin, com sua profunda sensibilidade de Artista, puxa a orelha do jurista que se divorcia das angústias humanas: "Juízes, não sois máquinas! Homens é o que sois!"
Poesia é substantito feminino. Direito é substantivo masculino.
Há uma preponderante presença do masculino no Direito, a começar pela prevalência de homens nas funções judiciais. Só recentemente mulheres ascenderam aos tribunais, e mesmo assim, em total desproporção à presença de homens nessas casas.
Como escreveu Marita Beatriz Konzen,
“não há que se falar em estado democrático, enquanto não eliminarmos as gritantes diferenças sociais, dentre as quais, a desigualdade de sexos.”
A sensibilidade não é virtude exclusivamente das mulheres. Também os homens podem ser sensíveis, enquanto nem sempre as mulheres são portadoras de sensibilidade.
Mas, em termos globais, por critérios de totalidade, a Justiça seria mais sensível se abrigasse, nos seus quadros, uma presença mais significativa de juízas.
Utopia, Paz, Participação, Igualdade, Anistia são palavras femininas que apontam para o ideal de uma sociedade fraterna.
Racismo, preconceito, imperialismo, nepotismo, arbítrio são palavras masculinas que direcionam a sociedade para a exclusão e a injustiça.
O conselho de Eduardo Couture, dirigido aos juristas, deveria ser estampado nos fóruns: “Teu dever é lutar pelo Direito. Mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça".
O conflito entre lei (com letra minúscula mesmo) e Justiça (com letra maiúscula sempre) é uma constante no espírito do Juiz.
Creio que deva prevalecer a Justiça.
Trabalhar com a pauta da lei para encontrar a Justiça é uma tarefa difícil.
Porém, por mais difícil que seja a tarefa, essa busca é obrigatória.
Reprovo, com veemência, a recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pretendendo que o mérito ou demérito dos magistrados seja aquilatado pelo ajustamento de suas sentenças à jurisprudência dos tribunais superiores.
Quem renova o Direito é o juiz de primeiro grau, rente à vida.
Só o juiz de primeiro grau pode auscultar o ser humano, da mesma forma que só o médico pode auscultar o coração e o pulmão do paciente.
Os tribunais, como disse Eliézer Rosa, são sempre tribunais de ausentes porque nunca têm diante de si pessoas, mas apenas autos, papéis, argumentos.
Só a contemplação pessoal dos rostos e dos dramas humanos, que transparecem nesses rostos, pode permitir ao juiz humanizar a lei, ou seja, fazer com que a lei suba às esferas da Poesia.

João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da UFES e Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha. Magistrado aposentado.
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segunda-feira, 19 de julho de 2010

Os Partidos Políticos e a inércia popular

Há algum tempo venho aprofundando minhas indagações acerca da importância da política e a sua inverossímil relação com a qualidade de vida que todos querem ter, porém, ainda não sabem qual o seu papel para contribuir nesta conquista. Embora tenha minhas preferências partidárias, por entender que este é um dos requisitos básicos para se obter algum resultado no que tange ao verdadeiro exercício da democracia, percebo uma forte tendência à consolidação do discurso que dificulta a aproximação das pessoas ao tão mal-falado ambiente político, utilizando-se justamente da desqualificação de sua maior e melhor ferramenta, salvo melhor juízo, os partidos políticos.

O distanciamento cada vez maior das pessoas em relação aos partidos, promove sem nenhuma dúvida todas as condições necessárias para que o enfrentamento dos malefícios dos famigerados “acordos de cúpula” sejam eternizados, e as Instituições (os partidos) cada vez menos acreditadas pela sociedade. Enquanto isso, o povo vota, achando que está votando em quem realmente gostaria, mal sabendo o desavisado, que ele está votando em alguém, cuja decisão de candidatura, partiu de uma meia dúzia de pessoas, estas sim, que se interessam pela política e se fazem presentes às reuniões, sobretudo, aquelas que decidem de fato quem serão os candidatos.

Recente pesquisa realizada pelo Instituto Futura e divulgada no jornal A Gazeta, revelou quais os serviços em que os cidadãos da Grande Vitória-ES mais confiam e menos confiam. Os resultados não surpreenderam, embora tenham sido lamentáveis no que diz respeito aos Partidos Políticos, Câmara de Vereadores, Assembléia Legislativa e os Sindicatos. Estas Instituições receberam a nota mais baixa por parte da população entrevistada. Se eu não fosse alguém que defendesse a democracia com todas as minhas energias, diria que o povo não tem condições de escolher os seus representantes e que o melhor caminho seria devolver o país aos militares, abrindo mão de todas as batalhas vencidas até aqui, tais como a liberdade de expressão e uma infinidade de outros direitos, preferindo que as decisões sejam tomadas por um grupo específico de pessoas, sem a necessidade de consultar a população. Mas, não é este o meu pensamento. Não posso admitir jogar fora tudo o que conquistamos, em função de nossa paralisia.

Acredito no meu país, tenho convicção de que muito já avançamos, especialmente em relação ao papel da imprensa. Não como um 4º Poder, mas como um instrumento que nos permite conhecer melhor os caminhos a trilhar e com a nossa liberdade de escolha garantida, optar por aquilo que entendemos ser o melhor para a comunidade. Contudo, não é possível exercer todos esses direitos bravamente conquistados por pessoas que inclusive perderam suas vidas para garanti-los, sem que nos organizemos e façamos dos partidos políticos não uma agremiação de pessoas com interesses próprios, mas um fórum permanente de idéias, onde a exposição do que pensamos, seja a matéria-prima para as decisões que venham efetivamente contribuir no desenvolvimento da nossa sociedade, em todos os seus aspectos.

Enquanto as Instituições que tem os seus membros escolhidos pelo povo estiverem diuturnamente sendo reprovadas por este mesmo povo, não conseguiremos chegar aonde pretendemos. Se achamos que algo não funciona bem é hora de colocarmos as mãos na massa e tentar fazer com que este funcionamento seja o mais aproximado possível daquilo que entendemos ser o ideal. Se não é possível faze-lo sendo eleito para compor o reduzido número de vagas nas Câmaras, Assembléias, nas diretorias dos Partidos e dos Sindicatos, é hora de filiar-se e dar a sua contribuição, mesmo que seja através da imposição da sua presença nas reuniões, que por si só, já é uma importante manifestação de que você esta acompanhando de perto as decisões que estão tomando por você.

É intolerável o descaso da população para com a atividade partidária no Brasil. A impressão que tenho é que estão todos sob efeito de tranqüilizantes, numa paralisia absoluta, só despertando para reclamar nas esquinas sobre a péssima representação que ela própria escolheu. Debruçando-se sobre um profundo desinteresse, prefere dizer que não gosta de política, ao invés de tentar entende-la e participar de sua construção. O povo capixaba reprova a si mesmo quando avalia as Instituições que deveriam representa-lo como não confiáveis. Se não confiamos em quem escolhemos para nos representar, é chegada a hora de rever nossos conceitos e critérios para essas escolhas.